PP - Dilemas da Luta por Moradia
PP - Dilemas da Luta por
Moradia - Parte I:
925 - Na década de 80,
Bava denunciava o Estado como domesticador e cooptador. Caccia
Bava e outros tantos que nas décadas de 1970 e 1980 construíram, junto com os
movimentos populares da época, o que hoje se chama projeto democrático e
popular ocupam os lugares mais privilegiados de uma fração de classe a que
chamamos, ainda intuitivamente, de burocracia participativa. (...) Dizemos que
se trata de fração da classe dos gestores, e não de classe nova.
926 - Algo a se observar é que enquanto, em alguns
casos, as ocupações acontecem segundo o modelo “ocupar-construir-morar” (e isso
se reflete no rechaço às listas, filas de espera, bolsa-aluguel), na
expectativa de que aqueles terrenos se consolidem como bairros, em outros,
opta-se pelo pelo modelo “ocupar-pressionar-conseguir apartamentos”.
927 - De certa forma é o
velho debate sobre “autoconstrução vs.
fundos públicos para a construção em mutirão”.
928 - Com os fundos
públicos, a coisa é menor pesada no orçamento temporal e monetário, mas…: O “outro lado da moeda” é o enredamento dos
movimentos sociais de luta por moradia numa tessitura burocrática tão espessa
que leva-os a se transformarem, mesmo que provisoriamente, em pequenos agentes
imobiliários, como aconteceu com a União Nacional de Luta por Moradia Popular
(UNMP).
929 - FHC e a Concessão
de uso especial para fim de moradia (já que não pode usucapião de terra
pública): Este item havia sido vetado do
Estatuto da Cidade através da Mensagem de Veto 730/2001, vinda do Ministério da
Justiça; a obstinação da Presidência da República em instituir a CUEM mostra o
grau de pressão que já sofria naquela época pelos movimentos de luta por
moradia.
930 - Com os instrumentos de política e gestão
urbanas do Estatuto da Cidade e da MP 2.220/2001; com a institucionalização e
realização em ritmo bienal das Conferências das Cidades; com a instituição do
SNHIS e do FNHIS; com a paulatina institucionalização de repasses de recursos
públicos para projetos habitacionais geridos por entidades sem fins lucrativos
(o que não exclui muitos dos movimentos sociais urbanos, já institucionalizados
e com CNPJ próprio); com tudo isto, enfim, estavam dadas as condições para que
movimentos como a União Nacional de Luta por Moradia Popular (UNMP), defensora
intransigente dos processos de autogestão na construção de moradias populares,
fossem transformados em fiscalizadores passivos de uma política cuja criação
era devido às suas lutas, mas que agora foge de seu controle.
931 - O MCMV faz
mudanças, mas também cria o “Entidades”, com seus 3%, como válvula de escape.
932 - Pode-se evitar esse
processo atrativo do Estado? Os recursos
públicos — de qualquer tipo — chegam mais fácil para quem está inserido no
métier participativo, e quem está fora dele mal sabe como acessá-los.
933 - Haddad incorporou
gestores na Secretaria de Habitação advindos da Frente de Luta por Moradia.
934 - E os imóveis
vazios? Os limites para essa política da
prefeitura apareceram de maneira clara no discurso do recém-empossado
secretário de habitação, José Floriano de Azevedo Marques Neto, quando ele
anunciou o projeto de desapropriação de imóveis na região central: “Queremos
adquirir 41 prédios, muitos estão ocupados de forma organizada há muito tempo.
Agora, ocupação com menos de um ano não vai ficar” (ver aqui). Isto é, só
seriam reconhecidos como legítimos, aos olhos da Prefeitura, os processos de
ocupação feitos por movimentos direta ou indiretamente participantes da gestão
municipal. Novos movimentos sociais, ou ocupações surgidas recentemente,
portanto ainda não incorporadas plenamente nas estruturas de controle do
Estado, não serão incluídos – portanto, todas aqueles surgidas depois de junho
de 2013, como as mencionadas na primeira parte deste artigo, estão de fora.
935 - MTST: Por mais que o movimento tenha sempre se
mantido fora e crítico às forças políticas governistas, ele há muito tempo – e
cada vez mais – funciona internamente com a mesma lógica de movimentos sociais
mais, digamos, “tradicionais”: voltado para as mesas de negociação com o poder
público e secundarizando o trabalho na sua própria base, que, cada vez mais
desinteressada, só continua associada à organização pelo vínculo coercitivo das
listas e pontinhos já denunciadas veladamente aqui.
936 - Para ilustrar para que serve uma ZEIS tipo
(a), tomemos como exemplo um bairro popular que se foi fazendo pelos
trabalhadores do jeito que foi possível: ocupando terreno vazio, resistindo a
“derrubas”, espremendo paredes aqui e ali, subindo uma laje por sobre a outra,
até ficar como ficou. Prefeitura nenhuma dá o “habite-se” a construções fora
das normas do zoneamento urbano previsto no plano diretor (cada município acima
de 20 mil habitantes tem um) e na lei de uso do solo (cada município tem uma) e
fora dos preceitos previstos nos códigos de obras ou códigos de posturas (cada
município tem um). Sem o “habite-se”, a casa não pode ser registrada em
cartório, inscrita em cadastros oficiais municipais etc. Diante da consolidação
destes bairros, e do elevadíssimo custo econômico, social e político da sua
remoção, calculado em função da pujança da luta de seus moradores, a política
mudou; a expulsão foi substituída pela regularização fundiária. E a ZEIS tipo (a)
serve, neste caso, para flexibilizar as exigências do “habite-se” e garantir a
regularização fundiária de comunidades inteiras. Como “regularização fundiária”
significa garantir alguma forma de titulação cartorária à moradia, há duas
vertentes. Uma, capitaneada pelo peruano Hernando de Soto, diz que o registro
tem que ser feito com propriedade plena; outra, capitaneada principalmente —
mas não só — pelos “urbanistas uspianos” (Raquel Rolnik, Nabil Bonduki, Ermínia
Maricato etc.), diz que esta é uma das vias possíveis, mas que a regularização
fundiária deve ser feita preferencialmente desapropriando a área — fazendo com
que a propriedade da terra passe a ser do Estado — e concedendo títulos de
posse, para evitar especulação imobiliária posterior.
937 - Não negamos a possibilidade de haver
convergências de interesses muito específicos entre Estado e movimentos sociais
numa ou noutra questão. Mas, tal como advertimos no início do ensaio, não
podemos ser sempre tão inocentes. Aquilo que até não muito tempo se podia
chamar com certa benevolência de aliança tática pode hoje ser a porta giratória
de entrada na malha institucional dos conselhos, conferências, consultas e
audiências públicas etc., com os resultados, para a mobilização
anticapitalista, que já conhecemos: pede-se nas lutas apenas aquilo que já se
sabe certo, para dar às massas mobilizadas a impressão de que foi sua luta, apenas,
quem fez avançar sua pauta, sem que soubessem que toda a pauta já vinha
negociada de antemão. Um passo posterior é dar início à defesa de pautas
surgidas nas estruturas governamentais, por exemplo a Reforma Política, como
bandeiras dos movimentos sociais.
PP - Dilemas da Luta Por
Moradia (Parte II e III):
938 - Já li e fichei no
fichamento acima. Incorporei.
(...)
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