PP - Textos Diversos XXX
PP - Quem São os Presos
Políticos:
994 - Da mesma forma, o sujeito que rouba
carteiras no ponto de ônibus está também a cometer um crime contra o
patrimônio. Com a diferença de que os trabalhadores que ocupam a empresa o
fazem com o intuito edificar as bases do socialismo, enquanto o ladrão de
carteiras preserva o quadro da propriedade privada, limitando-se a transferir o
dinheiro do bolso do outro para o dele.
995 - Foram os pequenos delinquentes que as
milícias fascistas recrutaram em massa, e usaram-nos contra os militantes e as
organizações políticas e sindicais de esquerda.
996 - Um segundo caso ocorreu no interior dos
campos de concentração na Alemanha nazi. Para resumir em poucas linhas uma
história muito complexa, os presos políticos tiveram de proceder a uma luta
mortal — no sentido exato da palavra — para conseguirem obter cargos na
administração, nas enfermarias e em algumas oficinas, que lhes permitissem preservar
fisicamente os seus camaradas e estabelecer a rede de resistência no interior
do campo. Os presos comuns eram os principais agentes dos SS entre a população
carcerária, e onde os presos comuns dominaram, os políticos foram liquidados.
997 - Finalmente, um terceiro caso ocorreu nos
Estados Unidos nos anos seguintes à segunda guerra mundial, quando o FBI
(equivalente do que é no Brasil a Polícia Federal) usou com muito êxito tanto o
crime organizado como os pequenos delinquentes para combater os militantes
comunistas e se apoderar por dentro dos sindicatos. O sindicalismo
norte-americano, tal como se evidenciou durante a Guerra Fria, resultou dessa
ação conjunta do FBI e do crime organizado. O FBI repetiu a manobra contra o
movimento dos direitos cívicos nas décadas de 1960 e 1970.
998 - O texto elenca
algumas desvantagens e uma série de vantagens na diferenciação entre preso
comum e preso político, ainda que concorde que toda condenação no nosso sistema
é política. Adotando a palavra de ordem
todo preso é um preso político não estaríamos retirando do militante uma das
possibilidades de defesa contra a criminalização da sua ação política?
999 - Um exemplo é a recusa dos militantes do
Movimento Passe Livre de São Paulo (aqui, aqui e aqui) de ir ao DEIC (Departamento
Estadual de Investigações Criminais) depor, negando-se a contribuir com a
elaboração do Inquérito 1 de 2013 por questionar sua legitimidade e constatar a
perseguição política presente nele. A recusa procurou demonstrar o caráter da
repressão operada pelos poderes Executivo estadual e federal em conjunto com o
Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Militar. Essas contradições não
estavam apenas no plano político, mas na própria esfera legal, na medida em que
inquéritos deveriam investigar crimes e não pessoas, e o referido inquérito não
possuía qualquer pessoa indiciada pela prática de um crime. Assumindo o
inquérito como uma questão política, o MPL-SP empreendeu uma série de ações
diretas para questioná-lo, da mesma forma como enfrenta suas demais lutas, por
exemplo a reivindicação da criação de uma linha de ônibus.
PP - Reflexões Sobre a Autonomia:
1000 - Um comentador
“critica” o movimento autonomista mexicano: auto-governo
sem avançar contra o sistema capitalismo soa à comuna hippie. Mas certamente é
muito mais do que ciclistas auto-organizados. (...) A grande questão não seria
justamente transformar o autogoverno em um movimento de vanguarda capaz de
transbordar-se e contaminar setores alheios? Como fazer do autogoverno um
movimento centrífugo e não centrípeto?
1001 - Momentos de
descenso: Dado o fato de os trabalhadores
estarem submetidos por seis a doze horas diárias às rotinas e disciplinas do
trabalho, nestes períodos de calmaria, é inevitável que a competitividade, a
fragmentação e isolamento promovidos pelos setores de RH, seja introjetada em
suas mentes e transborde para outros lugares. … a luta pela autonomia pode ser
definida inicialmente como luta contra o individualismo e a fragmentação social
impostas por burgueses e gestores aos trabalhadores, como luta pelo controle da
produção, como luta contra a hetero-organização, como luta pela
auto-organização.
1002 - Manolo se revolta,
com razão, contra um comentador que parece crer que relaxar pode ser mais útil
que “trabalho de formiguinha”: Trabalhei
noutra empresa onde as reclamações trabalhistas eram respondidas, todas, com a
mesma petição, mudando apenas o nome dos trabalhadores, porque a empresa já
tinha vários juízes e desembargadores “na mão” para os casos mais drásticos, e
confiava, nos casos mais simples, que o peão não ia resistir a ver os R$
2.000,00 (valores de 1999) rotineiramente oferecidos pela empresa nas
audiências de conciliação — quando às vezes tinham direito a indenizações por
acidentes, por horas extras, multas etc. que batiam nos R$ 5.000,00 ou R$
10.000,00. Dá para melhorar isso relaxando?
1003 - Ulisses parece criticar
parte da lógica dos protestos que se supõem internacionais, como os contra o
G-7. A ação direta proletária é a de
todos os dias, nas lutas autônomas contra os patrões, contra a burguesia que
está diante de nós, contra os partidos e os sindicatos que querem perpetuar a
escravidão assalariada. Sim, é preciso generalizar a luta, radicalizá-la e
torná-la mundial, coordená-la; estimular o intercâmbio militante entre os
proletários revolucionários de todos os países e combater o capital em todos os
lugares. Mas é contraproducente e nocivo acreditar que os proletários do mundo
se manifestarão, de forma cada vez mais massiva, num determinado lugar e hora,
contra esses eventos, até liquidar o capitalismo.
1004 - Nesta primeira fase do debate, restrito ao
campo teórico das conclusões de uma pesquisa militante, a luta pela autonomia
mostrou-se ser a luta contra a alienação (nos campos cultural e psicológico),
contra a mais-valia e a exploração (no campo econômico) e contra a
hetero-organização (no campo político), dentro e fora do processo de trabalho,
envolvendo os principais aspectos da vida dos trabalhadores enquanto
trabalhadores. (...) Como se pode perceber do debate conceitual e dos poucos
exemplos trazidos até o momento, a autonomia é sempre coletiva, nunca
individual. Faz-se junto, nunca na solidão. Constrói-se nas lutas, não em simples
mudanças de hábitos. Desenvolve-se contra o capitalismo, nunca reforçando-o.
1005 - Pós-Guerra
europeu: Na rotina do trabalho e no
convívio com companheiros mais experientes, esta nova classe trabalhadora
rápido adaptou-se aos novos processos de trabalho e dominou-os ao ponto de
exercer controle parcial sobre a produção; demonstram-no as greves de zelo, as
operações-padrão, os pequenos atos de “guerrilha trabalhista” que se vão
acumulando até a explosão entre 1968 e 1972.
1006 - Na parte cinco do
texto, querem lembrar que é a classe - e não um grupo autonomista - quem faz a
luta: Há organizações que se concebem
autônomas por embasarem-se em tal ou qual leitura “autonomista”. Estranhamente,
na prática se vê que tais organizações estabelecem padrões de comportamento
inalcançáveis e dedicam boa parte do seu tempo à caça fratricida aos hereges;
criam ritos e códigos herméticos, causa de sérias restrições à renovação de seu
quadro de integrantes; esperando a completa submissão de seus integrantes a
seus ritos, códigos e padrões de condutas, mostram-se incapazes de lidar com as
contradições próprias de indivíduos cindidos entre a integração nos quadros
sociais e ideológicos do capitalismo e a construção de relações sociais novas;
falam um jargão incompreensível por quem não é da “cena” a que pertencem;
isolam-se paulatinamente das lutas do presente, por não quererem se misturar
com os “impuros”; por tudo isso, não articulam suas pautas com o cotidiano da
exploração e da opressão vivido pela classe trabalhadora, descolam-se
completamente dos trabalhadores e de suas lutas. São, assim, autônomas por
antífrase.
1007 - Além disso, é inegável o aumento avassalador
na escolarização dos trabalhadores nos últimos quinze anos; a forte curva
ascendente nas estatísticas de pessoas com ensino médio completo e ensino
universitário completo o indica. A qualificação formal da força de trabalho não
significa que tenha havido sua qualificação real; a tragédia do ensino público
brasileiro (malgrado os esforços e lutas dos professores) e a commodificação do
ensino universitário, prestado majoritariamente em faculdades privadas de
questionável qualidade acadêmica, testemunham esta diferença. Entretanto, na hora
de apresentar os diplomas e certificados para preencher uma vaga de trabalho
com salário achatado, um contador formado pela USP tem o mesmo valor que um
formado pelo Centro Universitário Jorge Amado (UNIJORGE).
1008 - Beneficiários do Bolsa Família, por exemplo,
estão nos mais baixos estratos de renda da sociedade, e para garantir a
continuidade do benefício precisam manter os filhos na escola – não podendo
mais empregá-los como força de trabalho, tal como em tempos já passados,
levando os adultos a sobrecarregar-se de trabalho (em geral em atividades com
baixa exigência de qualificação formal) para manter os filhos na escola. Não
obstante, é entre os beneficiários deste mesmo programa que se encontram
notáveis melhorias no desempenho escolar dos filhos (ver aqui), notáveis
estímulos ao empreendedorismo e ao trabalho por conta própria – embora em
posições muito subalternas no mercado (ver aqui); ademais, a opinião
preconceituosa de que as famílias mais pobres estariam multiplicando filhos
para receber mais benefícios não se sustenta, pois é justamente aí que as taxas
de natalidade têm tido maior decréscimo (ver aqui).
1009 - É isto o que levou 34,5% dos adultos
brasileiros a estar envolvidos em negócio próprio em 2014, tornando o Brasil o
primeiro país no ranking mundial do Global Entrepreneurship Monitor (GEM), à
frente dos EUA e da China (ver aqui). Seria isto puro reflexo da “pejotização”
do mercado de trabalho brasileiro? Cremos que a causa não está somente aí.
Hoje, 40% dos moradores de favelas querem abrir negócio próprio. O número
representa queda em relação à pesquisa anterior, de 2013, quando 53%
manifestavam o desejo de empreender (ver aqui). Mesmo assim é superior à média
nacional. De acordo com o Sebrae, 23% da população brasileira deseja criar um
empreendimento próprio (ver aqui). É curioso que 70% dos moradores de favelas
afirme querer morar no mesmo lugar, mesmo se sua renda duplicasse (ver aqui) –
um curioso enraizamento, cujas possíveis consequências serão discutidas
adiante. (...) Sabemos reconhecer, entretanto, que, mesmo fortemente integrados
no capitalismo, não há trabalhador que não queira romper com o assalariamento –
é a nossa interpretação de sua “vocação empreendedora”.
1010 - Nas democracias capitalistas, é tático
exigir mais e mais daquilo que atenda aos eixos de luta dos trabalhadores, até
bater no impossível; os limites do “impossível” são dados a cada momento pela
correlação de forças entre as classes envolvidas nesta luta; e a “correlação de
forças”, ao contrário do que dizem certos conservadores de esquerda acomodados
com o reformismo lento dos últimos doze anos, não pode ser medida senão
enquanto se luta.
1011 - Trata-se de que estes companheiros com maior
acúmulo e, portanto, consciência mais alargada sobre os limites históricos do
capitalismo, possam identificar, nas lutas em que estão inseridos com outros
companheiros, até onde sua experiência comum permitiu identificar limites
concretos, atuais e palpáveis das lutas, e até onde é possível ir sem
desencadear seu descolamento da maioria. Trata-se, igualmente, de avançar nas
conquistas (e não só nas lutas, pois radicalização sem conquista é sinal de
isolamento) e testar estes limites na prática, até que sua ruptura se mostre
possível – e se tenha não somente a ousadia, mas também as condições
necessárias para efetivá-la.
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