Maria Oaquim - Sobre Discriminação no Mercado de Trabalho e Desafios da Ciência Econômica
Sobre Discriminação no Mercado de Trabalho e Desafios da Ciência Econômica
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1 - A abordagem de discriminação por gosto (ou preferência) na Economia origina-se com o modelo de Becker (1957), que demonstra como a discriminação a indivíduos com as mesmas habilidades produtivas pode resultar em um menor número de contratações de pessoas pertencentes ao grupo discriminado, bem como menores salários aos mesmos
2 - Viria do "gosto" dos outros mesmo. Só que o mercado, em tese, para Becker, geraria incentivos a acabarem com esse capricho, via maximização do lucro, contratando minorias tão produtivas quanto a maioria predominante a preços cada vez mais próximos. Resultados:
Eles concluíram que mercados de trabalho locais cuja liberalização comercial induziu a um maior aumento de competição foram aqueles que experimentaram as maiores reduções no diferencial salarial (condicional) entre trabalhadores brancos e negros. Além disso, os mercados que eram mais concentrados foram os que apresentaram maior redução da discriminação quando expostos à maior competição. Assim, tal resultado corrobora a Teoria da Discriminação por Gosto. (...) Apesar de tais evidências, muitos estudos que analisaram episódios de liberalização comercial não encontraram resultados que corroboram com as implicações da teoria de discriminação formulada por Becker( Juhn e outros , 2014; Gupta, 20015).
3 - Outra forma de enxergar preconceito: Sob outra perspectiva, os modelos de discriminação estatística apresentam a possibilidade da informação assimétrica levar a um diferencial salarial por gênero ou raça. Isso ocorreria porque os empregadores não teriam como identificar perfeitamente a produtividade do candidato(a) à vaga. Dessa forma, ele poderia utilizar estatísticas referentes a diferenças médias entre os gêneros ou raças como uma aproximação para a produtividade do trabalhador (Phelps, 1972; Arrow, 1992; Aigner, Cain, 1977). (...) No caso da discriminação de gênero, firmas não somente pagariam menos às mulheres, mas poderiam excluí-las de certos treinamentos específicos, pois anteciparam que as mesmas sairiam mais rapidamente da força de trabalho para ter filhos (Weiss, Gronau, 1981). Tal comportamento pode gerar uma “profecia autorrealizável”, no sentido de que a antecipação de que mulheres são menos produtivas levaria a menor contratação de mulheres que, por sua vez, investiram menos em capital humano, fazendo com que elas se tornem de fato menos produtivas, como antecipado pelo empregador. (...) De forma semelhante, a discriminação estatística racial no mercado de trabalho poderia estar associada à questão de qualificação para o trabalho. Por exemplo, empregadores podem utilizar a informação de que negros são na média menos escolarizados que os brancos para inferir que um determinado candidato(a) negro(a) é menos produtivo. Dessa maneira, negros poderiam ter menos incentivos a fazer investimentos pessoais em habilidades que não são possíveis de serem sinalizadas claramente para o empregador, como cursos que não emitem certificado (Lang e Spitzer, 2020).
4 - Glover e outros (2020), através de uma análise da performance de caixas de supermercado em uma rede francesa, encontram que, quando trabalhando sob gerentes mais preconceituosos, as minorias têm sua performance no trabalho negativamente afetada. Contudo, quando são supervisionados por gerentes menos preconceituosos, seu desempenho no trabalho é melhor do que de outros trabalhadores. Os autores defendem que o desempenho diferencial se dá porque os gerentes preconceituosos interagem menos com as minorias, um resultado consistente com a teoria psicológica de “racismo aversivo”, onde indivíduos com preconceitos implícitos em relação a minorias apresentam menor propensão a se comunicar com eles e serem amigáveis.
5 - Uma pesquisa identificou "fardo da maternidade". Simularam análises de contratações de empregos de pessoas com mesmas aptidões, currículos e experiências. Enviaram os currículos para alunos de graduação analisarem e darem feedback a uma suposta empresa de que queria supostamente montar um departamento de marketing. Resultado: "Enquanto somente 46% das mães foram recomendadas, a proporção para as mulheres sem filhos era de 84%. Além disso, os salários iniciais propostos para as mulheres com filhos foi 7,4% menor e elas foram menos recomendadas para futuras promoções e cargos de gestão em comparação com aplicantes do sexo feminino sem filhos. Já no caso dos homens, a percepção da paternidade mostra exatamente o inverso: maior comprometimento para o trabalho, segundo o julgamento dos participantes do experimento. Corroborando essa pré-concepção, a eles foi sugerido um salário maior em relação aos homens sem filhos."
6 - Cita outro experimento - "Ban the box" - que constatou que crenças culturais podem valer mais que informação perfeita para afastar um candidato. Um experimento envolvia "nomes que predominam entre negros" (currículos sem fotos e sem passado criminal) para identificar discriminação. Esconder o "passado criminal" serviu para que empregadores adotassem critérios "de crença" e aumentassem a discriminação contra negros, por exemplo (em relação a quando a informação do "passado criminal" era aberta).
7 - Mais: A teoria de discriminação estatística traz a implicação que o fornecimento de informação seria um importante fator a ser considerado para redução de discriminação. Apesar das evidências que corroboram com o papel da informação ao pensar políticas públicas, Bartos e outros (2016) trazem a evidência de que a discriminação pode começar no processo de aquisição de informações. Assim, a própria assimetria de informação poderia ser causada pela discriminação, em vez de ser a causa dela, como aponta a teoria de Discriminação Estatística. Os autores desenvolvem um modelo e trazem evidências empíricas da existência de uma Discriminação de Atenção (Attention Discrimination) no mercado de trabalho. Criando hyperlinks para abertura de currículos dos supostos candidatos à vaga, eles puderam observar como a taxa de abertura deles variava entre candidatos com nomes mais prevalentes entre candidatos pertencentes a uma minoria étnica comparados com candidatos de uma maioria étnica.
8 - O último experimento envolveu "Teste de Associação Implícita (IAT, em inglês)". Envolveu metodologia parecida com os acima. "Nomes típicos" de cada etnia nos currículos. Foram observadas as associações. A ideia por trás disso é que quanto menos tempo um indivíduo tem para processar informação, maior a influência das atitudes implícitas nas suas ações.
9 - Alguns dos resultados chamaram a atenção dos autores. Primeiro, participantes que reportaram se sentirem apressados acabam escolhendo menos currículos cujos nomes soavam ser de origem afro-americana. Segundo, os autores encontraram uma correlação negativa entre o número de currículos com nomes afro-americanos selecionados por uma determinada pessoa e a atitude implícita dela a respeito da inteligência de negros versus brancos. Além disso, essa correlação negativa foi mais forte entre os participantes que reportaram, após o experimento, se sentirem mais apressados. Por outro lado, não foi encontrada qualquer correlação entre o número de currículos com nomes afro-americanos selecionados e o auto-relato de atitudes explícitas a respeito de grupos afro-americanos. É importante pontuar que essa evidência pode carecer de validade externa, ou seja, os resultados encontrados não podem, necessariamente, serem “exportados” para outros contextos.
10 - ... Elas investigam a relação da adoção de “audições às cegas” para orquestras sinfônicas nos Estados Unidos com o aumento de número de mulheres nas melhores orquestras do país. Dentre as cinco mais prestigiadas orquestras, em 1970, a média de mulheres era menor de 5%. Já em 1996, essa percentagem passou a 25%. O estudo demonstra que o uso de telas que impossibilitam observar o gênero do músico seria responsável por explicar 25% do aumento do número de mulheres nas orquestras observadas entre 1970 e 1996. (Deve ser o residual do que não veio da mera ampliação da procura feminina pela profissão. Creio que controlaram isso. Só lendo).
11 - Critica-se nesses experimentos o fato de analisarem tudo mais sob o ponto de vista individual. Empregador ou empregado e tal. Pouco se captura do processo permanente de racismo institucional. Não é intencional, preferencial ou falta de informação. Vem da estrutura já erigida mesmo. Algo quase cultural. Um exemplo que corrobora com essa perspectiva é a forma comum que os empregadores têm de fazerem novas contratações por vias de contatos próximos dos seus empregados atuais, que são majoritariamente brancos e acabam recomendando seu círculo de pessoas também brancas.
12 - Os autores também apontam a relevância de se compreender que formas ditas menores ou triviais de discriminação, chamadas de micro-agressões, merecem atenção. Episódios como “ser seguido repetidamente por um segurança em uma loja, repetidamente sentar em uma parte indesejável de um restaurante, repetidamente ser confrontado com ofensas raciais no trabalho“(Pierce 1970, 263; Sue et al. 2007) apresentam efeitos cumulativos, não sendo um mero episódio na vida de uma pessoa.
13 - Ao fim, ela pensa bem brevemente (fica em um exemplo só na verdade) desenhos de políticas públicas que possam contornar de forma mais eficaz um problema ou outro desses tratados.
14 - Enfim, excelente texto.
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