Passa Palavra (PP) - A Esquerda Contra o Golpe
Passa Palavra (PP) - A
Esquerda Contra o Golpe:
824 - Em outro plano, esse falso silogismo, que
associa derrota do impeachment à derrota do conservadorismo, nem pode ser
atribuído aos principais porta-vozes do campo petista, visto que, para além de
fraseologias abstratas e demasiadamente genéricas, estes não fazem a menor
questão de prenunciar concessões em benefícios dos trabalhadores em caso de recuperação
da governabilidade.
825 - José Mario Branco: Uma vez, em 1975, durante o processo
revolucionário a que os brasileiros chamam Revolução dos Cravos, um amigo meu,
revolucionário comunista, foi desenvolver e organizar a luta política em
Trás-os-Montes (interior nordeste de Portugal) onde, pensava-se, as pessoas
estavam muito dominadas pelas ideias reaccionárias dos padres e dos caciques
ex-fascistas. Foi para a região e, numa tasca de aldeia, pôs-se à conversa com
trabalhadores do campo que ali estavam a beber e a conviver. Foi conversando
sobre a vida “em geral” e lentamente, à medida que iam estando de acordo sobre
as ideias simples (democracia, liberdade, justiça social para acabar com
diferenças entre pobres e ricos), ele ia explicando “os nomes dos bois”: isto é
o socialismo, aquilo é o comunismo, aqueloutro é a revolução, etc. No fim da
conversa, um velhote virou-se para ele, e disse: “Essas coisas que nos explica
são importantes; eu concordo com elas, concordo que a nossa sociedade devia ser
assim… Mas há uma coisa que não entendo… Porque é que, a coisas tão bonitas,
você dá nomes tão feios?” Para ele, os “nomes feios” eram as palavras
“socialismo”, “comunismo”, “revolução”. O que os separava não eram as ideias,
as convicções, as aspirações para a sociedade, mas sim os nomes dados a essas
coisas.
826 - Nesse sentido, o boom conservador talvez
deva ser percebido como vertente à direita do estouro da boiada, tal como as
Jornadas de Junho o foram pela esquerda: o efeito rebote produzido pelo excesso
de dispositivos conciliatórios que por mais de dez anos conservaram os
conflitos sociais em cerimoniais de gabinete – pactos e concessões de parte a
parte que agora alcançam o seu limite.
827 - Querer que as experiências autônomas,
libertárias e afins atuem por dentro da luta contra o impeachment com a
expectativa de transformá-la numa luta anticapitalista mais ampla, além de
todas as objeções levantadas acima, incide numa grande ingenuidade porque
superestima a capacidade de estes movimentos terem alguma margem de voz e
interferência no interior da máquina lulo-petista; em que pese as boas
intenções, restará o saldo político objetivo de sempre ser mero apoio ao
mandato.
828 - É de se imaginar o campo de possibilidades
que se abriria se metade dessa energia social mobilizada no dia 18 de março
fosse direcionada para a derrubada da Lei Antiterrorista ou contra medidas de
ataque aos direitos trabalhistas, por exemplo.
829 - Fagner coloca que a
esquerda esquece de que alguns retrocessos visam à modernização produtiva. As OS na Educação eram isso, mesmo ele tendo
lutado contra. Muita gente, muita gente mesmo, considera o governo estadual
goiano uma variante do “coronelismo”. Vejam só, do coronelismo! Mas o projeto
do governo estadual para a Educação goiana foi formulado consoante o PMGP
(Programa Modernizando a Gestão Pública), do MBC (Movimento Brasil
Competitivo), cujo Conselho Superior é presidido por Jorge Gerdau (mais
informações sobre o programa, aqui: http://www.mbc.org.br/mbc/novo/index.php?option=projeto&task=categoria&id=4&Itemid=34).
830 - Um comentador: Ora, ao participar destes atos apresentados
a seus olhos (via grande imprensa mas também por amplos setores de
“esquerda”)como em defesa a este governo, o que a esquerda faz é abrir
claramente a possibilidade destes setores precarizados e recentemente
mobilizados serem absorvidos por este fascismo anti-corrupção e por esta
ultra-direita do estado mínimo. Se tal possibilidade se concretizar, PT
saudações…
831 - Disputar a
mobilização? Nas mobilizações anti-golpe
você encontrará eleitores do PT, muitos militantes e alguns trabalhadores
arregimentados por sindicatos ou movimentos sociais. Mesmo estes últimos não
estarão dispostos a ter uma conversa franca com você sobre o porquê não se deve
defender o PT, bem no meio de uma manifestação de rua a favor do governo. A
base que deve ser disputada definitivamente não está nestes atos, ao menos não
99% dela; e certamente uma manifestação de rua não é a forma ideal de
“disputá-la”. (acredito inclusive que com o passar do tempo se torne mais e
mais perigoso ir “dialogar” com pautas críticas num ato com organizações
petistas, como já tivemos mostra no 8 de março).
832 - Fagner: Sim, é claro que o governo federal, durante
os governos petistas, ampliou as universidades federais, mas, como apontado
pelo João Bernardo, aqui: LINK, o Brasil continua atrás dos demais BRICS, no
que se refere aos alfabetizados com idade igual ou superior a quinze anos, e
das outras grandes economias latino-americanas, como Argentina, China e México.
As empresas que mais investiram em P&D foram a Petrobras e a Embraer, e,
pelo menos nesse sentido, o Brasil detém a liderança. A conclusão do autor é
que “numa situação em que um ensino básico precário e uma escolaridade
deficiente coexistem com um desempenho satisfatório em P&D, pode operar-se
uma dicotomia de consequências nefastas, colocando para um lado a esmagadora
maioria da força de trabalho, mal qualificada e laborando por isso em empresas
pouco produtivas, e isolando noutro lado uma minoria de trabalhadores
qualificados, sem que haja mobilidade de uma esfera para outra e provocando um
estrangulamento na oferta de profissionais habilitados”. E conclui também que
“se não se ultrapassar a dicotomia entre um ensino básico precário e um ensino
profissionalizante e universitário satisfatório, a colaboração das
universidades com as empresas, em vez de ampliar o nível genérico de
conhecimentos científicos, pode ter como efeito a formação de ghettos
tecnológicos”. Bem, então parece que, para alcançar uma economia mais
produtiva, não basta investir em Educação Superior, deixando de lado a Educação
Básica.
833 - JB: Os colaboradores do Combate, que no período
áureo somaram algumas dezenas, nunca confundiram as disputas entre facções das
classes dominantes no interior dos órgãos de poder com a luta de classes.
Interessávamo-nos apenas pelos conflitos laborais. E foi precisamente porque
até ao fim mantivemos esta atitude, porque permanecemos acima da confusão, que
pudemos ter uma visão estratégica. Quando começaram as nacionalizações fomos os
primeiros a denunciar o capitalismo de Estado, ao mesmo tempo que organizámos o
primeiro encontro de solidariedade para com as primeiras três ou quatro
empresas em autogestão. Foi porque acompanhámos as lutas no terreno que
entendemos que as colectivizações nos latifúndios a sul do Tejo se deveram à
iniciativa espontânea dos assalariados agrícolas e não a decisões do Partido
Comunista, contrariamente ao que este partido naturalmente pretende e ao que os
historiadores repetem.
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