Ricardo Dathein - Crise Econômica e Taxa de Lucro nos EUA

 

Ricardo Dathein - Crise Econômica e Taxa de Lucro nos EUA


1 - Coloca que Wolff e outros já estavam examinando a crise levando em conta o fator "taxa de lucro". Na análise repete a trajetória que já vi nos textos de Eleutério Prado aqui. A crise seria real pois a economia real (taxa de lucro) nunca mais foi a mesma. Apenas o endividamento tem adiado o problema. O financeiro aparece então como reflexo caótico do real, um remédio insuficiente. Gráfico do período 1999-2009:

2 - Neoliberalismo: A abordagem sobre o processo de financeirização e a crescente acumulação fictícia de capital geralmente destaca a forte concentração de renda gerada, o que explicaria a recuperação da taxa de lucro (Chesnais, 2010; Lapavitsas, 2009; Astarita, 2008). ... O processo de financeirização se caracterizaria como uma situação em que, ao mesmo tempo que a taxa de lucro se recuperava, a taxa de acumulação não a acompanhava, produzindo um gap. Portanto, a diferença entre os salários menores e os lucros maiores não estava sendo utilizada para aumentar investimentos, sendo drenada para rendas financeiras (Husson, 2008; 2009).

3 - Além disso, outros mecanismos da dinâmica macroeconômica, com o processo de globalização e o déficit comercial crescente dos EUA também possuem papel crucial.

4 - Também de forma estranha a taxa de crescimento começou a reduzir a partir de 2005, apesar de a taxa de lucro continuar em forte ascensão. A taxa de lucro só se reduziu em 2007, já como consequência da crise. 

5 - Até a taxa de acumulação (de capital não-residencial) ainda não era ruim:

6 - Um aumento da participação dos lucros no PIB eleva a taxa de lucro, mas tem a característica de ser limitado, pois não se pode concentrar a renda indefinidamente. (devem começar a apertar nesse século). ... A relação produto-capital, ao contrário, expressando melhorias tecnológicas, é a causa mais consistente de elevação da taxa de lucro. No caso limite de uma hipotética participação dos lucros no PIB de 100%, a relação produto-capital expressaria a taxa de lucro máxima (Freeman, 2009).

7 - A participação dos salários no PIB vinha decaindo desde o início dos anos 1970, quando foi de 53%, até 1994. Ao mesmo tempo, a parcela dos lucros aumentava sua participação no PIB (Gráfico 4), enquanto a produtividade sistematicamente crescia mais que os salários.

8 - Na segunda metade dos anos 1990 houve uma importante recuperação da parcela salarial (Gráfico 4), explicado pelo alto crescimento do PIB e dos empregos. A participação dos lucros no PIB, que vinha crescendo desde os anos 1980, passou por uma redução nessa segunda metade dos 1990. Esses dois fenômenos interligados podem ter causado a queda da taxa de lucro no período, tendo em vista a sobreacumulação que gerou maiores custos salariais e maior concorrência. Esse segundo processo, o aumento da concorrência, deve ter sido mais importante que o efeito dos salários, levando em conta que a produtividade cresceu em todos os anos do período mais que os salários (Gráfico 5). Considerando-se que os salários reais médios horários cresceram apenas 7,6% e que a produtividade do trabalho elevou-se em 47,2% de 1990 a 2007, observa-se a causa da forte concentração de renda nesses anos.

9 - Registra também estagnação salarial com alta da produtividade especialmente no período Bush (e retorno do crescimento da taxa de lucro). Por fim, constata alta da produtividade em 2009 a despeito de relativa estagnação salarial. 

10 - Produtividade do capital (termo que consideram incorreto, pois capital nada produz, preferem "relação produto-capital") contraditoriamente ... reduziu-se fortemente no período Bush.

11 - Conclui-se dos gráficos que "Nos anos de 2002 a 2006, o grande aumento da taxa de lucro foi integralmente explicado pela concentração de renda, sendo tão forte que mais que compensou a grande redução da relação produto-capital". A produtividade do trabalho até crescia, mas, a partir de 2004, com a piora no preço do capital (que aumentou) devido à queda da produtividade do mesmo (capital), os investimentos ficaram desestimulados. Daí como se chega na crise atual? Por outro lado, o grande aumento da produtividade relativamente à relação capital-trabalho ocorreu em um contexto de aumento da produtividade e relativa estagnação do estoque de capital por trabalhador, de 2003 a 2006, o que provocou menor crescimento da produtividade no período de 2005 a 2008

12 - O saldo negativo em transações correntes aumentou mais 1,2 ponto percentuais do ano 2000 até 2007. Esse acréscimo permitiu que os investimentos não se reduzissem tanto quanto a poupança, ao mesmo tempo em que garantiu o aumento do consumo sem aumento de investimentos. Portanto, o maior consumo, enquanto tendência gerou mais importações e não mais investimentos. O fraco desempenho dos investimentos resultou no relativamente pequeno aumento do estoque de capital fixo produtivo a partir do ano 2000.

13 - Os gastos do governo, de outra parte, elevaram-se 2,6 pontos percentuais sobre o PIB entre 2000 e 2007, sendo 1,0 ponto explicado por aumento de gastos militares, que passaram a 4,7% do PIB nesse último ano (em 2010 alcançaram 5,6% do PIB). Nesse período, os investimentos governamentais tiveram um acréscimo de 0,2 ponto percentual. Em 2010, esses investimentos alcançaram 3,5% do PIB.

14 - Logo após, de 2005 a 2007, os investimentos residenciais reduziram-se fortemente, em 1,7 ponto do PIB. Os investimentos residenciais alcançaram 6,1% do PIB em 2005, reduzindo-se a 4,5% em 2007 e a 2,5% em 2009. Pode-se inferir que houve, no período 2003 a 2005, um processo de sobreacumulação no setor de construção residencial e uma consequente queda da sua taxa de lucro (a queda dos preços residenciais foi muito forte a partir de 2006).

15 - Era Bush: o forte aumento dos lucros não se traduziu em maior poupança (e, portanto, em maiores investimentos), como a teoria que embasou a proposta de redução de impostos sobre os lucros justificava. Justamente ao contrário, a poupança e os investimentos reduziram-se, apesar da fortíssima elevação dos lucros, demonstrando a debilidade da visão teórica. Provavelmente boa parte do aumento dos lucros transformou-se em maior consumo e mais importações e explica o forte aumento das atividades (e as bolhas) especulativas.

16 - Dívidas: "O endividamento total cresceu, como proporção do PIB, de 272,7% em 2000 para 355,9% em 2007, ou seja, um crescimento de 30,5% na proporção do PIB. Para esta elevação contribuiu fundamentalmente o endividamento das empresas, que passou de 148,2% para 190,5% (mais 28,5%), e o das famílias, de 70,2% para 98,2% (mais 39,9%), no mesmo período. O Governo também expandiu seu endividamento, apesar de proporcionalmente menos, passando de 46,1% para 52,1% do PIB (mais 13,0%). Mesmo com a continuidade do forte aumento do endividamento das famílias, o consumo como proporção do PIB reduziu-se levemente entre 2003 e 2006, revertendo a tendência anterior. Ou seja, aparentemente a forte queda da massa salarial como proporção do PIB não foi compensada pelo maior endividamento, nesse período." (...) Esse forte aumento do endividamento permitiu o aumento do consumo (até 2003), mas não garantiu taxas de crescimento adequadas de investimentos e, portanto, do PIB. Com a participação da massa salarial no PIB em queda, o aumento do endividamento (privado) impulsionou a economia além de seus limites, até um ponto insustentável. Nesse contexto, a incerteza sobre a capacidade de pagamento dos agentes aumentou até o ponto de ruptura. Em 2010 o endividamento total chega a 359% do PIB. O percentual do governo cresceu muito, pois, no salvamento, assumiu várias dívidas. A privada até pôde desinchar alguns pontos percentuais.

17 - Por sinal, só a dívida do governo dos EUA saiu de 107 para 132% pra agora (quarto trimestre de 2020). Talvez Biden aumente.

18 - Fiscal: Esses gastos públicos, partindo de 30,4% em 2000, alcançaram 33,0% do PIB em 2007 e, com a crise, elevaram-se a 38,0%, em 2010. As receitas públicas, de outra parte, iniciaram de 31,8% do PIB em 2000, chegaram a reduzir a 27,6% do PIB em 2003, alcançaram 30,1% em 2007 e, em 2010, reduziram a 27,3%. Isso produziu um déficit público que, partindo de um superávit de 1,5% do PIB em 2000, alcançou 5,0% em 2003 e 2,9% em 2007. Com a crise e o intenso aumento de gastos e forte queda de receitas, o déficit alcançou 10,6% do PIB em 2010.

19 - Enfim, fiscal e monetário expansionistas na era Bush. Não adiantou tudo que se esperava. Serviu para sair da crise de 2001, mas não virou investimento.

20 - Resume tudo, o porquê da taxa de lucro crescente nada ter evitado: Em oposição, o componente tecnológico tão-somente não colaborou para esse aumento, quanto inclusive tendeu a diminuir a taxa de lucro, o que pode explicar porque a taxa de investimentos não se elevou com a maior taxa de lucro, e porque estagnou o crescimento do estoque de capital por trabalhador. Acrescente-se a isso um aparentemente forte aumento relativo do preço dos bens de capital desestimulando os investimentos produtivos. Como se sabe, o primeiro efeito (distributivo) é limitado e a crise econômica dos EUA demonstrou esse fato.

.

Comentários