Livro: Ha-Joon Chang - 23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo - Capítulos 21 e 22
Livro: Ha-Joon Chang - 23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo
Pgs. 175-181
"CAPÍTULO 21: "O governo poderoso torna as pessoas mais abertas à mudança"
180 - Coloca que a proteção social permite que as pessoas corram menos riscos. O fim de um emprego nos EUA levaria a uma enorme queda do padrão de vida. Na Escandinávia não. Chang crê que isso pode estar por trás do crescimento maior dos países escandinavos em relação aos EUA, isso mesmo no período 1990-2008 (faltam quinze anos de dados recentes, infelizmente). A Suécia, que tem literalmente o maior estado do bem-estar social do mundo (31,3%, ou seja, duas vezes maior que o dos Estados Unidos), registrou uma taxa de crescimento de 1,8% que estava apenas levemente abaixo da taxa americana. Também demandariam menos proteção comercial aos seus negócios. O protecionismo seria mais forte nos EUA, portanto, que na Europa.
181 - Coréia: a demanda por serviços médicos cresce a cada ano. Entretanto, a renda relativa dos médicos na Coreia vem caindo, devido ao contínuo aumento da oferta. Por que a demanda pela profissão de médico continua fortíssima então? O que está motivando tudo isso é a queda radical da segurança no emprego ao longo mais ou menos dos últimos dez anos. O Bem-estar na Coréia é fraco. É o "rico" que menos gasta. Gasta menos até que o México, que chega a uns 7% do PIB. Em 2003 (o último ano para o qual a OCDE tem os dados), os gastos sociais públicos foram responsáveis por 5,7% do PIB na Coreia. O percentual mais elevado foi o da Suécia, 31,3%. A média da OCDE foi de 20,7%. Ademais, a Coréia teria adotado fortemente o liberalismo de mercado pelo menos desde a Crise Asiática de 1997. A segurança no emprego foi drasticamente reduzida em nome de uma maior flexibilidade do mercado de trabalho. Milhões de trabalhadores foram obrigados a aceitar empregos temporários. Ironicamente, mesmo antes da crise, o país tinha um dos mercados de trabalho mais flexíveis do mundo rico, com um dos coeficientes mais elevados de trabalhadores sem um contrato permanente de mais ou menos 50%. A recente liberalização fez com que esse coeficiente aumentasse ainda mais e atingisse aproximadamente 60%.
182 - A raiz do problema, segundo Chang, é esta: ...um dos mercados de trabalho mais livres do mundo rico, ou seja, o mercado de trabalho coreano, está deixando acentuadamente de distribuir os seus talentos da maneira mais eficiente. O motivo? O aumento da insegurança no emprego. Já para os economistas de mercado, a proteção social reduz os incentivos ao trabalho. Para piorar ainda mais as coisas, esses estados do bem-estar social são financiados por meio de impostos pagos pelos ricos, reduzindo assim os incentivos para que estes últimos trabalhem bastante, criem empregos e gerem riqueza. Um dilema é resumido aqui: ...uma insegurança maior pode fazer com que as pessoas trabalhem mais, mas ao mesmo tempo faz com que elas trabalhem mais nos empregos errados.
183 - Em 2003 (o último ano para o qual a OCDE tem os dados), os gastos sociais públicos foram responsáveis por 16,2% do PIB nos Estados Unidos, comparados com a média de 20,7% da OCDE e a média de 23,9% dos quinze países de União Europeia.
184 - Modelo europeu (com diferenças entre países, claro): Você continua a ter o seguro-saúde e poderá morar nas casas de propriedade do governo (ou receber subsídios de moradia), enquanto recebe o salário-desemprego (até 80% da sua última remuneração), um novo treinamento subsidiado pelo governo e ainda conta com a ajuda do governo para procurar um novo emprego. Nos EUA a coisa é bem mais deficiente. Em decorrência disso, a resistência dos trabalhadores a qualquer reestruturação industrial que envolva a redução de empregos é muito maior nos Estados Unidos do que na Europa. Ninguém quer correr o risco sem saber se haverá uma segunda, terceira ou quarta chance. É a mesma lógica envolvida nas modernas leis de falência protegerem bastante o empresário. Mais tempo para que o lucro possa ser reinvestido antes de pagar as dívidas e coisas do tipo.
185 - Chang entende, ao que parece, que a taxa de desemprego menor nos EUA se dá em razão de o trabalho por lá poder ser mais precarizado. (...) pessoalmente, acho que a existência de um grande número de “pessoas pobres empregadas”, como acontece nos Estados Unidos, é um problema tão grande quanto o das taxas de desemprego de um modo geral mais elevadas que vemos na Europa. (...) O estado do bem-estar social eleva os “rendimentos de reserva” das pessoas e evita que elas aceitem empregos mal-remunerados. Enfim e resumindo: Só podemos acelerar o nosso carro porque ele tem freios.
Pgs. 182-189
"CAPÍTULO 22: "Os mercados financeiros precisam se tornar menos, e não mais, eficientes"
190 - Os serviços que envolvem mão de obra são caros nos países com uma renda elevada (a não ser que eles tenham um constante suprimento de imigrantes que aceitam receber baixos salários, como os Estados Unidos e a Austrália), tornando tudo mais caro do que a taxa de câmbio oficial deveria sugerir.
191 - Por que a crise de 2008 pegou a Islândia - paraíso da desregulamentação financeira - de jeito? A natureza arriscada da tendência financeira da Islândia a partir do final dos anos 1990 está cada vez mais vindo à luz. Os ativos bancários haviam atingido o equivalente a 1.000% do PIB em 2007, o dobro do percentual do Reino Unido, país que tem um dos setores bancários mais desenvolvidos do mundo. Além disso, a expansão financeira da Islândia fora alimentada por empréstimos estrangeiros. Em 2007, a dívida externa líquida (as dívidas externas menos as concessões de crédito ao exterior) subiram de 50% do PIB em 1997 para quase 250% do PIB em 2007. (...) Além disso, a natureza duvidosa das transações financeiras por trás do milagre econômico islandês foi revelada; com muita frequência, os principais tomadores de empréstimos dos bancos eram importantes acionistas desses mesmos bancos. (...) A Irlanda tentou se tornar outro eixo financeiro usando a mesma estratégia, com os seus ativos financeiros atingindo o equivalente a 900% do PIB em 2007. Chang coloca que esses países apenas levaram o que já se fazia nos EUA e no Reino Unido ao extremo. Especialmente após as reformas nos anos 80 e 90 nesses países (derrubada da Glass-Steagall, por exemplo).
192 - Após a desregulamentação financeira do início da década de 1980, a taxa de lucro das instituições financeiras tem apresentado uma tendência ascendente que varia entre 4 e 12%. A partir da década de 1980, ela tem sido sempre significativamente mais elevada do que a das empresas não financeiras, que tem variado entre 2 e 5%. Na França, a taxa de lucro das corporações financeiras foi negativa entre o início da década de 1970 e meados da década de 1980 (não existem dados disponíveis para a década de 1960). Entretanto, com a desregulamentação financeira do final da década de 1980, ela começou a subir e ultrapassou a das empresas não financeiras no início da década de 1990, quando ambas giravam em torno de 5%, e subiu para mais de 10% em 2001. Em contraposição, a taxa de lucro das empresas não financeiras francesas declinou a partir do início da década de 1990, chegando a cerca de 3% em 2001. As empresas industriais passaram, inclusive, a querer desenvolver formas de ter uma atividade financeira (viraram tipo uma holding). Por exemplo, em 2003, 45% do lucro da GE era gerado pela GE Capital. Em 2004, 80% dos lucros da GM vinham da sua subsidiária financeira, a GMAC, enquanto a Ford Finance foi responsável pela totalidade dos lucros da Ford entre 2001 e 2003.
193 - De acordo com um cálculo baseado em dados do FMI de autoria de Gabriel Palma, meu colega em Cambridge e proeminente autoridade em crises financeiras, a razão do estoque de ativos financeiros para a produção mundial aumentou de 1,2 para 4,4 entre 1980 e 2007. O tamanho relativo do setor financeiro foi ainda maior em muitos países ricos. Segundo esse cálculo, a razão dos ativos financeiros para o PIB no Reino Unido chegou a 700% em 2007. (...) Se aumentamos a altura de uma edificação existente sem ampliar a base, aumentamos a chance de ela tombar.
194 - Enfim, Chang acredita que a financeirização, digamos assim, é maléfica. O mais importante é que, a longo prazo, isso conduz a um fraco crescimento da produtividade, porque os investimentos a longo prazo são reduzidos para satisfazer o capital impaciente. Fala em instituir a "taxa Tobin" ou mesmo proibir venda a descoberto, por exemplo.
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