Marcos Lisboa - Lições da saída da Ford do Brasil

 

Marcos Lisboa: lições da saída da Ford do Brasil


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1 - "...o Walmart já tinha ido, a FNAC foi embora, e a Sony já disse que vai fechar fábrica… Tem muita gente desistindo do Brasil já faz um tempo."

2 - Optou-se por tentar fazer no Brasil boa parte da cadeia produtiva — senão ela toda — sem ter escala para isso. (Outros economistas contestaram, em comentário de twitter, com dados comparativos, essa afirmação. Seria sensacionalismo barato). (...) No resto do mundo, as empresas compram as máquinas e equipamentos mais eficientes que estão disponíveis, porque o país A, B ou C faz isso melhor que os outros. E aí tem escala. A política do Inovar Auto (que o Governo criou e a indústria automotiva apoiou) fez o seguinte: “ou você tem a fábrica no Brasil ou você vai pagar muito mais imposto nos automóveis que importar.” Aí as empresas tiveram que fazer fábricas no Brasil que eram muito pequenas, e comprar equipamentos no Brasil. Com escala pequena, naturalmente você fica ineficiente.

3 - A ‘indústria Apple’ está espalhada. Mas qual é a parte que gera mais valor adicionado? É a parte da montagem do aparelho? Não, aquela é uma fábrica que gera uma margem mínima. Por isso mesmo, a parte de montagem da indústria foi se deslocando para países com custo de mão de obra e de logística baixos.

4 - ... Agora, se você limitar as empresas a ter que fazer tudo dentro do seu território nacional, você não tem escala. Ainda mais no Brasil, onde várias das especificações e incentivos são para itens muito peculiares que o Brasil incentiva, como determinadas cilindradas de carros populares, por exemplo.

5 - O Brasil fez a Lei de Informática nos anos 80 e apostou em desenvolver chips e em fabricar hardware. Foi outra aposta errada. O que acabou dando certo foram os softwares. As grandes empresas hoje não são empresas de hardware, são as de software.

6 - O primeiro é o do Brasil no fim dos anos 60 no agronegócio. O Brasil até aquela época tinha copiado o modelo americano para melhorar a produtividade. Nos EUA havia as grandes universidades do Meio Oeste, com muito conhecimento técnico. E aí professores e alunos visitavam as regiões rurais e explicavam para os agricultores como ser mais produtivos. O Brasil tentou fazer igual, mas no fim dos anos 60 ficou claro que não estava dando certo. O governo então montou um time de trabalho com economistas e engenheiros agrícolas, e eles chegaram à conclusão que o diagnóstico estava errado. O problema do Brasil não era que o agricultor não tinha acesso à técnica, era que não havia técnica adequada para muitos dos problemas de uma agricultura tropical, porque a nossa agricultura é diferente da temperada. Surge a Embrapa, complementa. 

7 - O segundo exemplo é o caso bem-sucedido da vacina nos EUA e em outros países, porque aqui no Brasil estamos nessa confusão. Como foi a estratégia americana no começo da vacina, em abril de 2020? Eles montaram uma PPP e, como não se sabia qual vacina ia dar certo, eles olharam dezenas de tentativas e escolheram algumas. Para isso, usaram critérios como focar em abordagens diferentes e em empresas para as quais a vacina ia ser muito importante. A partir daí, fizeram arranjos diferentes para cada empresa. A lição disso é que, como você não sabe o que vai dar certo, você tem que apostar em vários cavalos.

8 - Nesses dois casos, o ponto de partida foi permitir a experimentação descoordenada, a experimentação independente. Permitir que vários caminhos diferentes fossem experimentados com os incentivos certos. (...) Já a política industrial brasileira faz o caminho contrário disso, o contrário do que fizemos na política agrícola. A política agrícola brasileira estimulou o desenvolvimento de tecnologias e deixou a concorrência e o experimentalismo independente avançar. Já a política industrial brasileira escolheu o caminho. Ela falou: ‘vou fazer navios’. Como você sabe que o Brasil vai ser eficaz em fazer navios? Você não sabe! Você desenvolveu conhecimento prévio para isso? O grande fracasso da política industrial brasileira é achar que basta você montar a fábrica que a produtividade vem com o tempo. 

9 - Nosso sistema tributário — com a tributação variando por produto, guerra fiscal entre os estados e um sistema caótico de regras de crédito tributário — estimula o empreendedor a tomar decisões de investimento não porque ele vai fazer bem feito, mas porque ele vai pagar menos imposto.

10 - Mas aí podem falar: ‘eu quero fazer política social, quero cuidar dos pobres, garantir que eles possam comer melhor’. Perfeito, mas em vez de desonerar a cesta básica, aumenta o Bolsa Família. 

11 - Afirma que o Brasil é fechado. Dificuldade de incorporar insumos e tecnologias de fora. Isso aconteceu na tecnologia de informática, na parte de bens de capital, e agora com a vacina.

12 - Conclusão dele: Se o Estado quiser incentivar algumas atividades específicas, tem que formar gente, desenvolver tecnologia, e estimular o empreendedorismo e a inovação — e não apostar num único caminho. (...) De novo: nosso grande drama é que não faltaram políticas industriais muito agressivas nos anos 50 e 70, curiosamente seguidas de graves crises nos anos 60 e 80. Olha o fracasso que foram as intervenções a partir de 2008. Todas deram errado. Precisamos refletir sobre isso. Foi assim com a Petrobras e com as refinarias. Foi assim com as regras de conteúdo nacional para vários setores. Foi assim com o Inovar Auto. Estimulamos muitas fábricas no Brasil que eram caras, ineficientes e que não eram rentáveis. (...) A desindustrialização brasileira é resultado das intervenções equivocadas que fizemos. E o pior é que o setor empresarial, as lideranças do setor privado, apoiaram isso. A culpa não é só do Estado.

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