Livro: Ha-Joon Chang - 23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo - Capítulo 11

                                                                                                                                             

Livro: Ha-Joon Chang - 23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo



Pgs. 96-104


"CAPÍTULO 11: "A África não está destinada ao subdesenvolvimento"


88 - Clima desfavorável; geografia péssima; maldição dos recursos naturais; muita rivalidade étnica... tudo pesaria contra. Chang retruca e culpa as reformas liberalizantes dos anos 80: A África nem sempre esteve estagnada. (...). Além disso, todas as desvantagens estruturais que supostamente refreiam a África estiveram presentes na maioria dos países ricos de hoje — um clima desfavorável (ártico e tropical), a falta de acesso ao mar, recursos naturais abundantes, divisões étnicas, instituições deficientes e uma cultura ruim. Essas condições estruturais só parecem atuar como impedimentos ao desenvolvimento da África porque os países desse continente ainda não possuem as tecnologias, instituições e habilidades organizacionais necessárias para lidar com as suas consequências adversas. Tropical é Singapura.


89 -  O sucesso econômico de países pobres em recursos do Leste Asiático, como o Japão e a Coreia, é frequentemente citado como um caso de “maldição de recursos reversa”.


90 - Acredita-se que a história do colonialismo tenha produzido instituições de baixa qualidade na maioria dos países africanos, já que os colonizadores não queriam se fixar em países com um excesso de doenças tropicais (de modo que existe uma interação entre o clima e as instituições) e portanto instalaram apenas as instituições mínimas necessárias para a extração de recursos, em vez daquelas fundamentais para o desenvolvimento da economia local. Alguns dizem que não haveria "espírito de equipe" e cooperação. Também não haveria preocupação com qualquer futuro. A cultura seria apegada ao passado, como tudo sendo uma eterna repetição. Enfim, explicações culturalistas, tipo as que chamavam os japoneses de preguiçosos no início do século passado. Até meados do século XIX, os ingleses que iam à Alemanha afirmavam que os alemães eram burros demais, individualistas demais e emocionais demais para desenvolver a sua economia (a Alemanha não estava unificada na época) — o exato oposto da imagem estereotípica que eles têm hoje dos alemães e exatamente o tipo de coisa que as pessoas dizem hoje a respeito dos africanos.


91 - Durante os anos 1960 e 1970, a renda per capita na África subsaariana cresceu a uma taxa respeitável. Ela girou em torno de 1,6% e não se aproximou nem um pouco da taxa de crescimento “milagrosa” do Leste Asiático (5 a 6%) ou mesmo da taxa da América Latina (por volta de 3%) nesse período. No entanto, não é uma taxa de crescimento a ser desprezada. Ela se compara favoravelmente com as taxas de 1 a 1,5% alcançadas pelos países ricos de hoje durante a sua “Revolução” Industrial (aproximadamente de 1820 a 1913).


92 - Coloca que diversidade étnica não é barreira instransponível. A França, por exemplo, teria transformado "camponeses em franceses". Segundo Weber, em 1863, cerca de um quarto da população da França não falava francês. Nesse mesmo ano, 11% das crianças que frequentavam a escola com idades entre 7 e 13 anos não falavam nem um pouco de francês, enquanto outros 37% falavam ou compreendiam o idioma mas não sabiam escrevê-lo. E. Weber, Peasants into Frenchmen — The Modernisation of Rural France, 1870-1914 (Stanford University Press, Stanford, 1976), p. 67. Mais à frente, irá citar inúmeras minorias étnicas em países ricos, algumas com histórico de conflitos violentos, sejam religiosos ou separatistas.


93 - Culpa a imposição de políticas liberalizantes de FMI e Banco Mundial: ...essas políticas resultaram no colapso dos pequenos setores industriais que esses países haviam conseguido formar durante os anos 1960 e 1970. Portanto, tendo sido forçados a retroceder e se apoiar novamente na exportação de commodities primárias, como o cacau, o café e o cobre, os países africanos continuaram a sofrer com as violentas flutuações de preços e tecnologias de produção estagnadas que caracterizam a maioria dessas commodities. Exportações desse tipo cresceram em quantidade, mas os preços caíram. Afirma que houve também um prejudicial corte nos investimentos em infraestrutura. Durante os anos 1980 e 1990, a renda per capita na África subsaariana caiu a uma taxa de 0,7% ao ano. A região finalmente começou a crescer na década de 2000, mas a retração das duas décadas precedentes significou que a taxa média de crescimento da renda per capita na África subsaariana entre 1980 e 2009 foi de 0,2%. Portanto, depois de passar quase trinta anos usando políticas “melhores” (ou seja, de livre mercado), a sua renda per capita encontra-se basicamente no mesmo nível que estava em 1980.


94 - O clima desfavorável pode tolher o desenvolvimento. Estar cercado por países pobres infestados de conflitos limita as oportunidades de exportação e torna mais provável o extravasamento de conflitos através das fronteiras. A diversidade étnica ou a abundância de recursos podem gerar uma dinâmica política desfavorável. No entanto, essas consequências não são inevitáveis. (...) Muitos dos países ricos de hoje eram atingidos pela malária e outras doenças tropicais, pelo menos durante o verão; não estou falando apenas de Cingapura, que está situada no meio dos trópicos, mas também do sul da Itália, do sul dos Estados Unidos, da Coreia do Sul e do Japão.


95 - Uma crítica mais séria do argumento do clima é que os climas frígidos e árticos, que afetam vários dos países ricos, como a Finlândia, a Suécia, a Noruega, o Canadá e parte dos Estados Unidos, impõem fardos economicamente tão onerosos quanto os climas tropicais; as máquinas enguiçam, o custo do combustível dispara e o transporte é interrompido pela neve e pelo gelo. Não existe razão para dizer que o clima frio é que é o bom, a priori. Geografia como um todo? Há países ricos sem acesso ao mar (Suíça, Áustria). "Ah, mas há rios!" Em boa parte dos países africanos pobres sem acesso ao mar também há. Além disso, devido aos mares congelados no inverno, os países escandinavos ficavam efetivamente sem acesso ao mar durante seis meses, até que desenvolveram o navio quebra-gelo no final do século XIX.


96 - Índia também tem rivalidades internas e locais e está cercada de países pobres pelas fronteiras. Porém, tem crescido rápido mesmo assim.


97 - Muitas pessoas falam da maldição dos recursos, mas o desenvolvimento de países como os Estados Unidos, o Canadá e a Austrália, que são muito mais bem providos de recursos naturais do que todos os países africanos, com as possíveis exceções da África do Sul e da RDC (República Democrática do Congo), demonstra que a abundância de recursos pode ser uma bênção. Na realidade, a maioria dos países africanos não é tão bem provida de recursos naturais; menos de doze países africanos descobriram até agora quaisquer depósitos minerais importantes. Escandinávia...


98 - Volta a abordar a questão étnica: Até mesmo os países do Leste Asiático que supostamente se beneficiaram particularmente da sua homogeneidade étnica têm sérios problemas com divisões internas. Você talvez pense que Taiwan é etnicamente homogênea já que os seus cidadãos são todos “chineses”, mas a população consiste de dois (ou quatro, se fizermos uma divisão mais refinada) grupos linguísticos (os “habitantes do continente” versus os taiwaneses) que se hostilizam mutuamente. O Japão apresenta sérios problemas de minorias com os coreanos, os okinawanos, os ainus e os burakumins. A Coreia do Sul talvez seja um dos países mais homogêneos do mundo do ponto de vista etnolinguístico, mas isso não impediu os meus compatriotas de odiar uns aos outros. Por exemplo, há duas regiões na Coreia do Sul que particularmente se odeiam (a sudeste e a sudoeste), a ponto de algumas pessoas dessas regiões não permitirem que os seus filhos se casem com alguém “do outro lugar”. Curiosamente, Ruanda é quase tão homogênea do ponto de vista etnolinguístico quando a Coreia, mas isso não impediu que os Hutus, que eram maioria, promovessem a purificação étnica da minoria anteriormente dominante, os Tutsis — exemplo que prova que o “caráter étnico” não é uma estrutura natural, e sim política. Em outras palavras, os países ricos não sofrem com a heterogeneidade étnica porque ela não existe, mas sim porque tiveram êxito ao construir a nação (o que, é importante observar, envolveu com frequência um processo desagradável e até mesmo violento).


99 - Chang: As pessoas dizem que instituições de má qualidade estão refreando a África (e de fato estão), mas quando os países ricos estavam em níveis de desenvolvimento material semelhantes aos encontrados hoje na África, o estado das suas instituições era bem pior. Apesar disso, eles cresceram continuamente e alcançaram níveis elevados de desenvolvimento. Eles construíram as instituições de qualidade muito tempo depois do seu desenvolvimento econômico, ou pelo menos simultaneamente a ele.


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