Livro: Celso Furtado - Formação Econômica do Brasil (2003) - Capítulos 35 e 36
Livro: Celso Furtado - Formação Econômica do Brasil (2003)
Pgs. 281-292
"CAPÍTULO 35: "OS DOIS LADOS DO PROCESSO INFLACIONÁRIO"
245 - Atribuir à inflação um aumento de capitalização da magnitude do que teve lugar no Brasil entre 1948 e 1952 é uma simplificação grosseira do problema que em nada contribui para esclarecê-lo. A experiência de outros países latino-americanos, onde se tem lançado mão amplamente da inflação, demonstra que esse processo não é capaz, por si só, de aumentar a capitalização de forma persistente e efetiva.
246 - ...Dito isso, de toda forma, a inflação conjugada à estabilidade cambial teve seu papel também: ...Se os preços tivessem sido estabilizados a partir de 1947, o custo dos equipamentos importados sempre teria sido relativamente baixo no Brasil, pois o equilíbrio entre procura e oferta de divisas estaria sendo obtido à custa de controles diretos. Ora, ao elevarem-se os preços internos, aquele custo relativo dos equipamentos tendeu a baixar ainda mais.
247 - ...Não esquecer, porém, que "para que a inflação pudesse desempenhar um papel positivo, no sentido de intensificar as inversões e o crescimento da economia, foi necessário que houvesse algo a redistribuir, cuja origem independia dela".
248 - Revisando: Assinalamos, em capítulo anterior, a tendência histórica da economia brasileira para elevar o seu nível de preços, tendência essa que refletia o processo pelo qual o setor exportador transferia para o conjunto da coletividade as suas perdas nas baixas cíclicas ou nas etapas de superprodução. Indicamos, ademais, como esse mecanismo tendente a fazer subir permanentemente o nível dos preços dificultava o funcionamento do sistema do padrão-ouro.
249 - Inflação é "guerra", digamos: Observando o processo de outro ângulo, pode-se dizer que a elevação do nível de preços é a forma como o sistema reage contra uma redistribuição que já existe virtualmente quando tem lugar o desequilíbrio. Aqui ele parece tangenciar a questão da ultraindexação: ...Pode-se conceber uma situação na qual todos os grupos sociais desenvolvam mecanismos de defesa, destinados a dificultar ou mesmo a impossibilitar a redistribuição da renda real, exigida pela introdução de um desequilíbrio no sistema. Uma tal situação, se levada ao extremo, poderá dar lugar a uma espécie de inflação neutra, isto é, uma inflação sem efeitos reais. Porém, não é um "equilíbrio distributivo imediato permanente", digamos. Na inflação que chamamos de neutra, os efeitos reais existem, se bem que não sejam perceptíveis para um observador que analisa o processo econômico comparando períodos de tempo de certa magnitude. (...) Em qualquer dia ou mês do ano existe um grupo que está na frente, na luta pela redistribuição da renda. Esse grupo seria o beneficiário da estabilização do nível de preços.
250 - Isto aqui é real (e deixa até interessante como a URV não precisou passar anos pra organizar tudo): Mesmo que fosse possível estabelecer o padrão médio de distribuição da renda no período de um ano, e que se pretendesse estabilizar os preços tomando como base esse padrão — vale dizer, introduzindo uma série de reajustamentos de preços e salários —, dificilmente se lograria contentar a todos os grupos. O padrão médio de distribuição da renda no período de um ano terá que ser totalmente diverso se se começa a contar esse ano no mês de janeiro ou no de junho, e ninguém poderá assegurar em que mês terá começado a elevação dos preços.
251 - O aumento de renda real trazido pela significativa alta nos preços do café: ...Existindo, como existia em 1949, um sistema de controle de importações, o incremento de poder de compra no exterior não poderá ser utilizado para expandir a curto prazo a oferta de bens de consumo. Cria-se, destarte, uma procura monetária excedente. A melhora na relação de intercâmbio, se bem que dê origem a um aumento de renda real, por uma questão de ajustamento no tempo, introduz no sistema um desequilíbrio de natureza monetária. Inflação volta a sair do controle.
252 - ...E não é somente isso. O incremento da renda disponível para consumo pressiona sobre a oferta, relativamente inelástica, de manufaturas, e cria um clima de antecipações extremamente favorável no setor industrial. Este recorre ao sistema bancário em busca de recursos para expandir suas atividades. O sistema bancário, cuja liquidez se havia elevado com a expansão da renda no setor exportador, cria os meios de pagamento necessários para que a indústria e o comércio expandam suas atividades.
253 - Não houve política restritiva no fim do governo Dutra: ...Poder-se-ia esperar que os efeitos inflacionários do descompasso entre o aumento da renda monetária do setor exportador e o incremento das importações fossem amortecidos pelas autoridades monetárias, as quais poderiam evitar que o sistema bancário, cuja liquidez estava aumentando, expandisse o crédito.
254 - Volta a abordar o aumento real da renda dos exportadores pelo período excepcional dos termos de troca: Uma vez manifestada a insuficiência da oferta, surgiu o excedente da renda monetária como fenômeno autônomo.
255 - Fazer política monetária restritiva é o governo se metendo na briga pela redistribuição, logo, não é tarefa fácil: Negando credito para impedir a elevação do nível de preços, as autoridades monetárias estariam assegurando a redistribuição da renda em benefício do setor agrícola exportador.
256 - A forma como a agricultura se adapta a essa economia de mercado duplo é em parte responsável pela instabilidade crônica da economia brasileira. Ao manifestar-se uma alta nos preços de exportação, os fatores tendem a desviar-se do setor interno para o externo. Coloca que as novas inversões para o café levavam de três a cinco anos para maturarem. Enquanto se mantiver elevado relativamente o nível dos preços de exportação, haverá tendência à transferência de fatores para o setor externo.
257 - ...O contrário ocorre na queda dos preços do café (e afins). Ou seja, a economia brasileira estava muito sujeito a desequilíbrios. O controle da inflação não poderia ser algo tão central como queriam alguns. Existe, assim, no setor primário da economia brasileira, um mecanismo de ampliação dos desequilíbrios provenientes do exterior. Essa observação põe mais uma vez em evidência as enormes dificuldades com que depara uma economia como a brasileira para lograr um mínimo de estabilidade no seu nível geral de preços. Pretender alcançar essa estabilidade, sem ter em conta a natureza e as dimensões do problema, pode ser totalmente contraproducente do ponto de vista do crescimento da economia. E numa economia de grandes potencialidades e de baixo grau de desenvolvimento, a última coisa a sacrificar deve ser o ritmo de seu crescimento.
Pgs. 293-305
"CAPÍTULO 36: "PERSPECTIVA DOS PRÓXIMOS DECÊNIOS"
258 - Brasil antes da industrialização estava muitíssimo sujeito aos ciclos do comércio exterior, passando por períodos de involução, inclusive, com crescimento do setor de subsistência. Numa segunda etapa do desenvolvimento, reduz-se progressivamente o papel do comércio exterior como fator determinante do nível da renda mas, concomitantemente, aumenta sua importância como elemento estratégico no processo de formação de capital.
259 - Traz várias estatísticas sobre crescimento, mas já tenho muitos números anotados, a respeito, de outros textos e livros. Certamente melhores/mais precisos.
260 - Ele já estava imaginando os PND II da vida: ...Em outras palavras, as indústrias de bens de capital — particularmente as de equipamentos — terão de crescer com intensidade muito maior do que o conjunto do setor industrial. Essa nova modificação estrutural, que já se anuncia claramente nos anos cinquenta, tornará possível evitar que os efeitos das flutuações da capacidade para importar se concentrem no processo de capitalização.
261 - O Rio Grande do Sul praticamente não conheceu economia escravista e na formação de sua população o contingente português foi menor que nas demais regiões do país, até fins do século XIX. Tal região foi a primeira a beneficiar-se da expansão do mercado interno induzida pelo desenvolvimento cafeeiro.
262 - Curiosamente... Foi no Nordeste que se instalaram, após a reforma tarifária de 1844, as primeiras manufaturas têxteis modernas e ainda em 1910 o número de operários têxteis dessa região se assemelhava ao de São Paulo. Entretanto, superada a primeira etapa de ensaios, o processo de industrialização tendeu naturalmente a concentrar-se numa região.
263 - ...O censo de 1920 já indica que 29,1 por cento dos operários industriais estavam concentrados no estado de São Paulo. Em 1940 essa porcentagem havia subido para 34,9, e em 1950 para 38,6. A participação do Nordeste (incluída a Bahia) se reduz de 27,0 por cento em 1920 para 17,7 em 1940 e 17,0 em 1950. Se se considera, não o número de operários mas a força motriz instalada (motores secundários), a participação do Nordeste diminui, entre 1940 e 1950, de 15,9 para 12,9 por cento195. Os dados da renda nacional parecem indicar que esse processo de concentração se intensificou no pós-guerra. Com efeito, a participação de São Paulo no produto industrial passou de 39,6 para 45,3 por cento, entre 1948 e 1955. Durante o mesmo período a participação do Nordeste (incluída a Bahia) desceu de 163 para 9,6 por cento.
264 - A renda per capita na região paulista era (...) 4,7 vezes mais alta que a da região nordestina.
265 - Mecanismo de autoperpetuação das desigualdades regionais envolve migração de mão-de-obra para os centros mais desenvolvidos (mantendo-se, assim, o salário "lá" sob controle graças à oferta abundante de trabalhadores) e o fato de que a concentração das inversões traz economias externas, as quais, por seu lado, contribuem ainda mais para aumentar a rentabilidade relativa dos capitais invertidos na região de mais alta produtividade.
266 - Origens do atraso nordestino segundo Furtado: A articulação com a região sul, através de cartelização da economia açucareira, prolongou a vida do velho sistema cuja decadência se iniciou no século XVII, pois contribuiu para preservar as velhas estruturas monoprodutoras. (...) O sistema de monocultura é, por natureza, antagônico a todo processo de industrialização. Mesmo que, em casos especiais, constitua uma forma racional (do ponto de vista econômico) de utilização dos recursos da terra, a monocultura só é compatível com um alto nível de renda per capita quando a densidade demográfica é relativamente baixa.
267 - ...Com efeito, nas regiões densamente povoadas uma elevada densidade de capital por homem — condição básica para o aumento de produtividade — só se consegue com a industrialização. Ora, a industrialização vem sempre acompanhada de rápida urbanização, que só pode se efetivar se o setor agrícola responde com uma oferta adequada de alimentos. Se a totalidade das boas terras agrícolas está concentrada em um sistema ancilosado de monocultura, a maior procura de alimentos terá de ser atendida com importações. No caso do Nordeste, a maior procura urbana tende a ser satisfeita com alimentos importados da região sul, o que contribui para agravar a disparidade entre salário nominal e produtividade em prejuízo da região mais pobre.
268 - E é isso. Foi um livro que gostei de ler.
FIM!
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