Argumentações na internet sobre valor

 

Argumentações na internet sobre valor (Um rascunho para ir atualizando sempre que eu puder... São considerações iniciais e pensamento em evolução...)


1 - Coloca-se por aí que o valor-de-uso em Marx seria objetivo e, por isso, não se confundiria com valor subjetivo. Viria das características objetivas de um bem. Assim, não deixaria de ter valor-de-uso mesmo que durante um tempo longo ninguém se interessasse por usar ou comprar o bem "x", por exemplo. Considero incorreto que valor-de-uso possa se descolar do valor subjetivo - termo que faz sentido para mim. E vale a pena revisitar Marx para me certificar do que ele diz a respeito. Por sinal, diz ele: "nenhuma coisa pode ser valor sem ser objeto de uso. Se ela é inútil, também o é o trabalho nela contido, não conta como trabalho e não cria, por isso, nenhum valor." Ou, nas primeiras páginas, "A utilidade de uma coisa faz dela um valor de uso" (...) Os valores de uso formam o conteúdo material da riqueza, qualquer que seja a forma social desta. Na forma de sociedade que iremos analisar, eles constituem, ao mesmo tempo, os suportes materiais [stofflische Träger] do valor de troca. Perdendo o suporte... 

Até porque não existe "valor intrínseco" a nada. O próprio Marx concorda. Não lembro se na carta ao Sr. Wagner ou no "Das Kapital" mesmo (que chique falando assim...).

2 - Essa introdução é muito menos importante do que o fato de que não podemos criar ou diminuir o total de valores produzidos numa dada sociedade apenas por "decreto mental", "capricho" ou alguma "subjetividade" do tipo (exceção a essa regra é quando se altera globalmente, por qualquer razão que seja, o quantum total de "consumo/trabalho" como explicarei a partir do ponto 6, mas aí só porque a "cola" com o predomínio do trabalho permanece intacta). Ou seja, o valor é, na sua dimensão maior e mais constante, objetivo, processo dado pelo movimento e papel do trabalho abstrato na sociedade capitalista, sob uma série de condições específicas portanto, e medido pelo tempo de trabalho socialmente necessário - só que eu diria "necessário à produção de todos os bens e serviços", não "um bem". Nas palavras de Marx, o trabalho é a substância do valor, sendo que a grandeza de valor de uma mercadoria varia na razão direta da quantidade de trabalho que nela é realizado e na razão inversa da força produtiva desse trabalho. No meu entender, a "mobilidade" do "valor" é que seria subjetiva e explica os casos particulares. O "valor" (aparente... muito mais móvel... socialmente considerado...) de "um bem" varia com a percepção subjetiva coletiva (ou tende a esta, para ser mais exato). O marketing é um caso típico. Parece mexer com o valor, mas só mexe no "valor". A valoração social que é dada àquele bem "x", portanto. Ele não cria valor. Muda a escala de preferências dos agentes, permitindo diferentes trocas na margem. Transfere valores, não os cria. Note-se, afinal, que o total de valor produzido pela sociedade não variará em tal razão, pois depende da capacidade do trabalho abstrato total, real substância, sendo as percepções/valorações/subjetividades impotentes em influenciar a coisa em CNTP (exceção ao ponto 6). 

Valor só se perde ou se ganha "subjetivamente" de modo "total" quando/se pensarmos tal termo como "humanidade decidindo reduzir ou aumentar o quantum global de consumo-trabalho". Porém, perceba-se que olhar para o consumo sem considerar necessariamente também o tempo de trabalho total e necessário despendido globalmente pela humanidade é se fingir de cego. Ou, no mínimo, é estar muito distraído. 

Acredito que o próprio Marx pensava algo parecido com isso, quando, ainda no início do Livro I, diz: "As variações efetivas na grandeza de valor não se refletem nem inequívoca nem exaustivamente em sua expressão relativa ou na grandeza do valor relativo. O valor relativo de uma mercadoria pode variar, embora seu valor se mantenha constante. Seu valor relativo pode permanecer constante, embora seu valor varie, e, finalmente, variações simultâneas em sua grandeza de valor e na expressão relativa dessa grandeza não precisam de modo algum coincidir entre si". Uma coisa é a forma como o valor aparece (valor-de-troca?) outra é o valor. Porém, talvez eu veja muito menos utilidade prática na tentativa de estimar o "valor de um bem" do que Marx mesmo via (algo que, de modo perfeito, é simplesmente impossível, pela dimensão "subjetiva", menor, que vejo no "valor"). 

Pergunto então: O "valor relativo" - para usar a expressão de Marx - flutua, com raio quase infinito, ao redor de parâmetros mais estáveis e objetivos (o valor sem aspas)? Certamente. Até aqueles pisca-piscas no "home broker", que mudam a cada milionésimo de segundo, representando o "preço de uma ação" estão ancorados em uma série de métodos de precificação com seus parâmetros objetivos (PLs... P/VP... até mesmo os desenhos da análise técnica tentam, de modo radicalmente diferente, pescar alguma objetividade na coisa). Não dá para dizer com certeza o preço ou muito menos o valor da ação. Quando abrimos a boca, ele já mudou ou está bem sujeito a isso. Então tudo é subjetivo? É a impressão. É a aparência. E só. A flutuação "maluca" não se dá "no nada" nem em torno do nada. Reflete milhões de fatores objetivos de difícil quantificação (nem os robôs de Jim Simons sabem tudo). Enfim, se até essa aparente loucura tem conexão com o mundo real/objetivo, que dirá as diversas mediações entre valor e preço dos bens menos erráticos/liquidos/voláteis. Não é um cálculo dos mais fáceis. Só quando olhamos todo o processo total, globalmente, é que conseguimos ver porque o trabalho abstrato é quem dá substância ao valor. Enquanto isso, em cada bem ou caso particular, o valor relativo pode se distanciar, de modo inacreditável, do valor. Imagino que existam mesmo casos bem bizarros que nos levem a pensar "não existe valor! Só preço!". E como não dá para calcular o primeiro de forma particularizada, nem culpo a grande maioria por pensar isso/assim.

3 - As mudanças no tempo de trabalho s. n. - o tal TSN - são também o motor da "valorização do valor". Mandel dá um exemplo interessante ao qual faço uma adaptação. Imagine uma sociedade em que todo mundo tem uma incrível impressora 3d barata, movida a energia acessível, barata e renovável e que é capaz de imprimir simplesmente qualquer coisa que possa servir como bem ou até imprimir bens que possam fornecer qualquer serviço. Essa máquina, quase um "moto perpétuo" que se alimenta, sem atrito, da própria energia inicial de forma quase 100% eficiente. Por sinal, sequer precisa apertar o botão. Ela lê a mente e produz o que queremos. Ela também se "autoconserta' e consegue se "autorreproduzir" quando necessário. O que aconteceria com o valor??? (e com o preço... e com "valor"... e com o valor relativo... e com o "preço de produção"... e com o "preço-valor... e com o "preço de custo"... e com o "valor-de-troca"...)??? Simplesmente despencaria. Por que haveríamos de ainda trabalhar de seis a dez horas por dia que fossem salvo em caso de escravização (física ou mental)? Por que haveríamos de vender força de trabalho (para produzir o que para quem?) para comprar o que nós mesmos agora podemos e sabemos produzir? O trabalho abstrato, que dá substância ao valor, cairia, portanto, a níveis irrisórios. Continuaríamos tendo nossa escala de prioridades e preferências sobre como gastar nosso tempo e de quais bens e serviços usufruir, tudo isso como antes, mas a quantidade irrelevante de trabalho que sobrou para fazer autorizaria a imaginar a impossibilidade do modo de produção capitalista, de troca generalizada de mercadorias baseada na exploração do trabalho abstrato e na necessária separação entre proprietários e não-proprietários. Estaria eliminada a lei do valor e o capital. Valores-de-uso seriam produzidos ao bel-prazer do produtor. Claro que é um exemplo irrealista e extremado, mas imaginando um meio-termo entre essas duas sociedades (a nossa atual e a futurista totalmente mecanizada com ares de autossuficiência), dá para perceber que o valor tende a cair paralelamente à redução do tempo de trabalho total envolvido em produção de mercadorias. E que, quanto mais abundância, mais isso é possível. Mais se torna dispensável o trabalho abstrato (e o valor).

Também há quem vá objetar que a maior parte dos custos hoje são em máquinas ou instalações, matérias-primas, etc. Porém, obviamente tudo isso - do mais pobre insumo à mais sofisticada máquina - também é produzida pelo trabalho humano. Nasce dele. Seja extraindo da natureza, com ferramentas, equipamento e máquinas produzidas por outros trabalhos humanos, seja colhendo o que plantou simplesmente... Seja através da pecuária, etc. Invenções tecnológicas surgem também dos trabalhos humanos. E por aí vai... Qualquer bem vem de uma coleção de trabalhos humanos, nem que seja catar fruta de uma árvore para vender preço de mercado. Um industrial vai dizer que gastou 90% do orçamento em máquinas, insumos, matérias-primas, impostos e sei lá mais o que, sem notar que tudo isso vem do trabalho humano ou existe para viabilizá-lo. E no modo de produção generalizada de mercadorias, esse trabalho aparecerá como valor a ser valorizado (e apropriado... especialmente para mais autovalorização...). 

4  - O que diferencia a "imensa coleção de mercadorias" de 1867 da "imensa coleção de mercadorias atual"? Mesmo se olharmos "per capita", essa coleção é muitíssimo maior agora. Horas de trabalho antes consumidas na produção de alimentos, roupas e produtos mais básicos foram liberadas para a produção de tudo isso mais uma miríade de bens e serviços mais sofisticados. Com o mesmo tempo de trabalho se produz bens de tipos muito mais diversos. O que possibilitou isso? A redução no tempo de trabalho(!) necessários à produção desses bens de antes. A desigualdade na distribuição permanece ou, a depender do critério, até aumentou devido aos monopólios e imensa concentração e centralização do capital. Porém, tal aumento gigantesco da produção por pessoa não se deu em virtude de mudanças na valorações subjetivas (consumo). Isso foi consequência - e não causa! - do incrível desenvolvimento das forças produtivas ou, mais precisamente, da diminuição brutal do tempo de trabalho socialmente necessário à produção das mercadorias, de modo que foi possível produzir muito maior quantidade de bens (valores-de-uso) mesmo com a possível redução da jornada média (quantidade de trabalho abstrato, seja o simples ou o complexo), esta última por luta dos trabalhadores ou até em razões de eficiência em alguns casos (transformando o "tempo de trabalho" em tempo de formação ou autoformação ou em preservação do valor da força de trabalho mediante serviços estatais de saúde, assistência e etc.). O que chamam de maximização da utilidade marginal decorre justamente de toda essa capacidade de criação de valor que o trabalho abstrato, seja manual ou intelectual, permite. Uma constelação - rede - de trabalhos criadores de cientistas, engenheiros, trabalhadores manuais, economistas etc. É o fato de fazermos muito mais bens com menos tempo de trabalho necessário que permite que a "imensa coleção de mercadorias" hoje seja muito maior. Em outra sociedade, poderíamos se quiséssemos priorizar redução de jornada e mesmo nível de "imensa coleção de mercadorias" se assim decidíssemos. Enfim, não é qualquer tipo de valor subjetivo que fez e faz essa revolução produtiva. No entanto, penso que este último tem diversos papéis (o que não sei muito bem se é a posição de Marx. Parece-me até que não). 

5 - O valor subjetivo só cria valor novo se a gente se detém à aparência da coisa. Em tese, se fulano passa a valorizar mais um celular "X" ao "Y", o bem "X" está ganhando valor. Se bilhões de fulanos fazem isso (seja por ação de puro marketing barato da empresa ou qualquer outro motivo, como no caso do pessoal que parou de tomar a cerveja Corona porque achava que tinha a ver com o vírus), parece que o valor de bem "x" realmente está definitivamente alterado mesmo custando o mesmo tempo e dinheiro que antes para produzi-lo. Pois bem, na hipótese da cerveja, digamos que quase ninguém vá querer a "Corona" nunca mais. Virou memória ruim, sei lá. Associaram. Já era. Mudaram o nome da marca e não adiantou. Loucura coletiva. "Acabou o valor" da cerveja Corona, portanto. Passaram a comprar mais as outras, então "subiu o valor" das outras. De fato, podemos enxergar tudo assim. Por que o valor não é subjetivo então? Por que ele é em essência objetivo? Porque o valor "novo" (dá até para dizer que é novo, por ser diferente do de antes) não surgiu do nada. Surge/surgiu de outro que se perdeu. Porque isso são meros movimentos de "transferência" parcial/particular do valor real, não de criação ou destruição global/universal do valor. O quantum total de valor produzido coletivamente pela economia não mudou com nada disso. Ninguém está podendo trabalhar menos ou produzir mais (o tempo de trabalho total da humanidade globalmente considerada) porque as pessoas passaram a preferir marca (ou mesmo outro produto/bem/serviço totalmente diverso!) "x" ou "y". 

6 - Qual a exceção a tudo isso acima? É uma exceção quase intuitiva. É quando as pessoas (humanidade) deixam de consumir "x" para nada consumir em substituição ou então para consumir bens que demandem menos trabalho socialmente necessário (não precisamos "enrijecer" o "modelo"). Poupar mais, visando valorização futura, ou simplesmente entesourar (por segurança, prudência, medo ou sei lá). Ou pior... Necessidades já satisfeitas, por enquanto (ou até permanentemente né? Quem sabe da eternidade dos desejos humanos?!), por parte de quem pode consumir adicionalmente (mais adiante, coloco que a redistribuição pode ter um papel "desamarrador" dessa "paralisia"). Assim, a produção necessariamente diminui pra corrigir os excessos (ou no mínimo cessa de aumentar), nem que seja temporariamente, sob pena de acúmulo de estoques e fortes depreciações e-ou destruições de valor (que na verdade, por não ser realizado, é como se não tivesse sido produzido). Temos meio que uma superprodução. Say pode só estar correto no longuíssimo prazo ou nem isso. A taxa de poupança tem que ser estável? E se for crescente? Desperdício se torna então inevitável por um bom tempo, salvo previsão planejada dos agentes econômicos (mas algum dia será possível tal racionalidade econômica? Talvez seja a utopia das "mágicas" dos bancos centrais hoje em dia, que suavizaram muito a coisa, é bem verdade). É a única dimensão em que o valor é subjetivo. Se as pessoas escolhem consumir/trabalhar menos ou mais, pois o processo de valorização do capital é necessariamente influenciado por isso. Depende-se do consumo de bens e serviços. Do aumento global. Puxado por uma pessoa ou coletivo que seja.

7 - Enfim, se o consumo da humanidade diminuir (no que tange ao consumo de mercadorias/serviços-produzidos-como-mercadorias), realmente o processo de valorização do valor fica em descompasso. A produção precisa diminuir e alguns capitalistas precisam quebrar para o lucro geral se manter. E qual seria a solução para além dessa? O lucro alto precisa retornar por algum tipo de retorno do consumo, seja via dívida - empurrar o problema com a barriga, convencendo os consumidores a gastar - ou mesmo outro meio, como por exemplo o consumo adicional, potencialmente improdutivo, e "forçado" de um governo, via impostos ou dívida pública. Talvez redistribuindo renda (e aqui o governo também pode ajudar) a quem tem maior propensão marginal a consumir. De preferência, não só o consumo deve voltar como ele deve voltar maior que antes. No mundo desigual, a saída de uma economia avançada em relação a isso é buscar os lucros nos lugares onde inevitavelmente as pessoas precisam necessariamente (ou no mínimo querem) consumir mais, ou seja, nas economias da periferia. A China, por exemplo, tem sido um bom escape. Possivelmente a Índia também vem sendo e será ainda mais um escape gordo.

8 - E se, chegada essa estagnação, nunca voltar o tal aumento global do consumo? Aí dívidas se acumulam sabe-se lá até quando (e são usadas para consumo fictício, ou seja, comprar, via mercado de ações e/ou títulos, direitos sobre lucros gerados pelo consumo que algum dia se espera que virá/voltará). Na paralisia da economia real, compra-se títulos, ações, propriedades, direitos sobre o futuro. Na falta da guerra econômica de movimento, como sempre foi, foca-se na guerra econômica de posição. O importante é se posicionar no que tange ao poder de concentrar e redistribuir a riqueza. Isso explica nossas últimas tendências econômicas e monetárias? Talvez. Hoje as pessoas das economias avançadas já poupam acima do razoável ou do necessário ao modo de produção? Não sei, talvez sim, por exemplo. Só pesquisando.

9 - ...Os lucros "não-operacionais" vão subindo em relação aos "operacionais". A expansão fictícia ajuda a manter uma suposta taxa de lucro constante. Ou que a taxa de lucro ao menos caia menos do que o poderia cair sem essas operações financeiras incentivadas hoje em dia pelo expansionismo monetário. 

10 - A intensificação de alguns tipos de exploração do trabalhador até pode funcionar provisoriamente como uma das saídas, mas no mínimo precisa ser acompanhada de alguma expansão do consumo, nem que seja dos capitalistas. Se todos os capitalistas, até pela concorrência ou mesmo sem ela, comprimem os salários reais dos trabalhadores ao máximo que podem para garantir a reprodução ampliada do capital, precisam que no mínimo o aumento do consumo dos novos bens e serviços produzidos venha dos próprios capitalistas individualmente considerados. Um por todos e todos por um. Aí TALVEZ dê para escapar. Do contrário, não há como escapar de taxas de lucro cada vez mais comprimidas pela sobreoferta (temporária? O dilema de sempre...). Talvez o futuro do capitalismo seja algum tipo de escravidão por dívida mais generalizada, com ricos consumindo todo tipo de trabalho abstrato, especialmente em forma de serviços, dos pobres. Hiperconsumo deles. Assim, talvez possa se manter a taxa de lucro mesmo em cenário de restrição do "consumo natural" (necessidades normais das pessoas). Aspectos dessa servidão sempre existiram até, mesmo em tempos modernos. Talvez se agrave. A internet está aí para aumentar a quantidade de taras de quem tem dinheiro, ou seja, de quem está bem posicionado no "jogo" desigual. Sem qualquer moralismo aqui na análise (isso fica pra outro campo e tipo).

11 - Nota-se que, apesar de todo o quadro, ainda vejo muitas saídas para o capital mesmo em caso de estagnação "natural" do consumo, que nem sei se é algo mesmo esperável ou que já esteja acontecendo. Minha torcida mesmo seria que, em tal caso, que alguma força levasse os capitalistas a, na píor das hipóteses, ao menos aceitar a compressão do valor com a consequente redução dos trabalhos abstratos e, é claro, jornadas. Qualquer coisa, há até a opção extrema de fazer uma guerra mundial e destruir capital físico para reconstruir tudo de novo, reiniciando o processo de valorização do valor talvez com taxas de lucro maiores. Podemos chegar nesse nível de maluquice? Quem duvida?

12 - O capitalismo (a lógica do capital, impessoal, e que se impõe) precisa criar necessidades de consumo se essas não estiverem aparecendo. Nem que seja nos próprios capitalistas. Senão, a quantidade de trabalho a explorar não poderá aumentar ou se manter sem queda da taxa de lucro, o que vai paralisar ou diminuir o processo de autovalorização do valor. Para o capital, pior que a diminuição global do consumo de bens e serviços só mesmo se(quando) a classe inimiga exige(ir) menores jornadas ou coisa até "pior". 

13 - No mínimo, os capitalistas precisam expandir sempre o consumo global. Do contrário, as pessoas podem inclusive perceber que já não é mais tão necessária a lógica capitalista. E aí, em tal caso, notando que a mera redistribuição planejada e racionalmente organizada seria preferível, poderia esse "coletivo de pessoas" ganhar até ímpetos, ideias ou, pior, práticas revolucionárias. E uma revolução social é tipo a visão do inferno para a perspectiva (impessoal!) em questão.

14 - Voltando à discussão inicial, devo colocar que a escassez joga um papel na transferência do "valor aparente" (vou usar esse termo). O valor, tal como se apresenta para a gente, não é o valor necessário do bem. Do contrário, nem seria preciso qualquer teoria. Também não estou - muito menos Marx estava, creio - propondo um método de precificação. Até porque a chamada "economia burguesa" já se empenhou satisfatoriamente em "explicar" variações no preço, que é o que importa para ela (e não explicar qualquer "porquê" mais radical). Nem acho que seja possível determinar objetivamente o valor de um bem, pois este depende de fatores que estão em constante mudança: métodos de organização e alocação eficiente de recursos e os próprios movimentos "subjetivos" dum quantum total de valor determinado objetivamente, o que já não se está em Marx e, pelo que leio, também não é a visão dos ideólogos do capitalismo. O que eu digo aqui talvez até contemple algum tipo de marginalismo. 

15 - Em um artigo que salvei para ler depois, encontrei: "Marshall e Marx coincidem em negar valor gerado na esfera da individualidade." Estou com ambos. A individualidade leva a movimentos/deslocamentos. Criação ou destruição de valor global depende do quantum de trabalho abstrato, medido em TSN (aqui sou bem "marxeiro"). A escassez e os sacrifícios das "escalas de preferências" da vida, tudo isso é limitado pelo quanto de tempo de trabalho que é necessário ou não à produção de todas as mercadorias.  É como se esse "tempo" fosse o estoque em torno do qual todo o resto vai "jogar" e se organizar para a mais eficiente produção possível, o que se conquistará também mediante trabalho prático e teórico, manual e intelectual. Trata-se de uma substância por demais objetiva para que se possa superdimensionar o papel que o "valor subjetivo" joga nessa discussão toda. Tentar analisar o valor de forma individualizada/particularizada só servirá para pedir que a aparência nos engane, escondendo o que de fato ocorre. É não sair da superfície e se contentar com a camada menos rica do real.

As preferências e objetivos das pessoas mudam, mas o quanto se paga em tempo-esforço total para consegui-los só muda se mudar o tempo de trabalho necessário envolvido na busca. Aqui analisando a coletividade, claro. Há esse limite objetivo pelo fato de que escolha de "a" pode implicar em sacrifício de "b". Só tornar as coisas mais fáceis de serem feitas é o que pode gerar mais valores-de-uso do ponto de vista total. Do contrário, é deslocamento de valor e não geração do valor total produzido numa economia capitalista. 

No capitalismo é impossível pensar numa sociedade sem valor. Pode acontecer, mas seria outro sistema já, não mais baseado especialmente em trabalho humano. Pelo menos a categoria que estamos analisando aqui.

16 - No mais, eu gostaria de propor também uma reformulação da categoria da "mais-valia" (essa nova formulação está até implícita nos escritos acima) que tenho em mente tendo em vista as polêmicas do livro III, mas quero deixar para um momento pós-leituras que tenho em mente. 

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