Livro: Celso Furtado - Formação Econômica do Brasil (2003) - Capítulos 18 a 20

                                        

Livro: Celso Furtado - Formação Econômica do Brasil (2003)



Pgs. 139-146


"CAPÍTULO 18: "CONFRONTO COM O DESENVOLVIMENTO DOS EUA"


114 - Furtado deixa claro que não concorda que a Inglaterra tenha impedido a industrialização brasileira. Mesmo na ausência dos privilégios, isso não fazia parte do projeto das classes dominantes. Não seria usado um "protecionismo" pra isso. (Enfim, respeito, mas vejo um pouco de "...e se..." nessas conjecturas. Não dá pra saber tão bem como se desenrolariam as coisa).


115 - Coloca que, ademais, houve grande desvalorização da moeda em razão das lacunas no balanço de pagamentos (muito produto importado pra pouca exportação) e nem assim tivemos processos de industrialização.


116 - Furtado crê que a importância do protecionismo para a história estadunidense é supervalorizado na visão de autores como Roberto Simonsen. O protecionismo surgiu nos EUA, como sistema geral de política econômica, em etapa já bem avançada do século XIX, quando as bases de sua economia já se haviam consolidado. (...) Vários ajustamentos permitiram que a tarifa para tecidos de algodão alcançasse 17,5%, em 1808, época em que a indústria têxtil norte-americana já se podia considerar consolidada. Antes era até menor, afirma. 


117 - ...Qual seria, então, a diferença fundamental? ...nos EUA uma classe de pequenos agricultores é um grupo de grandes comerciantes urbanos dominava o país. Compara, a título de ilustração, Alexander Hamilton e Visconde de Cairu: Ambos são discípulos de Adam Smith, cujas ideias absorveram diretamente e na mesma época na Inglaterra. Sem embargo, enquanto Hamilton se transforma em paladino da industrialização, mal compreendida pela classe de pequenos agricultores norte-americanos, advoga e promove uma decidida ação estatal de caráter positivo — estímulos diretos às indústrias e não apenas medidas passivas de caráter protecionista —, Cairu crê supersticiosamente na mão invisível e repete: deixai fazer, deixai passar, deixai vender. (Um dos pontos fundamentais de Furtado parece ser o de que magnitude da tarifa não é algo tão decisivo quanto alguns pensam)


118 - EUA coloniais: As linhas gerais da política inglesa passaram a ser as seguintes: fomentar nas colônias do norte aquelas indústrias que não competissem com as da Metrópole, permitindo a esta reduzir suas importações de outros países; não permitir que a produção manufatureira das mesmas nos demais setores concorresse com as indústrias da Metrópole em outros mercados coloniais. As medidas coercitivas começam a surgir quando as colônias do norte chegam a concorrer com a Metrópole nas exportações de manufaturas. (...) Já em 1655 Massachusetts passou uma lei obrigando todas as famílias a produzir os tecidos de que necessitassem. (...) Por fim, já antes da independência as três quartas partes do comércio norte-americano se realizavam em seus próprios barcos


119 - ...A guerra de independência, cortando por vários anos todo suprimento de manufaturas inglesas, criou um forte estímulo à produção interna, que já dispunha de base para expandir-se. Logo em seguida teve início a etapa de grandes transtornos políticos na Europa, os quais criaram estímulos extraordinários para o desenvolvimento da economia norte-americana. Durante muitos anos os EUA foram a única potência neutra que dispunha de uma grande frota mercante. Com as dificuldades de abastecimento europeu, as Antilhas inglesas e francesas voltam-se para o mercado norte-americano de alimentos. Para que se tenha ideia dessa prosperidade, basta ter em conta que de 1789 a 1810 a frota mercante norte-americana cresceu de 202 mil para 1.425.000 toneladas, e que todos esses barcos eram construídos no país


120 - EUA também deram a "sorte" de serem grandes produtores da principal matéria-prima da Revolução Industrial, o algodão. Com efeito, entre 1780 e a metade do século XIX, o consumo anual de algodão pelas fábricas inglesas aumentou de 2-mil toneladas para cerca de 250 mil. A enorme escala permitiu que os EUA produzissem a custos bem menores, o que barateava o produto final (tecido), possibilitando expansão da demanda. Enfim, um ciclo virtuoso, digamos.


121 - Ainda a "economia do algodão": ...E foi principalmente como reflexo desse sistema, em expansão no sul, que se povoou o meio-oeste norte-americano, abrindo-se espaço para as grandes correntes de colonização europeia, as quais penetravam no centro do continente subindo os grandes rios que as ligavam com os mercados do sul.


122 - Por fim, escreve sobre os EUA e a influência de Hamilton: Na primeira metade do século XIX a ação do Estado é fundamental no desenvolvimento norte-americano. É somente na segunda metade do século — quando cresce amplamente a influência dos grandes negócios — que alcança prevalecer a ideologia da não-intromissão do Estado na esfera econômica. (Não explica muito, porém)



Pgs. 147-150


"CAPÍTULO 19: "DECLÍNIO A LONGO PRAZO DO NÍVEL DE RENDA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX"


123 - Os ingleses dificultavam exportação de máquinas para indústrias têxteis de outros países. A mecanização da indústria têxtil norte-americana fez-se principalmente com máquinas fabricadas no próprio país, o que foi possível graças à cooperação de operários especializados ingleses que emigraram escapando ao controle das autoridades britânicas. A possibilidade de alcançar grandes lucros, numa economia cujo mercado se expandia rapidamente, induzia a correr os riscos.


124 - Durante a primeira metade do Século XIX, as exportações brasileiras, mesmo com o impulso do café, cresceram abaixo até do crescimento demográfico! Péssimo desempenho. Excluído o café, o valor das exportações de 1850 é inferior ao que provavelmente foi no começo do século. À exceção do fumo, os preços de todos os produtos exportados foram caindo e, mesmo aumentando bastante a quantidade produzida, não houve como compensar.


125 - E os termos de troca? Pelo menos o preço das importações caíram bastante também? Não. No que respeita a importações, o índice de preços das exportações da Inglaterra constitui uma boa indicação. Esse índice, entre os dois decênios referidos, manteve-se perfeitamente estável


126 - Os dados referidos no parágrafo anterior constituem uma indicação bastante clara de que a renda real per capita declinou sensivelmente na primeira metade do século XIX. Para que se mantivesse o nível dessa renda, reduzindo-se a importância relativa do setor exportador, seria necessário que se operassem modificações que evidentemente não ocorreram. (...) Não existe ... nenhuma indicação de que a urbanização do país se haja acelerado nesse período. (...) Admitimos que a população em 1850 seria de 7 milhões, inclusive 2 milhões de escravos, os quais não se tem em conta no cômputo da renda per capita. (...) Também é provável que a renda per capita por essa época haja sido mais baixa do que em qualquer período da colônia, se se consideram em conjunto as várias regiões do país.



Pgs. 151-158


"CAPÍTULO 20: "GESTAÇÃO DA ECONOMIA CAFEEIRA"


127 - Brasil entre segunda metade do Século XVIII e primeira do XIX: Ao rápido crescimento demográfico de base migratória dos três primeiros quartéis do século XVIII sucedera um crescimento vegetativo relativamente lento no período subsequente.


128 - Furtado coloca que o crédito internacional não fluía, como necessário ao impulso econômico, pra cá justamente pela estagnação econômica e dificuldades fiscais de um estado que não tinha como arrecadar. E não por más relações diplomáticas ou algo do tipo. 


129 - O açúcar "já era". O açúcar de beterraba, cuja produção se desenvolvera no continente europeu na etapa das guerras napoleônicas, enraizara-se em interesses criados dentro de tradicionais mercados importadores. O mercado inglês continuava a ser abastecido pelas colônias antilhanas. Nos EUA, que constituíam o mercado importador em mais rápida expansão, se desenvolvia amplamente a produção da Louisiana, comprada dos franceses em 1803. Ademais, Cuba entrou pesado no jogo, exportando para os EUA.


130 - Algodão? Pior ainda. EUA dominavam total e baixavam o preço com sua grande escala, tornando o negócio por aqui pouco rentável. Será necessário que a Guerra de Secessão exclua temporariamente o algodão norte-americano do mercado mundial para que a economia desse artigo conheça no século XIX nova etapa de prosperidade no Brasil. 


131 - O problema brasileiro consistia em encontrar produtos de exportação em cuja produção entrasse como fator básico a terra. Com efeito, a terra era o único fator de produção abundante no país. Capitais praticamente não existiam e a mão de obra era basicamente constituída por um estoque de pouco mais de dois milhões de escravos, parte substancial dos quais permaneciam imobilizados na indústria açucareira ou prestando serviços domésticos.


132 - ...O café, se bem que fora introduzido no Brasil desde começo do século XVIII e se cultivasse por todas as partes para fins de consumo local, assume importância comercial no fim desse século, quando ocorre a alta de preços causada pela desorganização do grande produtor que era a colônia francesa do Haiti. No primeiro decênio da independência o café já contribuía com 18 por cento do valor das exportações do Brasil, colocando-se em terceiro lugar depois do açúcar e do algodão. E nos dois decênios seguintes já passa para primeiro lugar, representando mais de 40 por cento do valor das exportações.


133 - ...Ao transformar-se o café em produto de exportação, o desenvolvimento de sua produção se concentrou na região montanhosa próxima da capital do país. Nas proximidades dessa região, existia relativa abundância de mão de obra, em consequência da desagregação da economia mineira. Por outro lado, a proximidade do porto permitia solucionar o problema do transporte lançando mão do veículo que existia em abundância: a mula. Dessa forma, a primeira fase da expansão cafeeira se realiza com base num aproveitamento de recursos preexistentes e subutilizados.


134 - Vantagens em relação à economia açucareira: Se bem que seu capital também esteja imobilizado — o cafezal é uma cultura permanente —, suas necessidades monetárias de reposição são muito menores, pois o equipamento é mais simples e quase sempre de fabricação local


135 - No terceiro quartel do século os preços do café se recuperam amplamente, enquanto os do açúcar permanecem deprimidos, criando-se uma forte pressão no sentido da transferência de mão de obra do norte para o sul do país.


136 - Se se compara o processo de formação das classes dirigentes nas economias açucareira e cafeeira percebem-se facilmente algumas diferenças fundamentais. Na época de formação da classe dirigente açucareira, as atividades comerciais eram monopólio de grupos situados em Portugal ou na Holanda. As fases produtiva e comercial estavam rigorosamente isoladas, carecendo os homens que dirigiam a produção de qualquer perspectiva de conjunto da economia açucareira. As decisões fundamentais eram todas tomadas partindo da fase comercial. Assim isolados, os homens que dirigiam a produção não puderam desenvolver uma consciência clara de seus próprios interesses. Com o tempo, foram perdendo sua verdadeira função econômica, e as tarefas diretivas passaram a constituir simples rotina executada por feitores e outros empregados. Compreende-se, portanto, que os antigos empresários hajam involuído numa classe de rentistas ociosos, fechados num pequeno ambiente rural, cuja expressão final será o patriarca bonachão que tanto espaço ocupa nos ensaios dos sociólogos nordestinos do século XX. A separação de Portugal não trouxe modificações fundamentais, permanecendo a etapa produtiva isolada e dirigida por homens de espírito puramente ruralista. Explica-se, assim, a facilidade com que os interesses ingleses vieram a dominar tão completamente as atividades comerciais do Nordeste açucareiro. Debilitados os grupos portugueses, criou-se um vazio que foi fácil preencher. No "café", foi tudo diferente (ao contrário).


.


Comentários