Livro: Alan Greenspan - Capitalismo na América - Capítulo 11

                                                                                                         

Livro: Alan Greenspan - Capitalismo na América



Pgs. 388-409


"CAPÍTULO 11: "A GRANDE RECESSÃO"


375 - Consequências da falência e picaretagens da Enron: Em julho de 2002, George Bush assinou a reformulação mais ampla da governança corporativa desde os anos 1930, a Lei Sarbanes-Oxley, endurecendo as regras para auditorias e prestações de contas das corporações, além de, o mais importante, forçar as autoridades corporativas a assumirem mais responsabilidade pelos erros.


376 - Consequências econômicas do ataque de 11 de setembro: A economia sofreu uma grande contração. A inflação caiu para 1,1% — e ameaçava cair ainda mais.


377 - Foi a década da China. A participação da China nas exportações mundiais foi de apenas 1% em 1980 para 5% em 2002, e para 14% em 2015. A China ultrapassou México e Japão, tornando-se o maior fornecedor de importações baratas para os americanos.



378 - ...Os trabalhadores estadunidenses de baixa qualificação sofreram. Em particular, seguiu-se à decisão da América de estabelecer relações comerciais normais com a China em 2001, em pouco tempo, tanto um surto de importações da China quanto uma queda incomumente grande do emprego no setor manufatureiro.


379 - George W. Bush demolindo a herança fiscal bendita que recebeu. Ele justificou sua primeira rodada de cortes nos impostos com o argumento de que a economia estava gerando um excedente saudável e de que, se o governo não devolvesse esse excedente ao povo, estaria cometendo um abuso. (...) Depois do 11 de Setembro, Bush justificou uma segunda rodada de cortes nos impostos afirmando que a América precisava de um incentivo fiscal para que a economia voltasse a avançar. E depois vieram os gastos absurdos com as guerras. 


380 - Greenspan também critica Bush pelo aumento dos gastos sociais "a la Lyndon Jonhson", comparou. A decisão mais infeliz do governo Bush veio em 2003, quando ele expandiu a cobertura do Medicare para remédios controlados, a ampliação mais cara da história do programa. Ela não só carecia de fundos, como foi disponibilizada para todos os aposentados, não importava qual fosse a sua renda. O Congresso juntou-se alegremente ao esbanjamento: o número total de “reservas” (gastos reservados por membros do Congresso para seus projetos preferidos) aumentou de 3.023 em 1996 para quase 16 mil em 2005, à medida que os políticos competiam desesperadamente para comprar votos com o dinheiro público. No mais, afirma que Bush facilitou a compra de casas por pessoas de baixa renda.


381 - Lehman Brothers era o quarto maior banco de investimentos dos EUA. Abriu falência em 15 de setembro de 2008. A crise foi devastadora. Em dias, os mercados de financiamento, que forneciam um crédito vital tanto para as companhias financeiras quanto para as de outros setores, praticamente pararam, desencadeando uma severa espiral de contração econômica global. Um sistema de regulamentação financeira desenvolvido com todo cuidado e incansavelmente ajustado ao longo de várias décadas simplesmente falhou.


382 - A crise financeira vinha se formando muito antes do colapso do Lehman. Em agosto de 2007, o BNP Paribas, banco francês, bloqueou os saques dos seus fundos lastreados em hipotecas de alto risco (subprime). Em setembro de 2007, ingleses fizeram filas para sacar seu dinheiro do Northern Rock, um banco de Newcastle, na primeira corrida aos bancos desde o colapso do Overend, Gurney and Company em 1866. O pânico mesmo só veio, porém, com a queda do Lehman. No fechamento das negociações de 15 de setembro, o Dow Jones Industrial Average caíra 504 pontos (4,4%), as ações do AIG, uma companhia de seguros de um trilhão de dólares com operações em 130 países, haviam caído mais de 50%, e as ações dos dois bancos de investimentos restantes da América, o Morgan Stanley e o Goldman Sachs, haviam perdido um oitavo do seu valor.


383 - ...Milhões de proprietários perderam suas casas ou ficaram “afundados” (com dívidas hipotecárias maiores do que os valores de suas casas), com 1,7 milhão de execuções em 2008 e 2,1 milhões em 2009, e, à medida que a lista de vítimas se expandia de pessoas com hipotecas de alto risco (subprime) e taxas de juros iniciais extremamente atrativas para pessoas com hipotecas normais, a confiança do consumidor desabou. (...) No último trimestre de 2008, o PIB real teve uma contração à taxa anualizada de 8,2%.


384 - No final do ano, os fundos acionários globais haviam sofrido uma desvalorização de mais de 35 trilhões de dólares, e os proprietários de casas haviam perdido um adicional de 7 trilhões de dólares em patrimônio líquido. Acrescentem-se as entidades corporativas de todos os tipos (sem registro em bolsa e não societárias), e os fundos acionários globais haviam perdido cerca de 50 trilhões de dólares — ou algo próximo de 4/5 do PIB global de 2008. Muito ativo tóxico e alto grau de alavancagem eram os grandes problemas daquele contexto.


385 - Parênteses: coloca que a Índia praticava, antes dos anos noventa, o "socialismo fabiano". Essa interpretação, pra mim, é nova.


386 - Por que as taxas de juros globais caíram na década de 00? Segundo Greenspan, as taxas de poupança nas nações emergentes dispararam de 23% do PIB nominal em 1999 para 33% em 2007, superando de longe a taxa de investimentos. Ao mesmo tempo, os investimentos em outros lugares do mundo demoraram para compensar esse fenômeno. O resultado do desequilíbrio com o excesso de poupança foi uma queda pronunciada nas taxas de juros de longo prazo globais, tanto nominais quanto reais, de 2000 a 2005, e, ao mesmo tempo, de uma convergência global das taxas de juros. A queda de juros e da inflação levou a uma grande alta dos preços dos ativos, incluindo os imobiliários.


387 - Boom imobiliário e securitização: As firmas que originavam as hipotecas cada vez mais evitavam ficar com elas por muito tempo. Em vez disso, vendiam-nas a especialistas, que as reuniam e vendiam os novos títulos a investidores. As principais securitizadoras eram a Countrywide Financial, maior emprestador hipotecário da América, e o Lehman Brothers.


388 - Crise de 2008 e subversão da securitização: ...no início dos anos 2000, a securitização encorajava o risco em vez de reduzi-lo: como quem originava as hipotecas não esperava mantê-las por muito tempo, também não se esforçava muito para avaliar aqueles a quem emprestava. (...) O subprime era apenas 7% em 2000. ...O mercado começou a decolar, graças à combinação entre inovação financeira e pressão política. O número de pessoas que recebiam ofertas de hipotecas subprime cresceu rapidamente, mesmo enquanto a avaliação do crédito dessas pessoas tornava-se falha: em 2004, mais de um terço das hipotecas subprime eram oferecidas sem uma análise responsável da situação financeira do tomador do empréstimo.


389 - ...Instituições financeiras passaram a acelerar a seleção e o agrupamento de hipotecas subprimes em títulos. As firmas não tinham dificuldade para encontrar compradores. A demanda por obrigações de dívidas colateralizadas (CDOs; collateralized debt obligations) lastreadas em hipotecas subprime era particularmente alta na Europa, graças a rendimentos atrativos e uma queda nas taxas de execução no final dos anos 1990.


390 - Ao mesmo tempo, o Departamento de Habitação e Desenvolvimento Humano pressionava Fannie Mae e Freddie Mac a promoverem o aumento do número de americanos mais pobres com casa própria. Fannie Mae e Freddie Mae eram dois animais peculiares, “empresas patrocinadas pelo governo” (...). Sem categorização específica, elas às vezes atuavam como empresas privadas normais (sem dúvida, pagavam a seus executivos como empresas privadas), mas também contavam tanto com o apoio implícito do governo (que lhes permitia tomar empréstimos a taxas baixíssimas de juros) quanto com relações íntimas com políticos. Sua capacidade de empacotar empréstimos hipotecários em títulos lastreados em hipotecas e vendê-los para investidores, tudo com o apoio implícito do governo americano, atraiu poupanças estrangeiras para o mercado imobiliário americano. Estavam investindo em subprime e vendendo títulos a rodo, inclusive para agradar o governo.


391 - E quando secaram os tomadores de empréstimos "normais/habituais"? Com o intuito de manter o mercado funcionando, as securitizadoras estimularam os originadores das hipotecas subprime a oferecerem hipotecas com taxas ajustáveis (ARMs, do inglês adjustable-rate mortgages) com pagamentos mensais inicialmente mais baixos, amplamente conhecidas como “teaser rates” (taxas tentadoras). Com os padrões para a aprovação de empréstimos caindo rapidamente, no segundo trimestre de 2007 as ARMs apresentaram um crescimento vertiginoso, atingindo quase 62% do valor total das originações iniciais de hipotecas subprime. Alguns tomadores não conseguiam fazer sequer o primeiro pagamento da hipoteca. Quase todas as novas hipotecas subprime estavam sendo securitizadas, enquanto em 2000 eram menos da metade.


392 - ...As securitizadoras, protegidas pelas classificações de crédito (absurdamente infladas), encontraram um mercado global que parecia ilimitado para seus produtos, de bancos islandeses a fundos soberanos da Ásia e do Oriente Médio. O valor contábil dos títulos lastreados em hipotecas subprime superou os 800 bilhões de dólares, quase sete vezes o que valiam no final de 2001. Fannie e Freddie pioraram ainda mais as coisas, encobrindo o tamanho do problema do subprime por meio de uma contabilidade defeituosa.


393 - Mudanças organizacionais em Wall Street também encorajaram o comportamento arriscado. Bancos de investimento assumiam diariamente níveis extraordinários de alavancagem — chegando a vinte, trinta vezes o capital tangível —, pois os altos gerentes deparavam com o que viam como vantagens imensas e desvantagens limitadas. Esses bancos já haviam sido sociedades em que os sócios eram conjunta e severamente responsabilizados por uma falência. Assim, assumiam dívidas muito limitadas. Mas uma determinação da Bolsa de Valores de Nova York em 1970, que permitiu que corretores negociantes constituíssem sociedades anônimas e obtivessem capital permanente, ajudou a criar uma tendência para a alavancagem. Nos anos 1980 e 1990, todos os grandes bancos de investimentos se transformaram de sociedades em companhias de capital aberto. Sem dúvida, os altos gerentes do Bear Stearns e do Lehman Brothers perderam centenas de milhões de dólares com a queda de suas ações. Mas essas perdas não se estendiam ao seu patrimônio pessoal: ninguém era forçado a declarar falência pessoal, e a maioria tinha dinheiro suficiente para continuar vivendo como rei.


394 - Coloca que os derivativos também foram ficando mais complexos, exigindo praticamente um PHd em matemática pra entender. Agora, as instituições financeiras podiam assumir imensos riscos com o dinheiro de outras pessoas, sem que aqueles que supostamente as administravam entendessem o que estava acontecendo.


395 - A euforia tomou conta em meados dos anos 00: ...instituições financeiras ignoravam sinais de alerta, pois temiam estar recuando rápido demais, e com isso perdendo participação no mercado para instituições menos avessas ao riscoSeus temores foram expressos em uma observação de Charles Prince, presidente e CEO do Citigroup, em 2007, pouco antes do início da crise: “Quando a música acabar, em termos de liquidez, as coisas vão ficar complicadas. Mas enquanto a música estiver tocando, você precisa se levantar e dançar. Ainda estamos dançando.”


396 - ...Por que os formuladores de políticas não desligaram a música e interromperam o baile? Uma razão foi que a sucessão recente de “falências” tivera um impacto relativamente leve na economia real. A explosão da bolha do pontocom produziu a recessão mais leve desde a Segunda Guerra Mundial, quase sem nenhum impacto no PIB global. A recessão de 1990-91 foi a segunda mais superficial. Mesmo a crise financeira de 1987 e a da Rússia em 1998 não tiveram grandes impactos de longo prazo. Aparentemente, o sistema havia achado uma fórmula, digamos.


397 - Coloca que o período da "grande moderação" trouxe, também, complacência com a alta alavancagem. Parecia funcionar bem. 


398 - Em muitas firmas de investimento quantitativo, que processavam em larga escala dados numéricos para expor princípios lucrativos de negociação no mercado, o sucesso dependia de um movimento incremental da aversão ao risco (o que acontecia na maior parte do tempo). O paradigma da gestão de risco, não obstante, continha uma falha fatal. No estado de euforia elevada, os responsáveis pela gestão do risco e os reguladores não compreenderam a magnitude do poder da cauda negativa de riscos que foi revelada após o colapso do Lehman. (...) Desesperados diante da complexidade dessas técnicas matemáticas, os gerentes de investimentos terceirizaram grande parte da sua tarefa para o “porto-seguro” das agências de classificação de crédito. Lembra que também as autoridades regulatórias falharam em identificar o perigo: A Corporação Federal de Seguro de Depósito observara ainda no verão de 2006 que “mais de 99% de todas as instituições asseguradas atenderam ou superaram os requisitos dos mais elevados padrões regulatórios de capital”.


399 - Sobre as baixas taxas de juros, Greenspan se defende. Afirma que apesar de haver essa correlação inversa histórica, os ciclos imobiliários dependem de muitos outros fatores. ...Pode-se dizer que o boom imobiliário da América começou em 1998, bem antes do corte nas taxas pelo Federal Reserve em 2001. Em segundo, o boom imobiliário foi um problema global: a Grã-Bretanha teve grandes aumentos nos preços dos imóveis por volta da mesma época que os Estados Unidos, apesar de ter uma política monetária muito mais restritiva. (...) A política de manter as taxas de juros baixas teve início praticamente seis anos antes da crise financeira, promovida por temores de que a América pudesse estar no caminho de uma deflação no estilo japonês. (Admitimos que isso era improvável, mas, se acontecesse, teria tido danos extensos para a economia.)


400 - Ademais, Greenspan lembra que existia excesso de poupança global, então mesmo se o FED pressionasse os juros pra cima com a única taxa que ele controla (a básica), os juros de longo prazo poderiam continuar mais ou menos a trajetória baixista, afirma. 


401 - ...Esses críticos estão certos ao argumentar que uma taxa baixa dos fundos federais (de apenas 1% entre a metade de 2003 e a metade de 2004) reduziu as taxas de juros para as ARMs. Mas as criações de ARMs alcançaram o auge dois anos antes do pico nos preços dos imóveis. É óbvio que a demanda do mercado não precisava do financiamento imobiliário pela emissão de ARMs para elevar os preços dos imóveis durante os últimos dois anos da expansão da bolha.


402 - Enfrentando a crise: Além dos juros no chão e resgate à AIG e Bear Stearns, o Fed e o Tesouro compraram ações em instituições ameaçadas, assim as mantendo solventes. Essas ações não davam poder de voto, evitando a aparência de que o governo estivesse assumindo o controle do sistema bancário, mas eram ações preferenciais. Por fim, cita os QE's e testes de estresse. O Fed embarcou em uma política experimental de forçar a redução das taxas de juros de longo prazo, empregando, por exemplo, uma compra em grande escala de títulos lastreados em hipotecas.


403 - Economia real sofreu: De 2010 a 2017, a produtividade medida pela produção por hora das empresas cresceu mero 0,66% ao ano, isso comparado à média anual de quase 2,5% ao ano entre 1948 e 2010. Crises financeiras sérias geralmente são sucedidas por longos períodos de crescimento lento. Dessa vez, o excessivo endividamento das famílias era particularmente pesado, e o processo de redução desse endividamento foi particularmente doloroso e longo. Em 2011, as construtoras só iniciaram a construção de 6 mil casas próprias, enquanto em 2005 haviam sido mais de 2 milhões.


404 - A tendência à estagnação vem de longe. O período bom é que pode ter sido a exceção. A taxa do crescimento do PIB real teve média de 1,8% de 2000 a 2009, enquanto de 1990 a 1999 a média foi de 3,2%. A renda média anual cresceu anêmicos 2% entre 1990 e 2010. A recuperação pós-crise dos Estados Unidos fora lenta e irregular em parte porque os problemas de competitividade do país haviam se originado muito antes do colapso do Lehman.



405 - Nos últimos cinco anos, a produção por hora trabalhada aumentou menos de 1% ao ano em quase dois terços das economias desenvolvidas, com uma taxa média (com uma média aritmética simples) de cerca de 1% ao ano. O aumento da produção por hora trabalhada nos Estados Unidos foi de 0,91% anuais, enquanto no Japão foi de 0,62%, na Alemanha, de 0,84%, e na Grã-Bretanha, de 0,8%.


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