Livro: Marcelo de Paiva Abreu - A Ordem do Progresso (2014) - Capítulo 11 - "PARTE B"
Livro: Marcelo de Paiva Abreu - A Ordem do Progresso (2014)
(...)
Pgs. 241-254
"CAPÍTULO 11: "A RETOMADA DO CRESCIMENTO E AS DISTORÇÕES DO “MILAGRE”, 1967-1974"
276 - No Nordeste os incentivos fiscais contribuíram para um maior grau de industrialização no período, mas a criação de empregos não parece ter sido muito significativa, e não se elevou a participação da renda da região na renda total do país.
277 - Em contraste com a supervisão exercida sobre estados e municípios, o governo central permitiu a proliferação de empresas estatais federais e estaduais no período 1967-1973. Na realidade, aquele período caracterizou-se como o de maior intensidade de criação de novas empresas públicas no Brasil. Examinando-se o conjunto de empresas federais e estaduais, constata-se que foram criadas, entre 1968 e 1974, 231 novas empresas públicas sendo 175 na área de serviços, 42 na indústria de transformação, 12 em mineração e 2 na agricultura (Trebat, 1983, p. 37 e 47-8). Não há que se condenar, porém, uma expansão desmedida: De fato, como nota outro estudo, “a verdade... é que o Estado já estava há muito solidamente implantado na maior parte dos setores que [controlava]. Sua expansão teve uma ‘ideologia’ bem atípica: a da prioridade ao crescimento, desenvolvendo setores que a iniciativa privada, por impossibilidade ou desinteresse, não [podia] desenvolver” (Suzigan, 1976, p. 90-1). Foi mais no sentido de consolidação de certas holdings de serviços públicos e o surgimento de empresas em setores de ponta como a indústria aeronáutica. O emprego, por exemplo, cresceu mais no setor privado que nas estatais (quero crer que a comparação seja em números relativos...).
278 - Quanto à participação do Estado na economia no início dos anos 1970, cabe observar que em 1973 o governo, nas suas três esferas e nas empresas estatais, segundo dados do PASEP, empregava 3.351 mil pessoas (1.186 mil na área federal, 1.515 mil na área estadual e 650 mil na área municipal), correspondendo a 8,5% da população economicamente ativa e a 19,4% do emprego assalariado urbano, em contraste, por exemplo, com os Estados Unidos, considerado o paradigma da livre empresa, onde o setor público responde por um quinto dos empregos (Rezende e Branco, 1976, p. 43-4). O que realmente houve muito: subsídios, transferências e controles de preços em alguns mercados.
279 - Milagre foi a base de impostos, rs: A carga tributária bruta, por sua vez, alcançou em média cerca de 26% do PIB entre 1970 e 1973, contra cerca de 22,6% entre 1967 e 1969.
280 - Cenário externo: ...Parte dessas mudanças está associada com medidas de política econômica, tais como a política cambial e a política de incentivos às exportações, mas fatores exógenos como o crescimento da economia mundial, a evolução favorável dos termos de troca e uma crescente liquidez no mercado internacional de capitais também tiveram importante impacto positivo sobre as principais contas externas do país. (...) No mesmo período, ocorreu grande aumento das exportações, acompanhado por maior diversificação da pauta e por crescente participação dos produtos manufaturados, bem como por mudança da importância relativa de certos parceiros comerciais do país. Observou-se, também, forte aumento de importações, notadamente de bens de capital, que foi favorecido pela existência de isenções e incentivos específicos da política industrial. (...) Para administrar os novos incentivos à exportação, foi criada a Comissão para Concessão de Benefícios Fiscais e Programas Especiais de Exportação (BEFIEX). A ênfase na melhoria do desempenho das exportações teve efeitos muito positivos. (...) Paralelamente, declinou a participação do café no total, de 42% em 1967-68 para 27,8% em 1972-73 (...).
281 - Política cambial: Em 27 de agosto de 1968, o cruzeiro foi novamente desvalorizado em 13,35%, mas a partir dessa data iniciou-se a política de “minidesvalorizações cambiais” que seria mantida até o final do ano de 1979. Até o fim de 1973, as desvalorizações médias passaram a ser inferiores a 2% e ocorreu, inclusive, uma valorização do cruzeiro de 2,98% em 14 de fevereiro de 1973. O período médio entre os reajustes se reduziu consideravelmente, oscilando geralmente entre um e dois meses (Barbosa, 1983, p. 60-1).
282 - Protecionismo, ainda relevante, tornou-se menor, mas mais seletivo: A média das tarifas de importação efetivamente aplicadas (imposto de importação dividido pelo valor das importações) baixou de 13% em 1969 para menos de 8% em 1974 (Batista Jr., 1988a, p. 211 e Malan e Bonelli, 1977). Ainda era alta nos mercados de produtos em que o país podia competir.
283 - Entre 1967 e 1973 o índice dos termos de troca do Brasil evoluiu favoravelmente ao país, passando de 104 (base 1980 = 100) em 1967 para 120,5 em 1973, em virtude de um aumento dos preços de exportação de 79,7% diante de um aumento dos preços de importação de 54,5%. (...) Segundo os dados de contas nacionais, as exportações de bens e serviços, que correspondiam a 5,8% do PIB em 1967-68, passaram a responder por 7,8% do PIB em 1972-73, enquanto as participações correspondentes da importação de bens e serviços foram respectivamente 6,2% e 9,2%. Observa-se, portanto, que os coeficientes de abertura da economia brasileira para o exterior se elevaram, mas ainda permaneceram muitos baixos em termos mundiais.
284 - E a dívida externa? Nesse período não foi grande problema. De fato, ainda que o influxo de recursos externos tenha contribuído para a formação do capital, esta foi financiada, em boa parte, por recursos internos. Porém, o perfil piorou. Como a liquidez internacional estava em alta, empresas privadas e mesmo estatais recorreriam a fontes não-oficiais de empréstimo, ou seja, a bancos comerciais internacionais e afins, ao que entendi. Não era mais só Banco Mundial ou algo do tipo. Nas palavras do autor: ...o crescente envolvimento de fontes privadas implicou taxas de juros de empréstimos mais elevadas do que as de fontes oficiais. Esta mudança de estrutura da dívida resultou em aumento do “custo médio da dívida externa” (definido como a razão juros líquidos/dívida líquida) que aumentou de 4,7% em 1968 para 9,6% em 1973 “e em um ligeiro encurtamento do prazo da dívida de médio e longo prazos de 5,6 anos para 5,3 anos em 1973 (Batista Jr., 1988a, p. 217).
285 - Se é verdade que o volume de reservas ajudaria, em 1974, a enfrentar o primeiro choque do petróleo, a expansão das reservas em 1972 e 1973, resultante de abundante oferta de crédito bancário externo, teve forte impacto monetário, que a colocação de títulos públicos não foi suficiente para esterilizar e que contribuiu para o crescente descontrole de preços que já foi mencionado. De uma perspectiva de mais longo prazo parece, portanto, que teria sido desejável controlar mais cedo o crescimento da dívida. Nem tudo era empréstimo e financiamento, o influxo de capital externo também se deu bastante na forma de IED. (...) parece ter ocorrido um forte reinvestimento de capital estrangeiro no país, que se destinou tanto à ampliação de instalações como à aquisição de empresas existentes, de capital nacional ou estrangeiro.
286 - Fatores determinantes pra a forte entrada de capital externo: a) realismo cambial; b) políticas de incentivo à exportação; c) retomada do crescimento econômico; d) a existência de um programa conhecido de investimentos públicos e de uma política industrial favorável, implantada pelo CDI; e) estabilidade política com o endurecimento do regime (mercado quer mais é que se explodam os direitos políticos e afins, se for "necessário").
287 - A legislação trabalhista existente, sendo muito restritiva, não permitiu uma reação efetiva dos empregados contra a política salarial. As greves de Contagem e de Osasco em 1968 foram reprimidas e, no segundo caso, houve intervenção do Ministério do Trabalho no sindicato dos metalúrgicos. Após o fechamento do regime, em dezembro de 1968, a partir da decretação do Ato Institucional n. 5, os movimentos de reivindicação enfrentaram obstáculos ainda maiores, como, por exemplo, no caso dos metalúrgicos de São Paulo, em 1969, que tentaram, sem sucesso, uma greve geral. Somente a partir de 1972 o movimento de algumas categorias por aumentos de salários superiores aos determinados pela política salarial teriam algum sucesso, ocorrendo algumas greves “espontâneas” ilegais. Esse movimento se ampliou em 1973, ao nível de empresas, e sem interferência dos sindicatos, sendo em vários casos concedidos aos trabalhadores os aumentos pretendidos (Almeida, 1982, p. 17, 23-5).
288 - A partir de 1968, ao que entendi, corrigiu-se a sacanagem de a inflação real ficar maior que a esperada e isso não afetar o cálculo. Não que tenham corrigido o estrago anterior. Não retroagiu. No caso do Rio de Janeiro, a partir de 1968, o menor valor real do salário mínimo teria ocorrido em 1970, com queda acumulada de 34,5% em relação a 1964, e com ligeira recuperação de 1971 a 1973. Alguns índices apontam quedas mesmo após 68. O que cresceu foi o salário das categorias mais elevadas. Em suma, no período 1967-1973, a política salarial e a política de relações trabalhistas do governo tiveram como resultado uma contenção dos níveis de salário real, dentro do espírito de combate à inflação de custos da nova administração, favorecendo a acumulação de capital via manutenção de elevada taxa de lucro, e possibilitando uma política de remuneração seletiva para o pessoal de nível mais elevado.
289 - Emprego em cada setor da economia: ...enquanto em 1960 o setor primário absorvia 54% da PEA, em 1970 essa fração ainda era de 45,8%, reduzindo-se para 40,8% em 1973. No mesmo período, a participação do setor secundário na PEA aumentou de 12,9% em 1960 para 20,2% em 1973, enquanto a participação do emprego no setor terciário crescia de 31,5% para 39,0% no mesmo período (Lago, Almeida e Lima, 1983, quadro 12, p. 41). Foi um período de forte crescimento do emprego em geral também.
290 - O índice de Gini limite inferior, que não supõe desigualdades dentro de cada estrato de renda, e que é um indicador de desigualdade muito utilizado, teria aumentado de 0,497 em 1960 para 0,562 em 1970 (dados censitários) e 0,622 em 1972 (dados da PNAD). (...) é particularmente impressionante a concentração de renda nas mãos dos 5% mais ricos e dos 1% mais ricos. No primeiro caso, a sua participação na renda passa de 28,3% em 1960 para 34,1% em 1970 e 39,8% em 1972, enquanto no segundo caso o aumento é de 11,9% em 1960 para 14,7% em 1970 e 19,1% em 1972. (...) No caso do agravamento da desigualdade entre 1960 e 1970, o período de estagnação e as políticas de estabilização de 1964 a 1966 tiveram, sem dúvida, importância capital, ocorrendo uma certa estabilização dos fatores adversos a partir de 1968. Assim, a concentração de renda observada em 1970 não pode simplisticamente ser atribuída ao período do “milagre”, ainda que pareça ter ocorrido uma deterioração da distribuição da renda nos anos seguintes.
291 - Entre 1967 e 1973, enquanto a população aumentou de 85,1 milhões para 99,8 milhões de habitantes, o produto per capita cresceu à taxa média de 7,6%. Apresenta as metas dos planos da época, que eram até mais modestas. Em resumo, todas as “grandes metas” estabelecidas pelo governo Médici em 1970 para o período 1970-1973 foram amplamente alcançadas e, a aceleração do crescimento, o objetivo básico do governo Costa e Silva, também superou todas as expectativas. Só a expectativa de inflação se mantendo a 10% ou menos que se mostrou irreal. A dívida externa também cresceu de forma maior que a prevista, apesar dos esforços.
292 - Por fim... Durante os mandatos dos presidentes Costa e Silva e Médici destacou-se, como característica da política econômica, o seu caráter autoritário. Este ficou evidente desde as relações entre o governo central e as administrações estaduais em termos do Fundo de Participação ou da emissão de títulos estaduais até a interferência do governo federal nas relações trabalhistas. No período como um todo, o Ministério da Fazenda, e em menor medida o do Planejamento, tiveram amplo respaldo do Executivo para a implementação de programas na área econômica, com pequena possibilidade de reação efetiva por parte dos poderes Legislativo ou Judiciário ou dos vários segmentos da sociedade. A “facilidade” de adoção das várias medidas de política econômica tem que ser entendida nesse contexto.
.
Comentários
Postar um comentário