Livro: Fábio Giambiagi - Brasil, Raizes Do Atraso - Capítulos 6 a 9

                                

Livro: Fábio Giambiagi - Brasil, Raizes Do Atraso - Paternalismo Versus Produtividade (2007)



Pgs. 89-103


"CAPÍTULO 6: "Os equívocos sobre o modelo argentino"


32 - Argentina e moratória segundo Giambiagi: Se a Argentina teve um excelente desempenho depois de 2002 não foi apenas pelas políticas implementadas desde então, mas também pela intensidade das perdas que os credores sofreram com a moratória e que diminuiu de maneira drástica as relações dívida externa/PIB e dívida pública/PIB. Moratória que, por sinal, antecedeu os Kirchner. Tornou-se inevitável.


33 - Coloca que o "calote" no Brasil prejudicaria a classe média e que possivelmente o STF daria ganho de causa aos credores. A dívida é interna. 


34 - Coloca que a Argentina de Kirchner tinha superávit fiscal nominal (creio que a moratória tenha ajudado muito nesse aspecto), algo que eu não sabia. Servia como contrapartida da inundação de reservas inclusive.


35 - Outra diferença entre Brasil de Lula e Argentina de Kirchner eram as "retenciones" (taxação na exportação): ...Um dólar alto ajuda a Balança Comercial, mas serve também aos propósitos fiscais, vinculação essa que não existiria no Brasil. A não ser, é claro, que o agronegócio aceitasse ser taxado pelas suas exportações, por exemplo, mas nesse ponto entra o elemento político ao qual fizemos alusão antes e nesse sentido, realisticamente, sabemos que uma medida desse gênero não tem a menor possibilidade de ser aprovada pelo Parlamento brasileiro


36 - A tradição de "economias em dólar" deles também ajudou no ciclo positivo pós-desvalorização do peso. Um casal de classe média que juntou US$ 50 mil ou US$ 100 mil em dólares ao longo de anos — situação bastante comum na Argentina — não o fez para deixar as notas mofando em um cofre de banco sem render nada ou para, como se diz popularmente, serem aplicadas no “Colchão Bank”. Essa família vai querer transformar esse poder de compra em bens — seja um carro, um imóvel ou mesmo uma nova TV. Ainda mais quando, em poucos meses, o poder aquisitivo desses recursos mais do que dobrou, como ocorreu na Argentina em meio à crise. O fato é que esse mecanismo é uma das razões do boom argentino dos últimos anos, o que dificilmente teria ocorrido no Brasil com a mesma intensidade em virtude de a poupança em dólares aqui não ter a mesma importância na vida das famílias.


37 - Por fim, o contexto lá era totalmente diferente, possibilitando a aplicação do binômio dólar alto/juro baixo: ...A Argentina começou a adotar a política do “dólar alto” quando o PIB per capita tinha encolhido em torno de 25% em quatro anos; o desemprego atingia números nunca vistos nos últimos 70 anos; e os trabalhadores se submetiam a qualquer situação para poder manter o emprego. Em tais circunstâncias, foi possível defender essa política sem correr riscos imediatos de ter problemas sérios no front antiinflacionário. (...) Isso não significa ignorar a importância da recuperação recente experimentada pelo país, mas sim entender que ela em parte se deve à existência de um vasto campo prévio para expansão, representado pela elevadíssima capacidade ociosa existente na economia em 2002.




38 - ...Mesmo com tudo isso (esse "espaço"), a inflação já começava a querer sair das rédeas por lá, tendo ocorrido certo controle de preço já no ano de 2006 ("Cabe lembrar que, mesmo com um controle de preços draconiano, a inflação de 2006 na Argentina foi o triplo da brasileira"). Presidente, em pessoa, pressionava empresários e sindicatos, num grande dirigismo de preços, digamos assim.



39 - Por fim, mais uma crítica aos hermanos: ...a superdesvalorização apenas mascara deficiências importantes de competitividade da economia argentinaIsto é, o fato de, apesar da ajuda do câmbio nos cinco anos seguintes à desvalorização, o crescimento médio em US$ das exportações ter sido de apenas 12% a.a., contra 19% a.a. do Brasil no mesmo período, indica que é preciso ir além da questão cambial para entender as raízes da situação dos setores, em cada um dos dois países.


40 - Kirchner era um heterodoxo ortodoxo? ...ele se beneficia da reforma da Previdência Social aprovada nos anos da Presidência de Menem, quando Domingo Cavallo era o ministro de EconomiaÉ verdade que a reforma teve um custo de transição muito elevado, responsável por parte da pressão fiscal que foi uma das causas da falência do currency board. Adotou-se o modelo de capitalização ao que entendi. 


41 - ...Além do forte superávit primário, outro fator "ortodoxo" é que o consumo continuou travado. Ao menos nos primeiros anos da Era Kirchner. 





Pgs. 103-114


"CAPÍTULO 7: "As vacas sagradas (I): o salário mínimo que não é mínimo"


42 - Reconhece que o salário mínimo de 94 era ridículo, mas crê que os aumentos reais, acima do crescimento da economia, haviam chegado ao limite - ou talvez ele defenda que nem deveriam ter existido?


43 - Critica a vinculação dos benefícios previdenciários aos aumentos reais do salário mínimo (bastaria a inflação, por exemplo). Uma coisa, porém, é proteger as aposentadorias e os benefícios sociais básicos do impacto da inflação. Outra bem diferente é o trabalhador que paga todas as suas contas em dia e dá duro para sobreviver, esforçando-se para ser mais produtivo e arcando com uma carga tributária cada vez maior, ter uma renda hoje inferior à de 1994, enquanto quem saiu do mercado de trabalho recebe a troco de nada um valor do Governo no dobro do que era no começo do Plano Real, em termos reais, sem ter contribuído para tal. É justo isso? O leitor tem a palavra.



44 - Coloca que o dinheiro que vai para os idosos sequer atacam os principais problemas da extrema pobreza, citando dados de Paes de Barros. (...) os dados nos informam que o país gasta rios de dinheiro para reduzir a extrema pobreza — uma preocupação corretíssima —, mas faz isso com o instrumento errado. Defende a focalização.


45 - Considera o patamar de salário mínimo de 2006 alto (pelo que lembro da tabela do DIEESE, tratava-se de uma salário mais ou menos como o de hoje, uns 20% só das necessidades familiares básicas). No Nordeste — e menciona-se a região porque sempre que se fala em pobreza no Brasil tendemos a pensar nela — o salário mínimo era, em termos relativos, tão elevado a ponto de ser inclusive 4% maior que a renda média dos 90% mais pobres da população. Que remuneração mínima é essa, portanto, superior à da renda média de 9 de um grupo de dez pessoas?


46 - Enfim, coloca que o salário mínimo é sobretudo um benefício ao idoso - e a uma parcela não muito grande da população. Um tributo ao passado. Chega a exageros como este: ...O resto do mundo busca com avidez uma forma de ampliar os horizontes de conhecimento, investir em ciência e tecnologia, aplicar recursos de modo maciço na educação etc. Busca, enfim, estudar, se aperfeiçoar, ser mais produtivo. Enquanto isso, o que o Brasil faz? Aumenta a remuneração pelo não-trabalho!



Pgs. 115-130


"CAPÍTULO 8: "As vacas sagradas (II): a Previdência Social imprevidente"


47 - Coloca que o Brasil achou que resolveria a questão previdenciária com o otimismo do crescimento forte duradouro. Projeções generosas previam que a relação despesa/PIB encolhesse com o tempo (ou se mantivesse) e, com isso, nunca estaríamos, na verdade, precisando de reformas. 


48 - Brasil e a generosidade da seguridade: Se adicionarmos os benefícios assistenciais, estaremos em 13% do PIB. Essa era uma despesa entre 10% e 11% do PIB no ano 2000. Para um país em que a população idosa só agora começará a crescer com maior rapidez, trata-se de uma completa anomalia. (...) O destaque cabe ao Japão — com 20% de idosos e que gasta apenas 8% do PIB com Previdência, muito pouco para um país com essa composição demográfica — e os Estados Unidos — com 12% de idosos e 6% do PIB de gasto previdenciário.



49 - O fato é que a despesa do INSS, de 2,5% do PIB no ano da então Nova Constituição de 1988, atingirá 8,1% do PIB em 2007. E o ritmo de envelhecimento ainda viria a acelerar. Em um mundo onde é preciso produzir mais, o Brasil faz de sua principal política social pagar cada vez mais a um número cada vez maior de gente aposentada; em uma economia que precisa aumentar a poupança doméstica, transferimos renda extraída mediante uma carga tributária fortemente incidente sobre o setor produtivo a grupos sociais cuja propensão a poupar é próxima de zero. Afirma que as aposentadorias generosas são uma bola de ferro no potencial de crescimento da economia.


50 - Defende desvinculação dos benefícios previdenciários em relação aos aumentos reais do salário mínimo. Seriam indexados apenas à inflação. Aposentadoria por idade deveria chegar aos 67 em 2020, coloca. Por fim... fim dos regimes especiais que beneficiam militares, servidores civis, aposentados rurais e professores, após uma transição de dez anos, com equalização de regras para todos os aposentados no que se refere aos principais parâmetros a serem respeitados para a elegibilidade à aposentadoria.



Pgs. 131-142


"CAPÍTULO 9: "As vacas sagradas (III): o assistencialismo exacerbado"


51 - No que tange à violência, Giambiagi coloca que as capitais com maiores taxas de homicídios por cem mil habitantes não são necessariamente as mais pobres ou desiguais, mostrando que há outros fatores a embaralhar a questão (também não se pôs a quantificar nada, por falta de espaço/tempo).


52 - Em 2006, ao todo, os indivíduos afetados pelo valor do salário mínimo somavam em torno de 16 milhões de pessoas



53 - Para além do Bolsa-Família: O segundo programa assistencial mais importante em termos do número de pessoas beneficiadas, formalmente, não tem esse nome — por ser tratado como uma despesa previdenciária e não assistencial — e é representado pelas aposentadorias por idade para pessoas do meio rural. Das cerca de 13 milhões de pessoas que recebem benefícios previdenciários do INSS iguais a um salário mínimo, mais de 7 milhões de pessoas são aposentados rurais. (...) Enquanto no meio urbano a arrecadação cobre mais de 80% dos benefícios, no meio rural essa proporção é da ordem de grandeza de apenas 10% dos pagamentos feitos pelo INSS (Tabela 9.3).



54 - ...Primeiro, a Constituição estabeleceu o piso universal de benefícios de um salário mínimo, dobrando o valor que era pago na época aos aposentados do meio rural. Segundo, de 1994 até agora, por sua vez, o valor real do salário mínimo praticamente dobrou. E terceiro, o número de benefícios rurais, atraídos pelo aumento da remuneração, explodiu, passando de 4 milhões para mais de 7 milhões de pessoas.




55 - Por fim, o terceiro programa assistencial, além do Bolsa-Família e dos benefícios rurais, é representado pelo Loas. Em conjunto com as RMVs, significa um benefício de um salário mínimo, sem contrapartida prévia, pago hoje, no momento em que este livro está sendo concluído, a aproximadamente 3 milhões de pessoas, somando ambas as rubricas de despesa. Cabe destacar que em 1994, no começo do Plano Real, elas eram 1,3 milhão de pessoas — na época, só de RMVs, uma vez que os benefícios do Loas não existiamDe forma análoga ao que ocorreu no caso dos benefícios rurais, portanto, hoje o número de benefícios assistenciais é de mais de duas vezes o do começo do Plano Real e, além disso, o poder aquisitivo dessas pessoas multiplicou-se por dois, devido à trajetória do salário mínimo depois de 1994.


56 - ...No Brasil, utiliza-se a idade de 65 anos. Ademais, ...supondo um salário mínimo de R$ 380 em 2007 e um dólar em torno de R$ 2,20, teríamos um benefício assistencial médio próximo a US$ 170. (Hoje está em 286 dólares a conta).



57 - Para os padrões capitalistas, há, portanto, uma LOAS até "generosa" tendo em vista o patamar de país de renda média.


58 - Há duas questões, além disso, que não fazem muito sentido. A primeira é ter uma idade de elegibilidade para o benefício assistencial igual à da aposentadoria por idade: 65 anos. E a segunda é ter o mesmo piso assistencial e previdenciário. Trata-se de uma forma de, na prática, induzir as pessoas a não contribuir. Alguém que ganhe pouco e tenha a opção de não contribuir para o INSS terá todos os incentivos para não o fazer, pois sabe que o pagamento a receber — por aposentadoria por idade ou pelo Loas — aos 65 anos será, a rigor, o mesmo. Se a racionalidade microeconômica prevalecer sobre o respeito à Lei, ele irá optar por não contribuir. Ninguém gosta de rasgar dinheiro, e o fato é que pagar ao INSS, quando o retorno será idêntico ao de não pagar, equivale a rasgar dinheiro.


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