Pablo Polese (PP) - Apropriação do Poder Político e Duperação do Estado na Transição Socialista III
(continuação...)
759 - A Comuna não elimina a luta de classes, através da qual as classes trabalhadoras realizam a abolição de todas as classes e, portanto, de toda dominação de classe (porque ela não representa um interesse particular, mas a liberação do “trabalho”, isto é, a condição fundamental e natural da vida individual e social que apenas mediante usurpação, fraude e controles artificiais pode ser exercida por poucos sobre a maioria), mas ela fornece o meio racional em que essa luta de classe pode percorrer suas diferentes fases da maneira mais racional e humana possível. Ela pode provocar violentas reações e revoluções igualmente violentas. Ela inaugura a emancipação do trabalho – seu grande objetivo –, por um lado, ao remover a obra improdutiva e danosa dos parasitas estatais, cortando a fonte que sacrifica uma imensa porção da produção nacional para alimentar o monstro estatal, e, por outro lado, ao realizar o verdadeiro trabalho de administração, local e nacional, por salários de operários. Ela dá início, portanto, a uma imensa economia, a uma reforma econômica, assim como a uma transformação política. (MARX, 2011: 131).
760 - Lênin coloca que faltou a comuna expropriar de vez bancos e afins e também tomar Versalhes e reprimir a burguesia, a qual ganhou tempo para se organizar e fazer maio sangrento.
761 - Marx sobre os trabalhadores: Elas sabem que a atual “ação espontânea das leis naturais do capital e da propriedade fundiária” só pode dar lugar à “ação espontânea das leis da economia social do trabalho livre e associado” mediante um longo processo de desenvolvimento de novas condições, tal como ocorreu com a “ação espontânea das leis econômicas da servidão”. Mas elas sabem, ao mesmo tempo, que grandes passos podem ser dados desde já pela forma comunal de organização política e que é chegada a hora de iniciar esse movimento para elas mesmas e para o gênero humano.
762 - A totalidade do produto social que Marx “promete” aos trabalhadores obviamente tem deduções: “Primeiro: [é preciso deduzir] uma parte para repor os meios de produção consumidos. Segundo: uma parte suplementar para ampliar a produção. Terceiro: o fundo de reserva ou de seguro contra acidentes, transtornos devidos a fenômenos naturais, etc.”. (Marx in MARX & ENGELS, s/d: 212)
763 - Além disso tudo, cita as despesas relativas à organização de outras tarefas sociais e coletivas não concernentes diretamente à produção.
764 - Socialismo: Dessa forma, segundo Marx, “a mesma quantidade de trabalho que deu à sociedade sob uma forma, recebe-a desta sob uma outra forma diferente”. Ou seja, o metabolismo social permanece dentro do esquema capitalista e da lei do valor: “aqui impera, evidentemente, o mesmo principio que regula o intercâmbio de mercadorias, uma vez que este é um intercâmbio de equivalentes”. Portanto, o próprio Marx disse que continua o “direito desigual”, pelos próprios privilégios naturais, as desiguais aptidões dos indivíduos.
765 - A revolução não seria, em Marx, uma grande noite. Um ato de vontade que abole a sociedade anterior. Marx, quando se referia à revolução socialista, falava em determinações objetivas multidimensionais e sempre a tratava em acordo à necessária “escala de tempo longa” (“15, 20, 50 anos” conforme dito por Marx em sua polêmica com Schapper), o que demandava “a necessidade de novos levantes e a impraticabilidade de acomodações”. Isso devido às seguintes questões, enumeradas por Mészáros...
766 - Noutro ponto, importante citação de Mészáros: A regência do capital sobre o trabalho é de caráter fundamentalmente econômico, não político. Tudo que a política pode é fornecer as “garantias políticas” para a continuação da dominação já materialmente estabelecida e enraizada estruturalmente. Consequentemente, a regência do capital não pode ser quebrada no nível da política, mas apenas as garantias de sua organização formal. Isto explica por que Marx, mesmo nas suas referências mais positivas à estrutura política da Comuna de Paris, a define negativamente como “uma alavanca para arrancar pela raiz os fundamentos econômicos da dominação de classe”, vendo a tarefa positiva “na emancipação econômica do trabalho”.
767 - Marx foi capaz de perceber o caráter de objetividade multidimensional da tarefa revolucionária porque foi capaz de compreender o modo como o sistema do capital se estrutura: assentado no tripé Estado, capital e trabalho. (...) Por outro lado, Marx tinha plena consciência de que “grandes passos podem ser dados desde já pela forma comunal de organização política”. Ou seja: tanto Estado, quanto capital, quanto trabalho “têm uma dimensão imediatamente acessível à mudança, sem o que a própria ideia de uma transformação socialista seria nada mais que um sonho”
768 - De forma que, mesmo supondo um sucesso da revolução política nas tarefas imediatas (tal como ocorreu na Rússia em 1917), somente a revolução social concebida por Marx, com seu trabalho positivo de “regeneração”, poderia garantir “realizações duradouras e transformações estruturais verdadeiramente irreversíveis” (op.cit).
769 - Mészáros lembra o enorme cuidado tomado por Marx em suas cartas a Vera Zasulich, onde ele demonstrou grande interesse pelos acontecimentos na Rússia e tentou definir com cautela sua posição em relação aos “modos arcaicos de produção”. Em um dos rascunhos Marx escreve que o capitalismo “já atingiu seu estágio de definhamento e logo se tornará nada mais que uma formação ‘arcaica’”, mas depois elimina tal trecho da carta, certamente por perceber que se tratava de uma ideia precipitada, questionável. Em sua defesa corajosa das futuras potencialidades dos modos arcaicos, Marx demonstrou que “ansiava por explorar a viabilidade de uma passagem direta da forma existente do ‘coletivismo arcaico’ à sua forma superior, o socialismo, saltando completamente a fase capitalista”.
770 - JB observa que Marx apenas fez rascunhos e nunca enviou essas cartas. Só uma resposta evasiva. No prefácio à edição russa de 1882 do manifesto é que os autores dirão: Se a revolução russa der o sinal para uma revolução proletária no Ocidente, de maneira que ambas se completem uma à outra, a forma predominante de propriedade colectiva da terra na Rússia poderá converter-se no ponto de partida de um processo de desenvolvimento comunista. (...) Quanto à posição adoptada por Lenin desde a sua obra sobre o desenvolvimento do capitalismo rural na Rússia, convém saber que, segundo Moshe Lewin (La Paysannerie et le Pouvoir Soviétique, 1928-1930, Paris e Haia: Mouton, 1966), «é curioso que o mir tivesse beneficiado de um renascimento durante e depois da revolução [de 1917]. Foi ele que efectuou o confisco e a repartição das terras da nobreza. Durante a NEP era uma instituição rural cheia de vida, perante a qual o sel’sovet [soviete de aldeia] apresentava o aspecto de um parente pobre». E este autor indica que em 1926, segundo o comissário para a Agricultura, nove décimos dos camponeses estavam integrados no mir. Afinal, o mir só foi destroçado quando Stalin, apoiando-se nos factores de conflito social existentes no interior do campesinato, ao invés dos factores de cooperação, como Marx e Engels haviam pensado, desencadeou com a conhecida brutalidade a colectivização da agricultura, que constituiu de facto uma segunda guerra civil, e acabou de implantar aquilo que Neil Harding denominou «a variante saint-simoniana do marxismo». (...) O livro de Moshe Lewin que citei é excelente e parece-me indispensável para entender os motivos da ascensão do stalinismo em 1928-1931 e do colapso do trotskismo. Se você economizar um mês de cervejas para comprar o livro, acho que fará uma boa aplicação do dinheiro.
771 - Desafios do fenecimento do Estado, creio que para Mészáros: (1) instituir órgãos-não-estatais de controle social e crescente autoadministração que [possam] cada vez mais abarcar as áreas de maior importância da atividade social no curso da nossa “transição na transição”; e, conforme permitam as condições; (2) produzir um deslocamento consciente nos próprios órgãos estatais – em conjunção com (1) e através das mediações globais e internamente necessárias – de modo a tornar viável a realização das perspectivas históricas últimas do projeto socialista. (ibid: 597).
772 - Órgãos de poder popular, portanto. Segundo a análise do autor de Para além do capital, passadas as piores condições da crise que precipitaram a explosão revolucionária, a “tentação de reincidir nos modos de funcionamento do sociometabolismo anteriormente estabelecidos em um dos antigos países ‘capitalistas avançados’ não pode ser subestimada”. Por isso, a reestruturação radical do sociometabolismo, “com suas multifacetadas e inevitáveis dimensões conflituosas internas e externas”, é viável apenas como um poderoso empreendimento histórico, a ser sustentado por décadas, numa revolução permanente. Não basta que haja revolução em países avançados, por exemplo. (...) o segredo da transição está na dinâmica interna e não na correlação de forças internacionais.
773 - Resumindo Mészáros: o capital (e seus irmãos Estado e trabalho assalariado) ficou de pé, mesmo sem os capitalistas. Foi personificado pelo Estado/Partido. Novos patrões. Mészáros: Não é, portanto, de modo algum acidental que a experiência histórica tenha produzido abundantes exemplos de fortalecimento do Estado pós-revolucionário, sem dar sequer o menor passo na direção de seu “fenecimento”. (...) “o pilar material fundamental de suporte do capital não é o Estado, mas o trabalho em sua contínua dependência estrutural do capital”.
774 - Até por isso o problema estrutural não é a “degeneração burocrática” e sim a ausência de autogestão órgãos do poder popular. Conclui: Não basta uma revolução política. A revolução necessária é a Revolução social, aquela que se efetivará no longo prazo por meio do curto prazo, num trabalho progressivo cotidiano de apropriação de todas as funções de controle do sociometabolismo, que passam aos poucos a ser positivamente exercidas pelos produtores associados e não como são hoje: sob formas de regência do capital que se transubstanciam em estruturas de comando político de alienação dos poderes de tomada de decisão.
775 - Comentador: o Estado deve ser, simultaneamente, enfrentado e enfraquecido pela luta política (negação do capital), mas pari passu a tal enfrentamento, é necessário promover ou viabilizar a sua substituição por um outro sistema sociometabólico (afirmação do trabalho associado). Sem dúvida ambos os movimentos então (ou precisam estar) intimamente relacionados.
.
Comentários
Postar um comentário