Livro: Celso Furtado - Formação Econômica do Brasil (2003) - Capítulo 7
Livro: Celso Furtado - Formação Econômica do Brasil (2003)
Pgs. 57-64
"CAPÍTULO 7: "ENCERRAMENTO DA ETAPA COLONIAL"
35 - Contexto após 1640: Ao recuperar a independência, Portugal encontrou-se em posição extremamente débil, pois a ameaça da Espanha — que por mais de um quarto de século não reconheceu essa independência — pesava permanentemente sobre o território metropolitano. Por outro lado, o pequeno reino, perdido o comércio oriental e desorganizado o mercado do açúcar, não dispunha de meios para defender o que lhe sobrara das colônias numa época de crescente atividade imperialista. A neutralidade em face das grandes potências era impraticável. Portugal compreendeu, assim, que para sobreviver como metrópole colonial deveria ligar o seu destino a uma grande potência, o que significaria necessariamente alienar parte de sua soberania. Os acordos concluídos com a Inglaterra em 1642-54-61 estruturaram essa aliança que marcará profundamente a vida política e econômica de Portugal e do Brasil durante os dois séculos seguintes. A ideia era que a Inglaterra ajudasse a dar segurança aos transportes marítimos, ao que entendi. Holanda e Espanha eram possíveis agressores.
36 - ...Um rodapé interessante complementa: Ao recuperar Portugal a independência em 1640, o governo lusitano empenhou-se em chegar a um acordo com a Holanda, então principal inimiga da Espanha nos mares. As múltiplas ofertas — inclusive a divisão do Brasil — foram entretanto rejeitadas pelos holandeses, demasiadamente confiantes em seu excepcional poder marítimo e ao mesmo tempo falhos de uma orientação política geral em razão de suas profundas dissensões internas.
37 - Os tratados eram ótimos para a Inglaterra. Portugal virava um "vassalo comercial". Os privilégios conseguidos pelos comerciantes ingleses em Portugal foram de tal ordem — incluíam extensa jurisdição extraterritorial, liberdade de comércio com as colônias, controle sobre as tarifas que as mercadorias importadas da Inglaterra deveriam pagar — que os mesmos passaram a constituir um poderoso e influente grupo com ascendência crescente sobre o governo português. (...) O espírito dos vários tratados firmados entre os dois países, nos primeiros dois decênios que se seguiram à independência, era sempre o mesmo: Portugal fazia concessões econômicas e a Inglaterra pagava com promessas ou garantias políticas. (...) O acordo de 1661 incluía finalmente uma cláusula secreta pela qual os ingleses prometiam defender as colônias portuguesas contra quaisquer inimigos.
38 - Resumo do que está por vir: Conforme veremos em detalhe em capítulos subsequentes, o acordo comercial, celebrado com a Inglaterra em 1703, desempenhou papel básico no curso tomado pelos acontecimentos. Esse acordo significou para Portugal renunciar a todo desenvolvimento manufatureiro e implicou transferir para a Inglaterra o impulso dinâmico criado pela produção aurífera no Brasil. Graças a esse acordo, entretanto, Portugal conservou uma sólida posição política numa etapa que resultou ser fundamental para a consolidação definitiva do território de sua colônia americana. O mesmo agente inglês que negociou o acordo comercial de 1703 (John Methuen) também tratou das condições da entrada de Portugal na guerra que lhe valeria uma sólida posição na conferência de Utrecht. Aí conseguiu o governo lusitano que a França renunciasse a quaisquer reclamações sobre a foz do Amazonas e a quaisquer direitos de navegação nesse rio. Igualmente nessa conferência Portugal conseguiu da Espanha o reconhecimento de seus direitos sobre a Colônia do Sacramento. Ambos os acordos receberam a garantia direta da Inglaterra e vieram a constituir fundamentos da estabilidade territorial da América portuguesa. O ouro brasileiro acaba virando depósito bancário na Inglaterra, que ia se tornando o maior centro financeiro da Europa.
39 - Ao Brasil o ouro permitiu financiar uma grande expansão demográfica, que trouxe alterações fundamentais à estrutura de sua população, na qual os escravos passaram a constituir minoria e o elemento de origem europeia, maioria. (...) A Portugal, entretanto, a economia do ouro proporcionou apenas uma aparência de riqueza, repetindo o pequeno reino a experiência da Espanha no século anterior. (...) Em suas memórias, o Marquês de Pombal afirma categoricamente que a Inglaterra havia reduzido Portugal a uma situação de dependência, conquistando o reino sem os inconvenientes de uma conquista militar: que todos os movimentos do governo eram regulados de acordo com os desejos da Inglaterra. (...) Na verdade, essas relações constituíam uma ordem superior de coisas sem a qual não seria fácil explicar a sobrevivência do pequeno reino como Metrópole de um dos mais ricos impérios coloniais da época.
40 - Fim do Século XVIII: O tratado de Methuen, que criava uma situação de privilégio para os vinhos portugueses no mercado inglês, é fortemente criticado do ponto de vista dos novos ideais liberais. A França queria entrar no mercado do vinho e Inglaterra deu um jeito de enrolar matematicamente o privilégio português. O contexto já era outro. Minguara o mercado da economia luso-brasileira com a decadência da mineração e já não se justificava manter um privilégio que constituía um empecilho à ampla penetração no principal mercado da Europa continental que era a França.
41 - Contexto das guerras napoleônicas tornou necessária ainda maior "vassalagem", pois a família real temia ser alijada do poder político, "pagando qualquer coisa" para que isso não acontecesse. O Tratado de Comércio e Navegação firmado em 1810, se bem pretende instituir "systema Liberal de Commercio fundado sobre as Bazes de Reciprocidade”, cria na verdade uma série de privilégios para a Inglaterra. A tarifa para as importações procedentes desse país passara a ser 15% ad valorem, contra 24% para os demais países e 16% para Portugal. Os erros de tradução do inglês para o português são de monta a demonstrar claramente que a iniciativa esteve totalmente com os ingleses e que os portugueses firmaram o acordo sem saber exatamente o que estavam fazendo. O brasileiro Hypolito José Soares da Costa, que na época editava em Londres o Correio Brasiliense, pôs em evidência vários desses erros.
42 - A "Independência" e a Inglaterra: ...Se se interpretasse a independência do Brasil como um ato de agressão a Portugal, a Inglaterra estava obrigada a vir em socorro de seu aliado agredido. As démarches feitas em Londres nesse sentido pelo governo lusitano foram infrutíferas, pois, para os ingleses, restabelecer o entreposto português seria obviamente mau negócio. O que importava era garantir junto ao novo governo brasileiro a continuidade dos privilégios conseguidos sobre a colônia. Assim, de uma posição excepcionalmente forte, pôde o governo inglês negociar o reconhecimento da independência da América portuguesa. Pelo tratado de 1827, o governo brasileiro reconheceu à Inglaterra a situação de potência privilegiada, autolimitando sua própria soberania no campo econômico. (O tratado foi firmado pelo Imperador, independentemente de quaisquer consultas às Câmaras.)
43 - A dependência em relação aos ingleses durou todo o Primeiro Reinado e maioria do período regencial. À medida que o café aumenta sua importância dentro da economia brasileira, ampliam-se as relações econômicas com os EUA. Já na primeira metade do século esse país passa a ser o principal mercado importador do Brasil. Essa ligação e a ideologia nascente de solidariedade continental contribuem para firmar o sentido de independência vis-à-vis da Inglaterra. Assim, quando expira em 1842 o acordo com este último país, o Brasil consegue resistir à forte pressão do governo inglês para firmar outro documento do mesmo estilo. (Foi até 1844, por questões de interpretação).
44 - Eliminado o obstáculo do tratado de 1827, estava aberto o caminho para a elevação da tarifa e o consequente aumento do poder financeiro do governo central, cuja autoridade se consolida definitivamente nessa etapa. (A receita do governo central se manteve estacionária em todo o período compreendido entre 1829-30 e 1842-43, e duplicou no decênio seguinte.)
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