Lula e PT - Textos Diversos VII - Lula Por Ele Mesmo
Lula Por Ele Mesmo:
105 - Os pais: não sei como se conheceram porque não
tínhamos liberdade de conversar essas coisas. Sou de um tempo em que, quando o
pai estava conversando, o filho não podia nem chegar perto. Ele só olhava, a
gente queria sair para longe com medo de apanhar.
106 - Meu pai era muito, muito ruim. Eu não sei se era apenas ruindade ou
ignorância. Meu pai era muito bruto, quase uma pessoa irracional. Ele trabalhava
num armazém em Santos carregando saco de café. Ele pode ter todo defeito do
mundo, mas era muito trabalhador. (...) Meu pai era tão ruim que, ao todo, teve
vinte e poucos filhos e duas mulheres. Da minha mãe foram 12, morreram quatro.
E da outra mulher deve ter tido 14, uma coisa assim. E ele morreu como
indigente. Foi enterrado como indigente. Ele já não morava com a outra mulher
quando morreu. Ela largou dele. Ninguém agüentava ele.
107 - Diz que o pai não
deixava nada e ainda batia no irmão de corrente. O pai gostava de ficar no mato
e às vezes dava comida pra o cachorro, mas não pra filha.
108 - Minha mãe era uma santa. Hoje fico pensando
como é que uma mulher tinha a coragem que teve a minha mãe de pegar um
pau-de-arara sozinha com sete filhos e vir para São Paulo. (...) Ela fazia
comida para umas vinte pessoas que moravam lá em casa. Porque a gente era uma
miséria desgraçada, mas tinha gente mais miserável ainda. Então, quando chegava
um parente do nordeste, vinha lá para casa.
109 - Era um cenário de
fome. Arroz e carne eram luxo. Pão foi uma novidade tardia.
110 - Meu irmão preparou uma cilada para o meu
pai. Escreveu uma carta para minha mãe dizendo que era meu pai que a estava
chamando para vir para São Paulo. Ela estava com sete filhos. Vendeu tudo que a
gente tinha por 13 contos de réis. Deu para pagar a passagem de sete filhos no
pau-de-arara e deu para comprar farinha e rapadura para vir comendo no caminho.
111 - A mãe só desistiu
do pai (já em SP) quando ela ameaçou bater no filho como castigo e a acertou
por tentar evitar. Lula diz que, depois disso, a vida melhorou muito.
112 - A gente vendia tapioca, laranja. Era muito
ruim porque eu não gritava, eu tinha vergonha de gritar ‘‘olha a tapioca!’. Meu
irmão Frei Chico gritava o tempo inteiro e quando chegava minha vez de gritar,
eu tinha vergonha de gritar; ele me dava cascudo para eu gritar.
113 - Um dos irmãos de
Lula: Às vezes era meia-noite, uma hora
da manhã, eu estava andando na rua atrás dele. Hoje ele é um coitado. Está
trabalhando num açougue, mas ele chegou a ser mendigo. Na minha campanha para a
Presidência, de 1989, a direita foi procurá-lo; ele estava dormindo na rua.
Queriam que ele falasse mal de mim. Ele falou: ‘‘Por que eu vou falar mal do
Lula? Não estou assim por causa do Lula. Estou assim porque eu estou assim.’’
Nunca aceitou um favor, nunca. Tem dignidade.
114 - Com 18 anos, aprendi a dançar, comecei a
arrumar namorada. Minha primeira namorada era uma japonesinha, chamava-se
Mitiko. Ela era bonitinha, mas entre a bola e a namorada, ia jogar bola. Era
fanático por futebol.
115 - O primeiro emprego
foi aos treze anos, mas não era registrado. Depois foi para o SENAI.
Tinha feito a 5ª série e comecei a
trabalhar. Fui fazer teste no Senai, passei e comecei a trabalhar nessa
fábrica. Aí já foi — meu Deus do céu! — já foi em 1960. Era metade do tempo na
fábrica e metade no Senai. Foi o paraíso! O Senai foi a melhor coisa que
aconteceu na minha vida. Por quê? Porque eu fui o primeiro filho da minha mãe a
ter uma profissão, eu fui o primeiro filho da minha mãe a ganhar mais que o
salário mínimo, eu fui o primeiro filho da minha mãe a ter uma casa, eu fui o
primeiro a ter um carro, eu fui o primeiro a ter uma televisão, eu fui o
primeiro a ter uma geladeira. Tudo por conta dessa profissão, de
torneiro-mecânico, por causa do Senai.
116 - Fábrica de
parafusos Marte: Trabalhei nessa fábrica
quatro anos e meio. Fui pedir aumento de salário, não me deram aumento, eu pedi
a conta.
117 - Na adolescência, já
via várias greves.
118 - Segundo emprego: Eu tinha 16 anos de idade e tinha uma
padaria perto de casa. A turma da fábrica ia lá, sabe o que a gente comia?
Azeitona, mortadela e vinho daqueles garrafões de cinco litros, aquele Sangue
de Boi. Para mim, aquilo era o must, aquilo era uma coisa! E foi a primeira vez
que eu tomei um foguete na minha vida, com 16 anos. Cheguei em casa meio
alegre.
119 - Relata as
dificuldades dos oito meses de desemprego. E a fome que dava às vezes. Voltava
a pé no primeiro mês de trabalho, pois não tinha dinheiro. Chorava.
120 - Lula tinha medo de
entrar em sindicato. O irmão incentivou. Se tremeu todo no primeiro discurso em
1975.
121 - Enchentes: Tinha que lavar aquilo tudo, limpar tudo.
Vida de pobre é uma desgraça. Hoje, quando vejo isso na televisão, fico
lembrando o que a gente passou. E não mudou nada. Lamentavelmente, não mudou
nada.
122 - Eu gostava muito dela. Não sei se era
paixão. Porque tem um negócio de pobre, que é o seguinte: muitas vezes, pobre
casa por necessidade. Mas eu gostava dela, gostava. Tinha uma relação muito boa
com ela, muito forte. Ela trabalhou até morrer. Ela trabalhava numa tecelagem
lá no Sacomã. Quando ela morreu, ainda trabalhava. Ela morreu em 1971. de
parto. Morreram ela e meu filho.
123 - Ela tinha um namorado, que era um cara da
Volkswagen e, quando foi um dia, eu me invoquei e falei: ‘‘Eu vou lá disputar
com esse namorado dela’’. E eu fui na casa dela, era um sábado, às 18h, ‘‘Eu
vim aqui para conversar com você.’’ ‘‘Ah! Mas meu namorado vai vir aqui.’’ Eu
falei: ‘‘Dispensa. Eu vou ficar aqui e quando ele vier você vai lá e dispensa
ele.’’ E o cara chegou, a Marisa foi lá e falou para o cara: ‘‘Não dá para a
gente namorar hoje’’. (...) Eu até compreendo o ódio que a Míriam Cordeiro (
mãe da filha Lurian e que denunciou Lula nas vésperas da eleição de 89) tem de
mim. Ela estava grávida de seis meses. Mas quando eu conheci a Marisa, me
apaixonei e falei: ‘‘Bom, eu vou largar de tudo o que eu tenho’’.
124 - Relata a greve do
início de 79, que foi triste propor o fim porque o acordo era muito bom e os
operários queriam era guerra. 45 dias se preparando para isso. Ele diz que foi
o dia mais triste. Pediu voto de confiança e ficou com o acordo. Antes havia
negociado com um General que não haveria repressão, pois viu que o general
tinha conversado com a FIESP.
125 - Em 1980: Fomos presos, eu e vários diretores. . O
governo imaginava que prendendo a gente a greve ia acabar. (...) Pura ilusão.
Ele prendeu e a greve cresceu.
126 - FHC não topou o PT,
pois queria um partido socialista e amplo, não “dos trabalhadores”.
127 - Aprendi uma coisa com o Celso Furtado: a
gente nunca deve marginalizar os setores muito esquerdistas, tudo o que eles
falam você não deve fazer, mas eles também evitam que você vá muito para a
direita. Esse choque te permite ficar no caminho do meio.
128 - A primeira grande discussão era se o PT era
tático ou estratégico. Puta, eu não entendia porra nenhuma do que era tático ou
estratégico. ‘‘Eu só queria criar um partido, e vocês querem saber se ele é
tático ou estratégico? Seja o que vocês quiserem. Mas vamos criar um partido.”
(...) Quero um partido para eleger deputado, para eleger vereador, para eleger
presidente da República, para eleger governador. Eu quero um partido para ganhar
as eleições e fazer o que a gente sonha fazer. Outros não, queriam o PT para
fazer a revolução. Se o cara quisesse
fazer a revolução, não devia estar preocupado de criar um partido, criasse um
exército.”
129 - Reclama que a ala
da igreja queria evitar patrão (dono de bar) no partido e que ninguém fosse
rico. Queriam que Lula não andasse de sapato: 130 - E daí que o povo está de chinelo? Eu não estou lutando para andar de
chinelo, eu estou lutando para ter um sapato melhor que esse.’’
130 - Eu também era muito radical. A gente era
muito duro na queda e era uma visão muito classista, achando que somente os
operários de macacão poderiam fazer as coisas no mundo.
131 - Frustrado com o
quarto lugar para o governo de SP em 82. Tem
gente que acha que ser revolucionário é dizer que é marxista, tem gente que
acha que ser revolucionário é pegar no revólver para atirar, tudo isso é fácil.
Não tem nada mais difícil do que a relação humana. A arte de você convencer as
pessoas de que as coisas em que você acredita são importantes para ela. Essa é
a grande revolução. Fidel consolou. Disse que era uma vitória um operário
ter um milhão de votos.
132 - Por que o PT tem
que fazer aliança? Porque a direita faz. Sobre FHC: A direita consegue pegar um cara desses. A gente de vez em quando não
mede a importância disso, mas a direita junta PMDB, PFL, PPB, e junta PTB
contra nós. O que significa? Isso significa 90% dos prefeitos brasileiros, 80%
de todo o parlamento brasileiro, de vereador a senador, 90% de todos os meios
de comunicação do Brasil, 80% de todos os governadores, isso significa 95% de
todo o capital nacional e multinacional.
133 - A gente acha que derrubou o Collor.
Obviamente, os partidos de oposição, os sindicatos, os caras-pintadas tiveram
um papel muito importante. Mas Collor não cairia se a elite brasileira não
estivesse com o saco cheio dele.
134 - Eu dizia assim em 1978: ‘‘Eu jamais serei
filiado a um partido político, jamais serei candidato a alguma coisa.’’ Eu
achava isso glorioso. Quando, na verdade, eu era um analfabeto político, como
tem milhões de brasileiros hoje.
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