Livro: Celso Furtado - Formação Econômica do Brasil (2003) - Capítulos 21 a 23

                                         

Livro: Celso Furtado - Formação Econômica do Brasil (2003)



Pgs. 159-166


"CAPÍTULO 21: "O PROBLEMA DA MÃO DE OBRA"


137 - Brasil importava mais escravos que os EUA, mas lá também não era pouco. Nos EUA, entre 1800 e 1860 se importaram cerca de 320 mil escravos, sendo que, desses, uns 270 mil foram contrabandeados depois da abolição do tráfico em 1808. O máximo das importações decenais (75 mil) foi alcançado no período imediatamente anterior à guerra civil. (Dados relativos aos EUA citados por L. C. Gray, History of Agriculture in the Southern United States to 1860. Washington, 1933, tomo I, p. 650.).


138 - ...Ambos os países começaram o século XIX com um estoque de aproximadamente 1 milhão de escravos. As importações brasileiras, no correr do século, foram cerca de três vezes maiores do que as norte-americanas. (...) Sem embargo, ao iniciar-se a Guerra de Secessão, os EUA tinham uma forca de trabalho escrava de cerca 4 milhões e o Brasil na mesma época algo como 1,5 milhão. A explicação desse fenômeno está na elevada taxa de crescimento vegetativo da população escrava norte-americana, grande parte da qual vivia em propriedades relativamente pequenas, nos estados do chamado Old South. As condições de alimentação e de trabalho nesses estados deveriam ser relativamente favoráveis


139 - ...Os historiadores do sul dos EUA negam sempre que se haja desenvolvido nos chamados "estados vendedores" uma indústria de procriação de escravos. Evidentemente é esse um assunto delicado, no qual nem sempre seria fácil definir o sentido real das "boas intenções". Com efeito, o criador eficiente de escravos seria sempre aquele que conseguisse tornar-lhes a vida mais "feliz". (...) De todas as formas, em nenhum estado se concedeu estabilidade legal à família de escravos: os filhos podiam ser separados dos pais e a mulher do marido, para serem vendidos cada um em direção diversa. (...) Os escravos nascidos no país apresentavam evidentemente inúmeras vantagens, pois estavam culturalmente integrados nas comunidades de trabalho que eram as plantações, haviam sido melhor alimentados, já tinham o conhecimento da língua, etc.


140 - Economia do café: As decadentes regiões algodoeiras - particularmente o Maranhão — sofreram forte drenagem de braços para o sul. A região açucareira, mais bem capitalizada, defendeu-se melhor.


141 - Brasil e a economia (agricultura e pecuária, basicamente) de subsistência: ...A "roça" era e é a base da economia de subsistência. Entretanto, não se limita a viver de sua roça o homem da economia de subsistência. Ele está ligado a um grupo econômico maior, quase sempre pecuário, cujo chefe é o proprietário da terra onde tem a sua roça. Dentro desse grupo desempenha funções de vários tipos, de natureza econômica ou não, e recebe uma pequena remuneração que lhe permite cobrir gastos monetários mínimos. No âmbito da roça o sistema é exclusivamente de subsistência; no âmbito da unidade maior é misto, variando a importância da faixa monetária de região para região, e de ano para ano numa região. As técnicas eram rudimentares, coloca. 


142 - ...E quanto ao senhor de terras? A este interessava basicamente que o maior número de pessoas vivessem em suas terras, cabendo a cada um tratar de sua própria subsistência. Dessa forma o senhor das terras, no momento oportuno, poderia dispor da mão de obra de que necessitasse. Demais, dadas as condições que prevaleciam nessas regiões, o prestígio de cada um dependia da quantidade de homens que pudesse utilizar a qualquer momento e para qualquer fim. (realmente lembra um pouco o feudalismo e suas relações de fidelidade e tal... Daí toda confusão teórica inicial, creio...)


143 - ...Esses trabalhadores não poderiam substituir a mão-de-obra escrava? Furtado coloca que não. ...a economia de subsistência de maneira geral estava de tal forma dispersa que o recrutamento de mão de obra dentro da mesma seria tarefa bastante difícil e exigiria grande mobilização de recursosNa realidade, um tal recrutamento só seria praticável se contasse com a decidida cooperação da classe de grandes proprietários da terra. A experiência demonstrou, entretanto, que essa cooperação dificilmente podia ser conseguida, pois era todo um estilo de vida, de organização social e de estruturação do poder político o que entrava em jogo.


144 - Curiosidade: Mauá chegou a pensar na importação da "semisservidão" de asiáticos como solução par ao problema da mão-de-obra, inspirado na experiência das Índias Ocidentais inglesas e holandesas.



Pgs. 167-174


"CAPÍTULO 22: "O PROBLEMA DA MÃO DE OBRA"


145 - Eu não sabia: As dificuldades que encontraram os ingleses para solucionar o problema da falta de braços, em suas plantações da região do Caribe, são bem conhecidas. É sabido, por exemplo, que grande parte dos africanos apreendidos nos navios que traficavam para o Brasil eram reexportados para as Antilhas como trabalhadores livres. Measdos do século XIX, coloca um rodapé.


146 - Por que a integração da economia estadunidense era atrativa aos imigrantes (eles não imigravam pensando em trabalhar nas granes plantações)? O fundamental era que os colonos contavam com um mercado em expansão para vender os seus produtos, expansão que era em grande parte um reflexo do desenvolvimento das plantações do sul, à base de trabalho escravo.


147 - ...No Brasil ocorria tudo bem diferente: As colônias criadas em distintas partes do Brasil pelo governo imperial careciam totalmente de fundamento econômico; tinham como razão de ser a crença na superioridade inata do trabalhador europeu, particularmente daqueles cuja "raça" era distinta da dos europeus que haviam colonizado o país. Era essa uma colonização amplamente subsidiada. Pagavam-se transporte e gastos de instalação e promoviam-se obras públicas artificiais para dar trabalho aos colonos, obras que se prolongavam algumas vezes de forma absurda. E, quase sempre, quando, após os vultosos gastos, se deixava a colônia entregue a suas próprias forças, ela tendia a definhar, involuindo em simples economia de subsistência. Caso ilustrativo é o da colonização alemã do Rio Grande do SulCaso ilustrativo é o da colonização alemã do Rio Grande do Sul. O governo imperial instalou aí a primeira colônia em 1824, em" São Leopoldo, e, depois da guerra civil, o governo da província realizou ~ fortes inversões para retomar e intensificar a imigração dessa origem. Contudo, a vida econômica das colônias era extremamente precária, pois, não havendo mercado para os excedentes de produção, o setor monetário logo se atrofiava, o sistema de divisão do trabalho involuía e a colônia regredia a um sistema econômico rudimentar de subsistência. Viajantes europeus que passavam por essas regiões se surpreendiam com a forma primitiva de vida dos colonos e atribuíam os seus males às leis inadequadas do país ou a outras razões dessa ordem. A consequência prática de tudo isso foi, entretanto, que se formou na Europa um movimento de opinião contra a emigração para o império escravista da América e já em 1859 se proibia a emigração alemã para o Brasil.


148 - ...Por essas e outras que Furtado iniciou o capítulo com a opinião de "Irineu Evangelista": ...essas colônias que, nas palavras de Mauá, "pesavam com a mão de ferro" sobre as finanças do país vegetavam raquíticas sem contribuir em coisa alguma para alterar os termos do problema da inadequada oferta de mão de obra.


149 - Em 1852 um grande plantador de café, o senador Vergueiro, se decidiu a contratar diretamente trabalhadores na Europa. Conseguindo do governo o financiamento do transporte, transferiu oitenta famílias de camponeses alemães para a sua fazenda em Limeira. A iniciativa despertou interesse e mais de 2 mil pessoas foram transferidas, principalmente de Estados alemães e da Suíça, até 1857. A ideia do senador Vergueiro era uma simples adaptação do sistema pelo qual se organizara a emigração inglesa para os EUA na época colonial: o imigrante vendia o seu trabalho futuro. Nas colônias inglesas, o financiamento corria por conta do empresário. No caso brasileiro, o governo cobria a parte principal desse financiamento, que era o preço da passagem da família. É fácil compreender que esse sistema degeneraria rapidamente numa forma de servidão temporária, a qual nem sequer tinha um limite de tempo fixado, como ocorria nas colônias inglesas. Na Alemanha, efetivou-se a denúncia desse sistema como um tipo de escravização disfarçada de alemães.


150 - O termo "colonos": Por assimilação com os imigrantes que, por iniciativa do governo imperial, haviam chegado para formar colônias de povoamento, passou-se a chamar colono a todo imigrante que vinha para os trabalhos agrícolas, se bem que na quase totalidade dos casos fossem meros trabalhadores assalariados.


151 - Com o tempo, a coisa foi ficando menos draconiana, digamos assim. O regime inicialmente adotado era o de parceria, no qual a renda do colono era sempre incerta, cabendo-lhe a metade do risco que corria o grande senhor de terras. A perda de uma colheita podia acarretar a miséria para o colono, dada sua precária situação financeira. A partir dos anos sessenta introduziu-se um sistema misto pelo qual o colono tinha garantida parte principal de sua renda. Sua tarefa básica consistia em cuidar de um certo número de pés de café, e por essa tarefa recebia um salário monetário anual. Esse salário era completado por outro variável, pago no momento da colheita em função do volume desta.


152 - ...Restava o problema dos transportes: A solução veio em 1870, quando o governo imperial passou a encarregar-se dos gastos do transporte dos imigrantes que deveriam servir à lavoura cafeeira. Demais, ao fazendeiro cabia cobrir os gastos do imigrante durante o seu primeiro ano de atividade, isto é, na etapa de maturação de seu trabalho. Também devia colocar à sua disposição terras em que pudesse cultivar os gêneros de primeira necessidade para manutenção da família. Aí a coisa engrenou, digamos.


153 - No lado da oferta, o Sul da Itália vivia crise com a unificação e havia excedente populacional agrícola. Os empreendimentos do sul não conseguiam concorrer com os do Norte. Estavam, portanto, lançadas as bases para a formação da grande corrente imigratória que tornaria possível a expansão da produção cafeeira no Estado de São Paulo. O número de imigrantes europeus que entram nesse estado sobe de 13 mil, nos anos 70, para 184 mil no decênio seguinte e 609 mil no último decênio do século. O total para o último quartel do século XIX foi 803 mil, sendo 577 mil provenientes da Itália. 


Pgs. 175-182


"CAPÍTULO 23: "O PROBLEMA DA MÃO DE OBRA"


154 - Após a desagregação do sistema econômico jesuíta, predominou no Norte a subsistência. Em pequena zona do Pará se desenvolveu uma agricultura de exportação que seguiu de perto a evolução da maranhense, com a qual estivera integrada comercialmente através dos negócios da companhia de comércio criada na época de Pombal. O algodão e o arroz aí também tiveram sua etapa de prosperidade, durante as guerras napoleônicas, sem contudo jamais alcançar cifras de significação para o conjunto do paísA base da economia da bacia amazônica eram sempre as mesmas especiarias extraídas da floresta que haviam tornado possível a penetração jesuítica na extensa região. Desses produtos extrativos o cacau continuava a ser o mais importante. A forma como era produzido, entretanto, não permitia que o produto alcançasse maior significação econômica.


155 - O meio pro fim do século XIX marcou a escalada do preço da borracha que, ao que entendi, alcançou seu pico por volta de 1909-11. Era a era dos veículos terrestres chegando. (Nos anos quarenta do século XX teria inicio a terceira etapa da economia da borracha com a substituição progressiva do produto natural pelo sintético). (...) Com efeito, ao introduzir-se a borracha oriental de modo regular no mercado, depois da Primeira Guerra Mundial, os preços do produto se reduziram de forma permanente a um nível algo inferior a cem libras por tonelada.


156 - ...Faltava inclusive mão-de-obra para a produção brasileira acompanhar o ritmo. Ainda assim... as exportações de borracha extrativa brasileira subiram da média de 6 mil toneladas nos anos setenta, para 11 mil nos oitenta, 21 mil nos noventa e 35 mil no primeiro decênio deste século. (o vinte). Esse aumento da produção deveu-se exclusivamente ao influxo de mão de obra, pois os métodos de produção em nada se modificaram. Furtado estima um fluxo migratório de 250 mil pessoas no período.


157 - ...Ou seja, talvez houvesse uma "solução interna" ainda que parcial. Aparentemente, a imigração europeia para a região cafeeira deixou disponível excedente de população nordestina para a expansão da produção da borracha.


158 - A sorte da "subsistência" sulistas em relação à nordestina: As colônias europeias localizadas no Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina encontraram-se em situação particularmente favorável desse ponto de vista. A qualidade e a abundância de suas terras proporcionaram-lhe um suprimento mais que adequado de alimentos, mesmo em um nível baixo de técnica agrícola. (...) Essa massa de população das regiões de colônias e o excedente virtual de produção de alimentos que nestas havia constituirão fatores básicos do rápido desenvolvimento da região sul do país em etapas subsequentes, quando a expansão do mercado interno, ao impulso do desenvolvimento cafeeiro, criar os estímulos que anteriormente não existiam.


159 - Nordeste e a grande seca do Ceará: Nos anos sessenta, quando ocorre a grande elevação de preços provocada pela guerra civil nos EUA, a produção de algodão se intensifica e certas regiões, como o Ceará, conhecem pela primeira vez uma etapa de prosperidade. Essas ondas de prosperidade iam contribuindo, entretanto, para criar um desequilíbrio estrutural na economia de subsistência, à qual sempre revertia a população nas etapas subsequentes. Esse problema estrutural assumira extrema gravidade por ocasião da prolongada seca de 1877-80, durante a qual desapareceu quase todo o rebanho da região e pereceram de cem a 200 mil pessoas. O movimento de ajuda às populações vitimadas logo foi habilmente orientado no sentido de promover sua emigração para outras regiões do país, particularmente a região amazônica.


160 - O nordestino migrou ao Norte acreditando na propaganda dos estados amazônicos e que o alto preço da borracha era pra sempre, digamos. Se se comparam os dois grandes movimentos de população ocorridos no Brasil, em fins do século XIX e começo do XX, surgem alguns contrastes particularmente notórios. O imigrante europeu, exigente e ajudado por seu governo, chegava à plantação de café com todos os gastos pagos, residência garantida, gastos de manutenção assegurados até a colheita. Ao final do ano estava buscando outra fazenda em que lhe oferecessem qualquer vantagem. Dispunha sempre de terra para plantar o essencial ao alimento de sua família, o que o defendia contra a especulação dos comerciantes na parte mais importante de seus gastos. A situação do nordestino na Amazônia era bem diversa: começava sempre a trabalhar endividado, pois via de regra obrigavam-no a reembolsar os gastos com a totalidade ou parte da viagem, com os instrumentos de trabalho e outras despesas de instalação. Para alimentar-se dependia do suprimento que, em regime de estrito monopólio, realizava o mesmo empresário com o qual estava endividado e que lhe comprava o produto. As grandes distâncias e a precariedade de sua situação financeira reduziam-no a um regime de servidão. Entre as longas caminhadas na floresta e a solidão das cabanas rudimentares onde habitava, esgotava-se sua vida, num isolamento que talvez nenhum outro sistema econômico haja imposto ao homem. Demais, os perigos da floresta e a insalubridade do meio encurtavam sua vida de trabalho. Triste fim.



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