Larissa Resende e João P. Romero - Estrutura produtiva e crescimento: Uma análise comparativa de Brasil, Austrália e Canadá II

 

(continuação...)


16 - O desenvolvimento da indústria brasileira foi particularmente marcante durante o “Milagre Brasileiro”, que aconteceu entre 1964 e 1973, quando os termos de troca estavam amplamente favoráveis para o Brasil, visto que os preços dos produtos agrícolas haviam quase dobrado durante este período.

17 - Dessa forma, o II PND parece ser o responsável pelo grande aumento na quantidade de indústrias de média tecnologia, com VCR desde 1974, que só começa a se reduzir em 2006 (Figura 3), ao passo que sua participação nas exportações acompanha o mesmo movimento (Figura 2) (GIAMBIAGI et al., 2011). A partir de 2005, contudo, o Brasil volta a focar sua atenção na produção de commodities e manufaturas baseadas em recursos, em função do alto retorno que esses produtos garantiam, em vista do aumento da demanda dos países asiáticos.

18 - Canadá e NAFTA: Como efeito dessa relativa liberalização, ao longo dos anos, o país tornou-se mais dependente do comércio internacional com os Estados Unidos. Enquanto, em 1989, apenas duas províncias exportavam mais para os Estados Unidos, em 2001, nove das dez províncias exportavam mais para eles (COURCHENE, 2005).

19 - Austrália sempre teve um peso muito forte dos "recursos naturais". Em 1960, as manufaturas eram responsáveis por 28% do PIB, porém os recursos naturais ainda ocupavam praticamente 60%

20 - Em 1983, contudo, é então implementada uma série de reformas que visavam ao aumento da eficiência das indústrias australianas, permitindo que tivessem acesso às finanças internacionais e por meio da abertura dos mercados. (Sim, mas, conforme li no texto que foi alvo de meus parênteses nos primeiros pontos da parte I daqui, foi justamente nos anos 80 que a produtividade do capital australiana começou a reverter claramente sua trajetória de queda. E devo dizer que, mesmo assim, manteve boa média de crescimento da produção industrial, que imagino ser anual: Os dados de Variação do índice de Produção Industrial da Austrália são atualizados trimestral, com uma média de 2.7 % em 1975-09 até 2020). Isso fez com que a exportação de bens primários e baseados em recursos aumentasse, ocasionando queda na diversidade das exportações australianas de 1981 até 1990, como mostra a Figura 3.

21 - ... Em 1996, o Partido Trabalhista é substituído pela coalizão liberal-nacional nas eleições gerais desse mesmo ano. O câmbio australiano passou, então, a ser flutuante e grande parte das tarifas para manufaturados e agricultura foram retiradas, além da privatização e eliminação de monopólios por parte do governo. (...) Com o crescimento dos preços de commodities notado na década de 2000, assim como no Brasil, observa-se um movimento de reprimarização da economia australiana. A Figura 2 mostra como a Austrália tende a aumentar sua diversidade até 2000 e, a partir de então, começa a voltar a produzir, majoritariamente, bens primários e baseados em recursos

22 - O Gráfico 2 apresenta a evolução dos Índices de Complexidade Econômica (ICE) do Brasil, Canadá e Austrália. Este gráfico indica que os índices não são capazes de explicar as diferenças no PIB per capita dos três países. Em 2009, por exemplo, o ICE do Canadá foi de 0,52, seguido do Brasil, com -0,29, e em seguida da Austrália, com -0,73.

23 - O fim do artigo vem com a conclusão já óbvia para quem conhece os dados de recurso natural e de produção industrial per capita (com o problema de ele não ter usado "PPP" na comparação, acho): "para o Canadá, algo em torno de 21 indústrias de média tecnologia e 7 de alta tecnologia com VCR parecem ter sido suficientes para gerar um PIB per capita de 42.157,93 dólares por pessoa em 2009. Enquanto isso, no Brasil, 26 indústrias de média tecnologia e 1 de alta tecnologia com VCR não foram capazes de gerar mudança estrutural suficientemente grande, gerando PIB per capita de 8.553,38 dólares no mesmo ano. Na Austrália, por outro lado, 7 indústrias de média tecnologia e 1 indústria de alta tecnologia foram capazes de gerar PIB per capita de 49.927,82 em 2009". (Seria legal se ele tivesse somado o lucro bruto de todas empresas aqui e lá, mas enfim... Talvez não faça muita diferença também).

24 - Para calcular os índices de qualidade das indústrias de cada país, Feenstra e Romalis (2014) usam as seguintes hipóteses relacionadas aos dados disponíveis de comércio: (i) países com mesmo nível de preços e exportações líquidas diferentes devem estar ofertando produtos com níveis de qualidade diferentes; (ii) bens com maior qualidade chegam a mercados mais distantes, de forma que informações de preços f.o.b. e distância do país importador possibilitam identificar diferenças de qualidade; e (iii) maior crescimento leva países com menor nível de qualidade a tornarem-se exportadores.

25 - ... A Tabela 2 apresenta os cinco principais itens da pauta de exportação de cada um dos países, juntamente com seus índices de qualidade (sendo a qualidade média mundial igual a 1) e as participações relativas dessas indústrias na pauta de exportação de cada país. Ponderando esses índices de qualidade, segundo a participação nas exportações de cada país, observa-se que a qualidade média das exportações brasileiras totaliza 6,10 em 2009, enquanto a australiana atinge 11.25 e a canadense 8,38. Sendo assim, a qualidade da produção de cada indústria nos diferentes países também parece explicar por que Austrália e Canadá apresentam níveis de renda mais elevados que o Brasil.

26 - Ainda sobre o tal índice de qualidade acima, constatou-se que Austrália e Canadá possuem inclusive um número absoluto maior de indústrias "com qualidade acima da média 1". Além disso, observa-se ainda que o Brasil possui número de indústrias com qualidade acima da média, semelhante aos números observados para a Austrália e o Canadá, apenas no setor de bens primários

27 - Mais: "A análise dos índices de qualidade e IDE, portanto, indica que, apesar de a economia brasileira apresentar nível de complexidade mais elevado que a Austrália, sua produção ainda possui nível de qualidade muito inferior ao observado na Austrália e no Canadá. Segundo Feenstra e Romalis (2014), enquanto o Canadá ocupa o 15º lugar e a Austrália o 13º no ranking de qualidade média da produção, o Brasil ocupa apenas a 39ª posição. Sobretudo a qualidade brasileira é baixa, mesmo nos setores de sua especialização, ou seja, em produtos primários e baseados em primários. Já a Austrália e o Canadá, por outro lado, apresentam indústrias com elevada qualidade bem distribuídas entre os diversos setores. Além disso, tanto os índices de qualidade como o IDE indicam que as estruturas produtivas da Austrália e do Canadá apresentam grandes semelhanças, apesar de as exportações de produtos primários tomarem peso desproporcional dentro da pauta de exportações da Austrália.". 

(Creio que tudo isso pode se dar porque a taxa de recurso natural per capíta de Austrália e Canadá são muitíssimo maiores, logo, talvez possam explorar e fazer bens de melhor qualidade mais facilmente, ou seja, com menos tempo de trabalho, sobrando mais deste para "aprimorar" a coisa. Enfim, expliquei grosso modo, mas tá na minha cabeça a ideia geral. Quando não é um parto pra fazer algo, dá pra caprichar mais).

28 - Conclusão deles sobre as empresas "top" per capita já é mais esta aqui: a proximidade dos dois indicadores parece sugerir que países que conseguem atingir maior desenvolvimento de sua estrutura produtiva (i.e. possuir elevado número de indústrias de média e alta tecnologia per capita) também se tornam mais capazes de elevar a qualidade de sua produção em todos os setores, não só nos setores de média e alta tecnologia. Esse resultado não surpreende, uma vez que a produção de bens de média e alta tecnologia não só apresenta elevada complexidade, o que indica a maior capacidade produtiva da economia, como a produção desses setores também é capaz de criar fortes externalidades positivas sobre os demais setores, ao demandar ou prover insumos de maior qualidade. Além disso, a similaridade indica que as VCRs parecem ser mais relacionadas a ganhos de qualidade do que a ganhos de eficiência produtiva, via custos, como comumente interpretado.

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