Livro: Marcelo de Paiva Abreu - A Ordem do Progresso (2014) - Capítulo 11 - "PARTE A"

                           

Livro: Marcelo de Paiva Abreu - A Ordem do Progresso (2014)



Pgs. 228-240


"CAPÍTULO 11: "A RETOMADA DO CRESCIMENTO E AS DISTORÇÕES DO “MILAGRE”, 1967-1974"


260 - Texto de Luiz Aranha Correa do Lago. De 15 de março de 1967 a 15 de março de 1974, Delfim Netto permaneceu à frente do Ministério da Fazenda, mantendo durante aqueles anos uma orientação para a condução da economia sem grandes alterações em suas linhas gerais.


261 - A existência de capacidade ociosa na indústria indicava que estímulos poderiam ter efeitos interessantes. Ademais, o custo do crédito era apontado como possível motivo de pressão inflacionária. Um maior estímulo à demanda foi dado, já a partir de 1967, através de políticas monetária, creditícia e fiscal mais “flexíveis”, que se tornariam nos anos seguintes gradualmente expansionistas. Foi particularmente notável a expansão do crédito, e especialmente do crédito ao consumidor e à agricultura. A concessão de isenções fiscais e de juros favorecidos ao setor agrícola aliada a um maior volume de crédito tinha entre outros objetivos o de assegurar uma oferta adequada de alimentos (cujo impacto sobre os índices de inflação era significativo), estimular as exportações de produtos primários e, talvez sem a mesma ênfase, aumentar a renda rural e consequentemente corrigir desequilíbrios regionais e reduzir o êxodo rural (Skidmore, 1988, p. 188). (...) Destinaram-se, também, significativos recursos para a construção de residências e aquisição de moradias através do Sistema Financeiro de Habitação (SFH). Criaram-se subsídios adicionais, facilidades creditícias e reduziram-se os entraves burocráticos para aumentar as exportações, e diversificar mercados especialmente de produtos manufaturados (Bonelli e Malan, 1976) que também foram muito beneficiadas pela adoção do regime de minidesvalorizações cambiais a partir de 1968. Criava-se assim, também, um clima favorável para o investimento estrangeiro e para um acesso mais fácil do país a empréstimos externos.


262 - Concentrou um esforço especial na contenção das taxas de juros pagas pelos tomadores do setor privado, inclusive através de incentivos ao setor bancário (compulsório remunerado), da fixação temporária de tetos de juros e através do estímulo à concentração bancária. A contenção de custos deveria incluir, também, em uma segunda etapa, o controle de preços dos insumos e de produtos selecionados que se iniciara no governo anterior com a Comissão Nacional de Estímulo à Estabilização de Preços (CONEP) (com caráter voluntário) e depois passou a ser implementado compulsoriamente pela Comissão Interministerial de Preços (CIP), a partir do final de 1967. A nova equipe considerou basicamente encerrado o período de “inflação corretiva”, que envolveu o realinhamento de preços e tarifas do setor público entre 1964 e 1967, e que passaria a dar um maior equilíbrio às empresas estatais, aliviando a conta de subsídios diretos do governo federal.


263 - O período "recessivo" da fase de estabilização: Os dados revistos relativos a contas nacionais do Brasil mostram que, em 1964 e 1965, a economia cresceu 3,4% e 2,4% respectivamente, resultando um pequeno declínio do produto per capita no biênio. Em 1966, a taxa de crescimento do PIB de 6,7% foi satisfatória. Porém, a crise de estabilização, provocada a partir da metade do ano pelo aperto de liquidez e a contenção do crédito, reduziu a taxa de crescimento global para 4,2% em 1967. Essa média foi favoravelmente influenciada pelo bom desempenho do setor primário cuja produção aumentou 5,7%, visto que a indústria de transformação cresceu apenas 2,2%


264 - ...Na fase do "crescimento", houve aceleração impressionante: Entre 1968 e 1973, o PIB real cresceu à taxa média de 11,2% (alcançando um máximo de 14% em 1973), diante de uma média histórica no período do pós-guerra até o início dos anos 1960, da ordem de 7%. (...) O crescimento industrial foi particularmente significativo: no mesmo período 1968-73, a indústria de transformação cresceu à taxa média de 13,3% ao ano (com um máximo de 16,6% em 1973) e a indústria de construção (forte absorvedora de mão de obra) à taxa média, ainda mais elevada, de 15% ao ano. O setor primário teve desempenho bem mais modesto, mas ainda acima do populacional. 4,5% na média. Destaca-se o surgimento da soja como produto de importância crescente na pauta de exportações e no consumo interno, enquanto o café perdia peso relativo dentro do setor agrícola e no total das exportações. (...) O setor terciário teve igualmente uma expansão expressiva entre 1967 e 1973, destacando-se o desempenho do comércio, com média de crescimento anual de 11,1%, e o de transportes e comunicações, com média superior a 13%.


265 - Diante do crescimento generalizado da economia, e da crescente utilização da capacidade instalada (na indústria de transformação o índice de utilização ter-se-ia elevado de 76% em 1967 para 93% em 1971 e 100% em 1972-73), cabe examinar a evolução da taxa global de investimentos. Como seria de se esperar, a participação da formação bruta de capital fixo (FBCF) no produto interno bruto (PIB), depois de permanecer no nível médio de 15,2% no período de estabilização 1964-66, mostrou tendência ascendente a partir de 1967, quando alcançou 16,2%. De 1968 a 1970, essa participação passou para 18,7% para alcançar 20,5% no período 1971-73.


266 - O investimento das estatais cresceu fortemente. Eles apareciam como fator determinante de movimentos cíclicos da economia brasileira (Trebat, 1983, p. 120 e 132).


267 - A inflação se manteve comportada para o que o governo queria. Em 1968, ano em que se introduziu a política de minidesvalorização cambiais e em que a política salarial passou a ser menos restritiva, mas os controles de preços assumiram caráter compulsório, as taxas de inflação verificadas no fim do ano foram muito semelhantes às do ano anterior. Ano de 1969: Nesse ano, apesar do crescimento elevado, a política de combate à inflação foi mais ativa, já que houve maior esforço de contenção da expansão monetária e do déficit público. Esse foi o primeiro ano da nova administração em que a colocação de títulos públicos financiou mais do que a totalidade do déficit de caixa da União, fato que se repetiria nos anos seguintes, contribuindo para reduzir as pressões inflacionárias (Simonsen, 1970, p. 53). Por fim, em 73, com a capacidade instalada a todo vapor, as pressões inflacionárias começam a se fazer sentir na prática e os índices oficiais, apegados aos preços tabelados que não estavam sendo mais respeitados no mundo real, subestimavam bastante a inflação. As tensões resultantes do tabelamento inclusive com o surgimento de “mercados paralelos” iriam se agravar com o primeiro “choque do petróleo”, cujo impacto far-se-ia sentir em 1974.


268 - Expansionismo monetário teria contribuído para a pressão inflacionária de 73? Bem, até 72 crescia-se em linha com o PIB de certa forma. Depois, é possível falar. De fato, o crescimento real dos meios de pagamento acumulado no ano (deflacionado pelo IGP-DI) após alcançar cerca de 14% em 1967 e 12% em 1968, foi da ordem de 5% a 10% entre 1969 e 1971, passando para cerca de 18% em 1972 e cerca de 28% em 1973.


269 - No que tange aos instrumentos de política monetária, operações em mercado aberto e o redesconto começam a ganhar mais importância. Até 1964, bem mais do que o redesconto, os depósitos compulsórios tinham sido um instrumento da política monetária amplamente utilizado no Brasil, o encaixe legal servindo para “regular o multiplicador bancário, isto é, mobilizar maior ou menor parte dos depósitos bancários, restringindo ou alimentando o processo de expansão dos meios de pagamento” (Galvêas, 1985, p. 87).


270 - No período 1967 a 1973, o governo durante alguns anos “dosou” a taxa de expansão monetária, mas garantiu uma elevada taxa de expansão do crédito total, concedendo especial atenção a certas áreas específicas


271 - O governo tentou bombar a cultura do mercado acionário para capitalizar as empresas. Entre 1967 e início dos anos setenta teve até incentivo tributário (alguma forma de dedução do IR, por exemplo). Problema é que houve um boom especulativo. A partir de fins de 1971, dada a forte queda dos preços das ações durante o ano, o mercado acionário deixou de exercer a mesma atração sobre os investidores até o final da década, e, portanto, falhou a tentativa de torná-lo instrumento duradouro de capitalização das empresas.


272 - Quanto à política fiscal oficial, continuou razoavelmente apertada: ...Enquanto o déficit do Tesouro representara uma fração do PIB da ordem de 4,2% em 1963, reduzindo-se para 1,1% em 1966, ocorreu um pequeno aumento em 1967 para 1,7%, com a reativação da economia. Porém, em 1968, o déficit se reduziu para 1,2% do PIB e essa fração declinou continuamente até 1972, para alcançar 0,1%. Finalmente, em 1973, ocorreu um pequeno superávit, da ordem de 0,06% do produto...


273 - ...Mas são parcialmente enganosos especialmente a partir do final dos anos 1960, diante da crescente importância de gastos públicos não incluídos nas despesas do Tesouro e que passaram a fazer parte do chamado “orçamento monetário”. Dois desses itens de despesa básica eram os juros e a correção monetária da dívida pública e os subsídios embutidos no crédito subsidiado, especialmente para a agricultura e a exportação. A tendência de elevação dessas despesas contrabalançava, em parte, o aparente equilíbrio das contas do governo espelhado nas contas do Tesouro.


274 - ...Com base em dados de contas nacionais não revistos, a média da carga tributária bruta teria passado de 22,4% do PIB em 1965-69 para 24,7% em 1970-73 e os subsídios e transferências teriam totalizado, em média, respectivamente, 7,1% e 8,1% do PIB, resultando uma carga líquida de 15,3% em 1965-69 e de 16,6% em 1970-73 (Costa, 1979, p. 90).


275 - Quanto às despesas correntes do governo, verificou-se uma redução de sua relação com o PIB, sendo particularmente clara a queda da participação dos salários e encargos, de 8,3% em 1970 para 7,4% em 1973. De fato, a despesa com pessoal, ao nível federal, declinou de 24,6% de despesa total em 1967 para apenas 18% em 1973. (...) No período de 1967 a 1973, a administração das finanças estaduais e municipais ficou, em certa medida, subordinada à orientação do governo federal. De fato, a própria Constituição de 1967 permitia a intervenção da área federal em assuntos financeiros dos estados no caso da adoção, por estes, de programas ou medidas incompatíveis com o programa econômico do governo federal (Syvrud, 1974, p. 136). Outra coisa: ...a dívida estadual e municipal, que em 1969 representava 2% do total dos ativos financeiros teve sua participação reduzida para 1,5% em 1973, diante das restrições a novas emissões impostas pelo governo central a partir daquele ano, enquanto a dos títulos federais crescia de 13,1% para 17,7%


(...)


Comentários