Texto - Rafael Cariello: Trabalhadores, uni-vos

 

Texto - Rafael Cariello: Trabalhadores, uni-vos


Trabalhadores, uni-vos (uol.com.br)


1 - Saiu na Piauí/Folha. Começa com a história de Naidu, um respeitado "ortodoxo" de "esquerda", que vê com bons olhos intervenções sobre salários e afins em alguns casos. Seria um antípoda da ortodoxia a la Friedman e Stigler. Estava nos protestos de Seattle na virada do século. Suresh Naidu tinha então 21 anos, era aluno de graduação em matemática no Canadá e decidiu viajar ao país vizinho para participar dos protestos.


2 - Alguns anos antes do encontro da OMC, uma outra experiência havia de toda forma contribuído para que Naidu viesse a querer tomar parte dos protestos em Seattle. No período de férias da universidade, ele havia conseguido um trabalho de verão numa fazenda. “Eu tinha 19 anos. No Canadá existe um programa de ‘trabalhadores visitantes’. São imigrantes, na verdade. Eles vêm, trabalham uma temporada, e depois têm que deixar o país. Eu dividia as tarefas com jamaicanos, mexicanos – aprendi a jogar futebol com eles. Acho que foi essa experiência que me radicalizou. O trabalho era muito duro. Os chefes nos tratavam mal, de forma degradante.


3 - ...Ele se perguntava por que os economistas estavam "à direita". Resolveu então estudar o assunto. “Economia não é tão difícil assim, eu pensei.” Começou a ler por conta própria, antes mesmo de terminar a graduação. Depois se matriculou no mestrado, nos Estados Unidos, onde também faria o doutorado, na Universidade de Berkeley. “Eu queria ter certeza. Eu realmente queria saber se estava certo.”


4 - Depois, o texto passa a história do economista brasileiro Raphael Bruce, que também guinou à centro-esquerda.


5 - Coloca que os alvos de Friedman em "Livre para escolher" estão sendo revisitados. Há fortes evidências de que aumentos do salário mínimo não necessariamente provocam desemprego, e de que os sindicatos podem ter tido papel importante para diminuir a desigualdade de renda ao longo do século XX, em particular entre as décadas de 1930 e 60, quando essas organizações estavam no ápice de sua força, e a distribuição de renda apresentou níveis inauditos de baixa desigualdade.


6 - Por que ortodoxia? Baseia-se nos métodos empíricos do momento. A econometria encantou Bruce. Era a "revolução empírica". “A virada empírica foi uma das coisas que salvaram a economia de ser uma disciplina completamente ideológica”, avalia Naidu. E um dos protagonistas dessa reviravolta foi seu professor David Card.


7 - Aumento do salário mínimo em Nova jersey e estagnação do mesmo na Pensilvânia. O que aconteceu com o emprego nas lojas de fast food (mão-de-obra sem qualificação geralmente)? Ao observar os dados, Card e Krueger descobriram que, na prática, a teoria que quase todo mundo dava como certa não parecia funcionar tão bem: apesar do novo salário mínimo, a variação do nível de emprego em Nova Jersey tinha sido positiva, em comparação com a Pensilvânia. Em vez de demitir, algo que a maioria dos economistas apostaria que iria acontecer, as lanchonetes haviam contratado ainda mais gente.


8 - ...Com o avanço do método, a escolha da Pensilvânia como grupo de controle para o mercado de trabalho em Nova Jersey viria a ser questionada: embora vizinhos, os dois estados pareciam ter flutuações de emprego diferentes, mesmo sem maiores intervenções salariais. Nada disso impediu que o achado principal da pesquisa – o de que nem sempre um aumento no salário mínimo acarreta queda no nível de emprego – ganhasse força com o tempo. 


9 - Coloca que a virada empírica também tem a ver com maior poder dos computadores e TI e melhores bases de dados hoje em dia.


10 - David Card: "As pessoas que escrevem na revista The Economist, por exemplo, foram todas treinadas numa certa tradição de Oxford e Cambridge, seguindo um curso que conjuga economia, filosofia e ciência política. Elas quase não entendem de economia, do modo como eu vejo a disciplina. Quase sempre dão uma opinião muito convicta sobre os assuntos, partindo de ideias extremamente simples sobre o funcionamento da economia.”


11 - Pedro Forquesato: "Acho que a alíquota mais alta de imposto de renda, no Brasil, devia estar bem mais próxima dos 70% do que dos 27,5% atuais.”


12 - Ampla competição entre os empregadores e mobilidade perfeita no trabalho? Não existe. Se os trabalhadores pudessem de fato mudar com muita facilidade de empregador, aceitando ofertas de outros patrões quando se vissem insatisfeitos, seus salários teriam que ser, então, exatamente iguais aos ganhos que eles trariam para a empresa, ao serem contratados. É a questão da produtividade marginal. Num mercado altamente competitivo, e dispondo da informação de que outras empresas estão dispostas a lhes pagar um pouco mais, esses funcionários abandonariam o barco do proprietário sovina. No frigir dos ovos, todo mundo paga então a mesma coisa, para o mesmo tipo de trabalho.


13 - Como compatibilizar tal teoria da produtividade marginal dos salários e os novos estudos sobre salário mínimo: Há uma alternativa, mais razoável: a de que, antes do aumento determinado pelo estado de Nova Jersey, os funcionários que ganhavam o salário mínimo estivessem na verdade recebendo menos do que a sua produtividade marginal. Bom, mesmo nesse caso, a teoria falha. Se o mercado era competitivo, por que nenhuma empresa ofereceu um salário um pouquinho maior, atraindo toda a mão de obra que quisesse, e mesmo assim ainda tendo um lucro garantido?


14 - ...Isso só é possível se supusermos que o mercado de trabalho, de contratação de mão de obra, não era perfeitamente competitivoOu seja, as empresas tinham mais poder que os empregados: podiam definir os salários que iam pagar e muitas vezes pagavam menos do que os ganhos que os trabalhadores lhes proporcionavam. É curioso porque esse é o modelo intuitivo que quase todo mundo tem na cabeça: os proprietários das empresas têm poder; os trabalhadores, não. Mas os economistas, por muito tempo, achavam diferente. “A minha esposa sempre brinca: ‘Pô, mas isso é tão óbvio’”, observou Raphael Bruce. “Ela é cientista política. Para os cientistas políticos, sociólogos, antropólogos, essas coisas podem ser de fato óbvias. Que existe um conflito de interesses entre trabalhador e empregador, por exemplo.”


15 - ...Ou seja, essas empregadoras da região acabam tendo poder de mercado maior: Se determinada empresa é a única ou a principal contratante de determinada região, ela vai poder impor salários mais baixos do que os que seriam praticados sob concorrência perfeita – pela simples razão de que não haverá empresas concorrentes para onde os trabalhadores possam ir, se estiverem insatisfeitosQuanto menor a concorrência do lado de quem contrata, maior o poder do empregador de definir o salário – e de defini-lo num nível menor do que o trabalhador ganharia num ambiente de competição aberta. Há meio que um monopsônio, num caso extremo. 


16 - Há vários mecanismos em jogo: Há outras possibilidades que também aumentam o poder dos patrões: quem procura emprego não tem toda a informação sobre oferta de trabalho na sua área de atuação e tem pressa para estar empregado (mais pressa, pelo menos, do que a empresa tem para contratar); um trabalhador pode ter preferência por certa empresa e aceitar um salário mais baixo do que aceitaria outro possível funcionário, para o qual a companhia teria que fazer uma oferta maior se quisesse contratá-lo; ou a localização de uma empresa, mais próxima de certo grupo de trabalhadores, pode aumentar o seu poder de determinar salários, mesmo que tenha concorrentes. Ou, alternativamente, diferentes empresas de um mesmo setor podem fazer acordos (explícitos ou tácitos) para pagar menos do que a “produtividade marginal” dos seus funcionários.


17 - Forquesato lembra que a corrente central do pensamento econômico, sistematizada no início do século XX pelo economista inglês Alfred Marshall (1842-1924), de certa forma nasceu negando esse conflito distributivo. Segundo Marshall, não haveria conflito entre capital e trabalho. (Em alguns trechos, Marshall pareceu vislumbrar certo conflito, a meu ver, mas, em geral, era um teórico da conciliação mesmo). “O Marshall não cita o Marx, mas é óbvio que está reagindo às ideias dele”, disse Forquesato


18 - O foco do debate teórico por trás da Universidade de Chicago tinha como pressuposto modelos de concorrência perfeita”, observou Thales Zamberlan Pereira, professor de história do pensamento econômico na Fundação Getulio Vargas, em São Paulo, referindo-se ao ímpeto liberal dos anos 1970 e 80. “Para o pessoal sair desse ideal de concorrência perfeita, demorou muito. Essa é a contribuição dessa literatura dos anos 2000 para cá. Se a gente abandona o pressuposto da concorrência perfeita, aí começa a abrir a possibilidade de dinâmicas de poder. Alguém tem mais poder econômico do que outro. E isso tem um monte de implicações.”


19 - ...Há gente séria estudando os efeitos de medidas específicas de liberalização do comércio internacional, que dependendo do contexto podem ter impactos negativos de longo prazo sobre os trabalhadores de determinado país ou região. Também há pesquisas que mostram consequências deletérias da liberdade de movimento de capitais. Bruce sita a volta do prestígio moderado das políticas industriais. 


20 - Leonardo Monastério vê como perigo tais políticas, pois o Brasil dos anos 80 chegou ao cúmulo de proibir importar computador para que a indústria nacional produzisse. A indústria tinha que produzir todo produto, praticamente. Coloca-se contra Naidu, Rodrik e Zucman: Eles argumentam como se fosse possível fazer do Estado um agente isolado dos grupos de interesse, em busca do bem comum.


21 - Em seu livro O Capital no Século XXI, dedicado a uma história mais que centenária da desigualdade, o economista francês Thomas Piketty faz uma provocação. Afirma que, entre os grupos que mais se beneficiaram do crescimento da própria renda desde os anos 1970, nos Estados Unidos, estavam “os economistas que trabalham como professores universitários” – um ganho que contrastava com a quase estagnação dos salários da metade mais pobre dos norte-americanos e que contribuía para o aumento assustador da desigualdade naquele país. Esses professores, responsáveis por ditar os rumos da disciplina, são os mesmos, diz Piketty, “que tendem a acreditar que a economia americana funciona muito bem e, em particular, que ela remunera o talento e o mérito com justiça e precisão”.


22 - Coloca que mesmo nos economistas de esquerda, a atuação/luta dos trabalhadores aparece de forma meio nublada. Um artigo publicado em 2018 busca preencher essa lacuna. Assinado por Suresh Naidu e outros três pesquisadores – dois de Princeton e um terceiro da Universidade do Arizona –, Unions and Inequality Over the Twentieth Century (Sindicatos e desigualdade ao longo do século XX) mostra que as entidades trabalhistas tiveram um papel crucial nas inflexões da distribuição de renda naquelas décadas decisivas.


23 - ...Naidu e seus coautores mostram que à medida que os sindicatos passaram a incorporar uma fração cada vez maior dos trabalhadores, entre as décadas de 1930 e 60, a escolaridade média dos seus membros caía. No auge do poder sindical, os trabalhadores com renda mais baixa estavam mais bem representados. E isso fez toda a diferença para a desigualdade econômica.


24 - Gabriel Ulyssea e o período PT: O pesquisador lembra que dois terços da força de trabalho estavam no setor de serviços. E que o aumento dos salários, fazendo eco à crítica de Leonardo Monasterio, não havia sido de 15% ou 20%, mas muito maior. “São serviços de baixa qualidade, com pouca produtividade. Nesse caso, como é que a economia acomoda 100% de aumento real no salário mínimo? Será que tem tanto monopsônio assim no país? Será que a gente estava pagando todo mundo bem abaixo da produtividade marginal, a ponto de poder acomodar um aumento desses? É muita coisa. A conta não fecha.” (Não pode ser uma demanda pouco elástica - inelástica? - por trabalho? Empregadas domésticas etc...) (...) “Pode ser que o contrafactual fosse ainda mais emprego formal, a um salário menor.” (...) Mas trabalhos mais recentes, de certa forma uma segunda geração na linha inaugurada por David Card, estão, ele diz, “me fazendo pensar”.


25 - Essa economia mais diversa, inclusive do ponto de vista ideológico, é em parte resultado “do crescimento do número dos estudantes do Terceiro Mundo nos Estados Unidos, nas décadas de 90 e 2000”, avalia Pereira. “São pesquisadores que vão ter outras preocupações, suas perguntas vão ser diferentes. Qual a evidência empírica para isso? Bom, quem está estudando essas novas questões muitas vezes não é o homem branco da década de 70. O Suresh Naidu não é esse sujeito, a Ellora tampouco.” (...) Pereira quis dar também o exemplo inverso, do tipo de questão que não era feita por economistas de gerações anteriores, muito confiantes de suas próprias certezas. 


26 - Ellora Derenoncourt resolveu estudar outra questão intrigante envolvendo desigualdade: ...boa parte da queda aconteceu sobretudo entre o final dos anos 1960 e início dos anos 1970. A diferença salarial entre pessoas com cor da pele diferente caiu pela metade nesse curtíssimo espaço de tempo


27 - ...As implicações positivas do combate ao racismo levaram tempo para se manifestar. Logo, naquele curto espaço, a explicação era outra: A resposta estava no salário mínimo. Em 1966, o presidente Lyndon Johnson conseguiu aprovar uma lei que incluía diversos ramos da economia, antes desobrigados de pagar o valor estipulado pelo governo federal, nas regras nacionais de salário mínimo. Quando Derenoncourt e uma colega de Berkeley, Claire Montialoux, compararam a evolução dos salários nessas atividades ao de setores onde já se pagava o mínimo desde 1938, notaram que os aumentos de renda foram muito maiores no primeiro grupo do que no segundo.


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