Livro: Celso Furtado - Formação Econômica do Brasil (2003) - Capítulos 4 a 6

                                    

Livro: Celso Furtado - Formação Econômica do Brasil (2003)



Pgs. 37-40


"CAPÍTULO 4: "DESARTICULAÇÃO DO SISTEMA"


17 - Com a União Ibérica, "Portugal" tem que passar a ver os holandeses como "inimigos" e o sistema cooperativo anterior fica inviabilizado. A guerra passa a ser também pelo controle do açúcar. Pior: Durante sua permanência no Brasil, os holandeses adquiriram o conhecimento de todos os aspectos técnicos e organizacionais da indústria açucareira. Esses conhecimentos vão constituir a base para a implantação e desenvolvimento de uma indústria concorrente, de grande escala, na região do Caribe. A partir desse momento, estaria perdido o monopólio, que nos três quartos de século anteriores se assentara na identidade de interesse entre os produtores portugueses e os grupos financeiros holandeses que controlavam o comércio europeu. No terceiro quartel do século XVII os preços do açúcar estarão reduzidos à metade e persistirão nesse nível relativamente baixo durante todo o século seguinte.


18 - Tudo indica que a renda real gerada pela produção açucareira estava reduzida a um quarto do que havia sido em sua melhor época. A depreciação, com respeito ao ouro, da moeda portuguesa, observada nessa época, é praticamente das mesmas proporções, o que indica claramente a enorme importância para a balança de pagamentos de Portugal que tinha o açúcar brasileiro.



Pgs. 41-46


"CAPÍTULO 5: "AS COLÔNIAS DE POVOAMENTO DO HEMISFÉRIO NORTE"


19 - Decadência espanhola: Franceses e ingleses se empenham, assim, no começo do século XVII, em concentrar nas Antilhas importantes núcleos de população europeia, na expectativa de um assalto em larga escala aos ricos domínios da grande potência enferma desse século. Colonos eram recrutados, inclusive mediante propaganda e engodo, para ocuparem as antilhas dos países. Criminosos também eram enviados. A cada um se atribuía um pedaço de terra limitado que deveria ser pago com o fruto de seu trabalho futuro.


20 - Nos três quartos de século que antecederam ao Toleration Act de 1689 a intolerância política e religiosa deu origem a importantes deslocamentos de população dentro das ilhas e para o exterior. (Rodapé cita várias regiões dos EUA como exemplo). A perseguição religiosa ajudava a viabilizar mão-de-obra europeia mais barata que antes para os empreendimentos de colonização. Organizam-se importantes companhias com o objetivo de financiar o translado desses grupos de população, as quais conseguem amplos privilégios econômicos sobre as colônias que chegassem a fundar. Somente em casos excepcionais e com objetivos militares explicitamente declarados — como ocorreu na Geórgia já em pleno século XVIII — o governo inglês tomará a seu cargo o financiamento do translado da população colonizadora.


21 - ...Os cercamentos também tiveram seu papel nisso tudo. Ao contrário do que ocorrera com a Espanha e Portugal, que se haviam visto afligidos por uma permanente escassez de mão de obra quando iniciaram a ocupação da América, a Inglaterra do século XVII apresentava um considerável excedente da população, graças às profundas modificações de sua agricultura iniciadas no século anterior. Os "expulsos" dos campos viravam potenciais colonos. Furtado coloca que tudo indica que recebiam tratamento igual ou pior ao dado aos negros escravizados. (Parece exagero, mas vai saber...)


22 - ...Coloca que os primeiros empreendimentos especialmente na América do Norte foram, ainda assim, fontes de prejuízos. A companhia que primeiro empreendeu a colonização da Virgínia não chegou a pagar um centavo de remuneração aos acionistas e encerrou suas contas com mais de cem mil libras de prejuízo. Quando a França perdeu o Canadá, digamos, houve quem considerasse que o país estava se livrando de um fardo. 


23 - ...Razões econômicas desse fracasso? Faltava o "açucar do norte": Não foi possível encontrar nenhum produto, adaptável à região, que alimentasse uma corrente de exportação para a Europa capaz de remunerar os capitais invertidos. Com efeito, o que se podia produzir na Nova Inglaterra era exatamente aquilo que se produzia na Europa, onde os salários estavam determinados por um nível de subsistência extremamente baixo na época. Demais, o custo do transporte era de tal forma elevado, relativamente ao custo de produção dos artigos primários, que uma diferença mesmo substancial nos salários reais teria sido de escassa significação.


24 - Nas Antilhas inglesas (Barbados, por exemplo), a coisa ia melhor. As condições climáticas das Antilhas permitiam a produção de um certo número de artigos — como o algodão, o anil, o café e principalmente o fumo — com promissoras perspectivas nos mercados da Europa. A produção desses artigos era compatível com o regime da pequena propriedade agrícola e permitia que as companhias colonizadoras realizassem lucros substanciais ao mesmo tempo que os governos das potências expansionistas — França e Inglaterra — viam crescer as suas milícias. Na Inglaterra, tentava-se convencer os criminosos a aceitarem a vida na América em vez de cumprirem pena. Nem isso fornecia mão-de-obra suficiente às empreitadas, pois, por vezes, recorria-se a raptos de crianças e adultos, coloca.




Pgs. 47-56


"CAPÍTULO 6: "CONSEQUÊNCIAS DA PENETRAÇÃO DO AÇÚCAR NAS ANTILHAS"


25 - Concorrência se acirrando: A consequente baixa dos preços ocorrida nos mercados internacionais cria sérias dificuldades às populações antilhanas e vem demonstrar a fragilidade de todo o sistema de colonização ensaiado naquelas regiões tropicais. As Antilhas meio que precisavam imitar o Brasil. A ideia original de colonização dessas regiões tropicais, à base de pequena propriedade, excluía per se toda cogitação em torno à produção de açúcar. Entre os produtos tropicais, mais que qualquer outro, este era incompatível com o sistema da pequena propriedade. (...) Nesta primeira fase da colonização agrícola não-portuguesa das terras americanas, aparentemente se dava por assentado que ao Brasil cabia o monopólio da produção açucareira. Às colônias antilhanas ficavam reservados os demais produtos tropicais. A razão de ser dessa divisão de tarefas derivava dos próprios objetivos políticos da colonização antilhana, onde franceses e ingleses pretendiam reunir fortes núcleos de população europeia. Sem embargo, esses objetivos políticos tiveram de ser abandonados sob a forte pressão de fatores econômicos.


26 - A expulsão dos holandeses do Brasil acelerou a guinada nas Antilhas (as quais, por sinal, estavam melhor posicionadas geograficamente que o Brasil) pela opção do latifúndio. A população de origem europeia decresceu rapidamente, tanto nas Antilhas francesas como nas inglesas, enquanto crescia verticalmente o número de escravos africanos


27 - Até a América do Norte se modificou com toda essa dinâmica. A penetração do açúcar nas ilhas caribenhas expeliu uma parte substancial da população branca nelas estabelecida, boa parte da qual foi instalar-se nas colônias do norte. Tratava-se, em grande parte, de pequenos proprietários que se viram na contingência de alienar suas terras e que se transferiram com algum capital. Por outro lado, o açúcar desorganizou e, em algumas partes, eliminou a produção agrícola de subsistência. As ilhas se transformaram, em pouco tempo, em grandes importadoras de alimentos, e as colônias setentrionais, que havia pouco não sabiam que fazer com seu excedente de produção de trigo, se constituíram em principal fonte de abastecimento das prósperas colônias açucareiras.


28 - ...E mais: ...Não dispondo de força hidráulica para mover os engenhos, as ilhas dependiam principalmente de animais de tiro como fonte de energia. Tampouco dispunham de madeira para fabricar as caixas em que se exportava o açúcar. Do norte vinham uma e outra coisa. Esse importante comércio se efetuava principalmente em navios dos colo nos da Nova Inglaterra, o que veio fomentar a indústria de construção naval nessa região. (...) Essa separação, ao tornar possível o desenvolvimento de uma economia agrícola não-especializada na exportação de produtos tropicais, marca o início de uma nova etapa na ocupação econômica das terras americanas.


29 - Acasos que ajudaram a América do Norte: ...Demais, a famosa legislação protecionista naval que no último quartel desse século excluiu os holandeses do comércio das colônias constitui outro forte aliciante não só para as exportações da Nova Inglaterra como também para sua indústria de construção de barcos. Por último, o prolongado período de guerras que a Inglaterra manteve com a França tornou precário o abastecimento das Antilhas com gêneros europeus, criando para os colonos do norte a situação favorável de abastecedores regulares das ilhas inglesas e ocasionais das francesas


30 - A ideia de adquirir um pequeno lote de terra era o grande chamariz pra imigração. Estima-se que pelo menos a metade da população europeia que emigrou para os EUA antes de 1700 estava constituída de pessoas que haviam aceitado um ou outro regime de servidão temporária. O produto por habitante possivelmente não superava, segundo Furtado, o das colônias açucareiras, mas havia menos desigualdade e autossuficiência, digamos assim. (...) Demais, a parte dessa renda que revertia em benefício de capitais forâneos era insignificante. Em consequência, o padrão médio de consumo era elevado, relativamente ao nível da produção per capita.


31 - A principal vantagem que esse sistema apresentava para o pequeno proprietário estava em que a imobilização de capital era muito menor que a exigida pela compra do escravo, sendo também menor o risco em caso de morte.


32 - EUA: A transição para o escravo africano (mais barato) só se realizou ali onde foi possível especializar a agricultura num artigo exportável em grande escala.


33 - Ao contrário do que ocorria nas colônias de grandes plantações, em que parte substancial dos gastos de consumo estava concentrada numa reduzida classe de proprietários e se satisfazia com importações, nas colônias do norte dos EUA. Os gastos de consumo se distribuíam pelo conjunto da população, sendo relativamente grande o mercado dos objetos de uso comum.


34 - Ao contrário das outras colônias, havia mais motivos para tensões políticas com os exploradores: As colônias setentrionais, ao contrário, eram dirigidas por grupos ligados, uns a interesses comerciais centralizados em Boston e Nova York — os quais frequentemente entravam em conflito com os interesses metropolitanos —, e outros representativos de populações agrícolas praticamente sem qualquer afinidade de interesses com a Metrópole. Era tudo mais propício à formação de uma classe política local independente, digamos assim. Não se tratava "apenas de refletir as ocorrências do centro econômico dominante."


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