Pablo Polese (PP) - Apropriação do Poder Político e Duperação do Estado na Transição Socialista II
(continuação...)
741 - JB: Ora, talvez o debate se possa clarificar um pouco se introduzirmos a figura de Blanqui, que era o mais célebre dos defensores da utilização ditatorial do Estado na fase pós-revolucionária, a ditadura pedagógica de um pequeno e seleccionado grupo de vanguarda. Marx e Engels, ou Bakunin, eram personagens obscuros perante a enorme popularidade de que Blanqui gozava nos meios populares revolucionários. Aliás, teria sido ele o principal dirigente da Comuna se não estivesse preso nessa ocasião (Blanqui passou em prisões mais de metade da sua vida adulta) e os comunardos tentaram tudo para o libertar, mas o lugar onde ele estava detido era um segredo de Estado muito bem guardado.
742 - Pablo associa um comentário de Lênin defendendo a disciplina da classe à mesma opinião de Evgueni Preobrazhenski, no livro em que ele, tratando dos fundamentos econômicos da transição – e logo depois de dizer que socialização É nacionalização – diz que faz-se necessário um controle ainda mais rígido da força de trabalho. Fiquei a pensar a quem se referia o “ainda mais”. Um controle dos trabalhadores, pelo Estado “proletário”, “ainda mais rígido” do que no Capitalismo? Pouco atraente, no mínimo. Mas os bolcheviques julgavam que sua posição de vanguarda da classe significava legitimidade para dirigir a transição, de modo a justificar que estaria tudo bem explorar a classe, “pelo bem da classe” e “pelo bem” da estratégia transicional de longo prazo. O livro é de 21…
743 - Marx sobre a Comuna: O oposto direto do Império era a Comuna. Em sua mais simples concepção, a Comuna visava a destruição preliminar da velha maquinaria governamental em suas sedes centrais – Paris e as outras grandes cidades da França – e sua substituição por um verdadeiro autogoverno que, em Paris e nas grandes cidades, bastiões da classe trabalhadora, era o governo da classe trabalhadora. (MARX, 2011: 172 – grifos nossos).
744 - Mesmo tratando-se de um Rascunho, Marx é muito claro, não deixando pontos “ambíguos” que possibilitem interpretações divergentes. A classe operária não pode, segundo Marx, “simplesmente se apossar” da maquinaria estatal tal como ela se apresenta e dela servir-se para levar a cabo seus próprios objetivos revolucionários. Ou seja: “o instrumento político de sua escravização não pode servir como o instrumento político de sua emancipação”
745 - Guerra Civil na França: Não por acaso, Marx afirmou: “A Comuna era essencialmente um governo da classe trabalhadora, o produto da luta da classe produtora contra a classe apropriadora, a forma política, finalmente descoberta, [para levar a cabo] [4] a emancipação econômica do trabalho” (MARX, 2008c: 406).
746 - O próprio Engels - e Pablo cola a citação - diz que ditadura do proletariado era nada mais nada menos que a Comuna de Paris.
747 - Marx: A Comuna foi formada por conselheiros municipais, eleitos por sufrágio universal nos vários bairros [arrondissements] da cidade, responsáveis [por seus atos] e revogáveis em qualquer momento. A maioria dos seus membros eram, obviamente, operários ou representantes reconhecidos da classe operária. (...) As poucas, mas importantes funções que ainda restariam a um governo central não seriam suprimidas, como foi intencionalmente dito de maneira deturpada, mas executadas por agentes comunais, e por conseguinte estritamente responsáveis. A unidade da nação não havia de ser quebrada, mas, ao contrário, organizada pela Constituição comunal e tornada realidade pela destruição do poder do Estado, o qual pretendia ser a encarnação dessa unidade, independe e superior à própria nação, de que não era senão uma excrescência parasitária.
748 - Polícia, magistratura, servidores públicos, tudo agora era eleito e controlado pela Comuna. Educação pública e laica.
749 - São essas funções remanescentes de um “governo central” que levam a alguns libertários (sentido real do termo) acusarem Marx de incongruente. Pablo discorda: O próprio caráter “centralizado” desse “Estado que já não é Estado” é questionável, já que a centralização da Comuna assentava em bases radicalmente democráticas, por conta de seus membros serem diretamente eleitos e revogáveis a qualquer momento, etc. Ademais um mínimo de centralização era necessário para coordenar a resistência à contra-revolução que vinha de Versalhes, etc. O que deve ser evitado com atenção redobrada não é toda espécie de centralismo e sim a instituição de um centralismo hierárquico e impositivo, que queira sufocar as iniciativas criativas da classe trabalhadora organizada em outras micro-estruturas regionais, como de fato ocorreu na URSS à época de Stálin e mesmo antes, por exemplo com Makhno.
750 - Marx sobre a Comuna: uma Revolução não contra essa ou aquela forma de poder estatal, seja ela legítima, constitucional, republicana ou imperial. Foi uma revolução contra o Estado mesmo, este aborto sobrenatural da sociedade, uma reassunção, pelo povo e para o povo, de sua própria vida social. Não foi uma revolução feita para transferi-lo de uma fração das classes dominantes para outra, mas para destruir essa horrenda maquinaria da dominação de classe ela mesma. (MARX, 2011: 127).
751 - JB acredita que as “canetas” dos marxistas escondem tendências contraditórias na Comuna e romantiza a coisa. Diz inclusive que Blanqui seria líder dela se não estivesse preso. Termina com “uma revolução social que pretenda mobilizar o sentimento nacionalista condena-se ou ao fracasso ou a converter-se numa contra-revolução”. Isso porque a Comuna não abdicou do mesmo, o que Pablo considerava ser a tática possível para a época.
752 - João Valente Aguiar: Em segundo lugar, o caso alemão onde na Nova Gazeta Renana e noutras publicações Marx e Engels criticam a burguesia germânica por não ter conseguido fazer uma revolução do tipo de 1789. A análise do caso alemão é tão ou mais importante do que a do caso francês no pensamento do Marx. Isto porque é deste tipo de experiências que o Marx tira a conclusão de que a vitória política definitiva do capitalismo não passa mais pela burguesia proprietária mas do operariado que terá de concluir as tarefas burguesas. Ora, estas tarefas burguesas não são apenas o de conquistar a democracia política mas isso pressupõe uma revolução fundamentalmente orientada para a reconversão (democrática) do aparelho de Estado. É então a partir daqui que o Marx passa a dedicar imensos esforços aos casos polaco e irlandês como exemplos da inserção da luta do operariado pela independência nacional. O que é o mesmo que dizer, orientar o operariado para a construção de um novo Estado nacional, o que necessariamente implica uma dominação de classe e a constituição de uma camada dirigente minoritária que tomará conta dos destinos do novo Estado. (...) Como você pode visualizar no quinto artigo da série “Marx e a nação”, existe a presença de uma posição favorável do Marx à coexistência de gestores e trabalhadores num mesmo plano político. (...) E neste plano existem passagens do Marx que são abertamente favoráveis a uma inserção dos gestores no seio da classe trabalhadora, abrindo um precedente notável do que viria a ser a defesa do Lénine a propósito da cedência do controlo da produção aos especialistas, dentro do qual a política do gestor único de empresa nomeado pelo Partido Bolchevique (pelo Estado) seria o desdobramento prático de algo que o Marx tinha entrevisto, no terceiro livro de “O Capital”, como uma forma de construção do socialismo algumas décadas antes.
753 - Pablo responde que o nacionalismo de Marx na análise era meramente tático e por desconhecer os perigos fascistas do nacionalismo.
754 - Caro João Valente, (...). As vezes que li Marx falando algo próximo a essa “reconversão (democrática) do aparelho de Estado” a que o senhor se refere, sempre foram no contexto de melhorar as condições de luta da classe trabalhadora em âmbito nacional, e nunca como um fim em si. Em tudo que li de Marx o Estado, tal como o capital, aparecem sempre como irreformáveis, sendo o aparato estatal inerentemente adequado, por sua própria forma, ao sistema do capital, e inadequado para as tarefas da transição socialista. Nas glosas de Marx ao texto “Estatismo e anarquia” de Bakunin Marx chega a dizer que o órgão de repressão e exploração nunca poderá ser o órgão da superação, mas diz que antes da superação do capital se completar a classe trabalhadora “emprega meios de libertação que deixarão de existir depois da libertação”, numa clara referência a alguns dos órgãos do aparato estatal, que é visto então como um meio político dotado de alguns órgãos políticos particulares que em mãos dos trabalhadores passariam a ter algumas tarefas a cumprir na transição, como por exemplo a defesa armada face à contra-revolução, etc. Entretanto tanto essas Glosas de 1874 ao texto de Bakunin quanto o texto Crítica ao Programa de Gotha de 1875 foram redigidos como uma defesa de Marx, por um lado, às acusações de estatista que Bakunin lhe havia feito, por outro lado, ao caráter estatista do Programa de Gotha, que Marx trata de criticar.
755 - Outra medida da Comuna: o estabelecimento do “mandato imperativo”, que obriga esses agentes a executarem as decisões tomadas pelos trabalhadores que os elegeram.
756 - Marx e a Comuna: O sufrágio universal, que fora até então abusado – seja servindo para a sanção parlamentar do Sagrado Poder Estatal, seja como joguete nas mãos das classes dominantes, tendo sido exercido pelo povo apenas uma vez em muitos anos a fim de sancionar o (para escolher os instrumentos do) domínio parlamentar de classe – é adaptado aos seus propósitos reais: escolher, mediante as Comunas, seus próprios funcionários para a administração e legislação. Cai a ilusão de que a administração e o governo político seriam mistérios, funções transcendentes a serem confiadas apenas a uma casta de iniciados – parasitas estatais, sicofantas ricamente remunerados e sinecuristas ocupando altos postos, absorvendo a inteligência das massas e voltando-as contra si mesmas nos estratos mais baixos da hierarquia. (MARX, 2011:130).
757 - Pablo reconhece avanços incríveis na Comuna, mas observa: está condenada à regressão qualquer forma política comunal de transição para além do capital que se mantenha isolada num só país e, portanto, na defensiva.
758 - Reproduzimos o trecho em que Marx afirma ser a Comuna “essencialmente um governo da classe trabalhadora”, “o produto da luta da classe produtora contra a classe apropriadora”, “a forma política, finalmente descoberta”, para levar a cabo a emancipação econômica do trabalho, ou seja, diferentemente do que podemos interpretar pela tradução alternativa “com a qual se realiza”, a Comuna não realiza a emancipação do trabalho, mas é apenas a forma política que serve de mediação para se alcançar tal fim.
(continua...)
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