Livro: Ha-Joon Chang - 23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo - Capítulos 9 e 10

                                                                                                                                            

Livro: Ha-Joon Chang - 23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo



Pgs. 79-88


"CAPÍTULO 9: "Não vivemos em uma era pós-industrial"


65 - A maior parte (embora não a totalidade) do encolhimento da parcela da manufatura na produção total não se deve à queda na quantidade absoluta de bens manufaturados produzidos e sim à queda nos seus preços com relação aos dos serviços, o que é causado pelo seu crescimento mais rápido na produtividade (produção por unidade de insumo).


66 - A baixa negociabilidade dos serviços significa que uma economia mais baseada em serviços terá uma menor capacidade de exportar. Uma receita menor com a exportação significa uma capacidade mais fraca de comprar tecnologias avançadas do exterior, o que por sua vez conduz a um crescimento mais lento


67 - Inglaterra foi a primeira "fábrica do mundo": Em 1860, ela produzia 20% da produção industrial do mundo. Em 1870, era responsável por 46% do comércio mundial de produtos manufaturados.


68 - A desindustrialização demorou a acontecer. Até o início da década de 1970, junto com a Alemanha, a Grã-Bretanha tinha uma das maiores proporções do mundo de emprego industrial no emprego total, em torno de 35%. Possuía amplos superávits comerciais no setor industrial (4 a 6%). A produção industrial como uma parcela do PIB da Grã-Bretanha era de 37% em 1950. Hoje, ela é responsável apenas por mais ou menos 13%. A proporção da indústria no emprego total caiu de cerca de 35% no início dos anos de 1979 para pouco mais de 10%. "Hoje", há déficit comercial no setor industrial. 


69 - Trabalhadores na indústria de países ricos: Hoje, esse coeficiente é, no máximo, de 25%, e em alguns países (especialmente nos Estados Unidos, no Canadá e na Grã-Bretanha) ele mal chega a 15%.


70 - ...Os operários de fábrica cooperam mais estreitamente com os colegas durante o trabalho e fora dele, especialmente por meio de atividades sindicais. Em contraposição, as pessoas que trabalham em lojas e escritórios tendem a trabalhar de uma maneira mais individual e não são muito ligados a sindicatos.


71 - Desindustrialização? Parte é terceirização em ação. Uma dessas ilusões é causada pela terceirização de algumas atividades que são na realidade serviços na sua natureza física mas costumavam ser prestados pelas próprias empresas industriais, com os seus recursos internos (p. ex., fornecimento de refeições, limpeza, suporte técnico)


72 - Culpa da China? As exportações da mesma só causaram um verdadeiro impacto no final dos anos de 1990, mas o processo de desindustrialização já havia começado na década de 1970 na maioria dos países ricos. Quase todas as estimativas mostram que a ascensão da China como a nova fábrica do mundo só pode explicar cerca de 20% da desindustrialização que teve lugar até agora nos países ricos.


73 - E a tendência a gastar com serviços? Tudo indica que estamos gastando uma parcela cada vez maior da nossa renda com serviços, não porque estejamos consumindo cada vez mais serviços em termos absolutos, mas principalmente porque os serviços estão se tornando cada vez mais dispendiosos em termos relativos. (E mesmo assim continuamos demandando, então deve ser importante). Resume a questão assim:  O resultado é que parece que você está gastando uma parcela maior (menor) da sua renda em cortes de cabelo (computadores) do que antes, mas a realidade é que você está na verdade consumindo mais computadores do que antes, ao passo que o seu consumo de cortes de cabelo permanece o mesmo. (Ok, mas há serviços que estão baixando de preço fortemente também, creio. Realizados com mais eficiência e tal. Os serviços de ponta).


74 - No caso da Grã-Bretanha, por exemplo, a parcela da produção industrial na produção total, sem levar em conta os efeitos dos preços relativos (usando o jargão, em preços correntes), caiu em mais de 40% entre 1955 e 1990 (de 37 para 21%). Entretanto, quando levamos em consideração os efeitos dos preços relativos, constatamos que a queda foi apenas levemente superior a 10% (de 27 para 24%).


75 - Se a desindustrialização se dá por rápidos ganhos de produtividade da indústria, há menos o que temer. Porém, em outros casos (penso no Brasil), se dá justamente pelo contrário. Perda de competitividade da indústria. 


76 - À medida que a economia for sendo dominada pelo setor de serviços, no qual o crescimento da produtividade é mais lento, o crescimento da produtividade na economia como um todo desacelerará.


77 - A desindustrialização também exerce um efeito negativo no equilíbrio do balanço de pagamentos porque é inerentemente mais difícil exportar serviços do que produtos manufaturados. Exceção novamente são os serviços de ponta - bancários, de consultoria, de engenharia etc. Por exemplo, a partir dos anos de 1990, na Grã-Bretanha, as exportações de serviços baseados no conhecimento têm desempenhado um papel fundamental para tapar o buraco no balanço de pagamentos deixado para trás pela desindustrialização (e pela queda nas exportações de petróleo do Mar do Norte, que possibilitara que o país — com dificuldade — sobrevivesse às consequências do balanço de pagamentos negativo da desindustrialização durante a década de 1980). Ainda assim, só cobria o déficit industrial. No caso dos Estados Unidos, supostamente outro modelo de economia pós-industrial, o superávit comercial nos serviços baseados no conhecimento é na realidade menos de 1% do PIB — que está muito longe de compensar os seus déficits comerciais do setor industrial, que se situam em torno de 4% do PIB.


78 - Duvida seriamente da estratégia de desenvolvimento baseada em serviços. Pular a etapa industrial e tal. Alguns acham que a Índia deveria se tornar "o escritório do mundo". Sem dúvida, alguns setores de serviços têm um potencial de crescimento de produtividade rápido, particularmente os serviços baseados no conhecimento que mencionei há pouco. Entretanto, trata-se de atividades de serviços que atendem principalmente às empresas industriais, de modo que é muito difícil desenvolver esses segmentos sem primeiro desenvolver uma forte base industrial. Acrescenta o problema do balanço de pagamentos.


79 - Mesmo países tradicionalmente associados aos serviços possuem, em verdade, produção industrial per capita altíssima. Exemplos: Suíça e Cingapura.



Pgs. 89-95


"CAPÍTULO 10: "Os Estados Unidos não têm o padrão de vida mais elevado do mundo"


80 - EUA possuem mais disponibilidade sobre a renda, digamos. Ainda assim, isso é relativo: a elevada desigualdade também está por trás dos indicadores de saúde mais insatisfatórios e das estatísticas de crime mais desfavoráveis dos EUA. (...) Além disso, o mesmo dólar compra mais coisas nos EUA do que na maioria dos outros países ricos principalmente porque nos EUA os serviços são mais baratos do que em qualquer outro país semelhante, graças ao maior número de imigração e péssimas condições de trabalhoAlém do mais, os americanos trabalham um número bem maior de horas do que os europeusConsiderando-se a hora trabalhada, o comando deles sobre os produtos e os serviços é menor do que o de vários países europeus.


81 - No início do século XIX, a renda per capita dos EUA ainda se situava apenas em torno da média europeia e era mais ou menos 50% mais baixa do que a da Inglaterra e a da Holanda. No entanto, mesmo assim os europeus pobres queriam se mudar para lá porque o país tinha um suprimento de terra quase ilimitado (bem, se você estivesse disposto a expulsar do local alguns índios americanos) e uma intensa escassez de mão de obra, o que significava que os salários eram de três a quatro vezes mais elevados do que os da Europa. O mais importante é que a ausência do legado feudal significava que o país tinha uma mobilidade social muito mais elevada do que a dos países do Velho Mundo, como é proclamado na ideia do sonho americano.


82 - Imagem de que as pessoas nos EUA vivem melhor que na Noruega, por exemplo: Uma das razões pelas quais temos essa impressão é o fato de os EUA terem uma desigualdade muito maior do que a dos países europeus, aparentando, portanto, serem mais prósperos para os visitantes estrangeiros do que realmente são, já que os visitantes estrangeiros em qualquer país raramente chegam a ver as partes carentes, as quais, nos EUA, são muito mais numerosas do que na Europa. A imigração maior também gera serviços mais baratos nos EUA. Aumenta o poder de compra pelo preço do trabalho simples, digamos, ser menor. O câmbio envolve produtos e serviços negociáveis internacionalmente (e algum grau variável de especulação), o que nem sempre reflete os movimentos da economia real.


83 - Enfim, o PPC (PPP), ao menos na época do livro, mudava as coisas favoravelmente aos EUA: O resultado de converter a renda de diferentes países no dólar internacional é que a renda dos países ricos tende a se tornar mais baixa do que a sua renda na taxa de câmbio do mercado, enquanto a dos países pobres tende a se tornar mais elevada. Isso acontece porque grande parte do que consumimos são serviços, que são muito mais caros nos países ricos. (...) De acordo com dados do Banco Mundial, a renda dos EUA segundo a taxa de câmbio do mercado dos EUA foi de 46.040 dólares em 2007, enquanto a sua renda de PPC foi mais ou menos a mesma, 45.850 dólares. No caso da Alemanha, a diferença entre as duas foi maior, de 38.860 dólares versus 33.820 dólares (uma diferença de 15%, por assim dizer, embora não possamos realmente comparar os dois valores tão diretamente). No caso da Dinamarca, a diferença chegou a quase 50% (54.910 dólares versus 36.740 dólares).


84 - Entretanto, o cálculo da taxa de câmbio de cada moeda com o dólar internacional (fictício) não é uma questão fácil e objetiva, em grande parte porque temos que pressupor que todos os países consomem a mesma cesta de produtos e serviços, o que evidentemente não é o caso. Isso torna as rendas da PPC extremamente sensíveis às metodologias e às informações utilizadas. Por exemplo, quando o Banco Mundial alterou o seu método de estimar as rendas de PPC em 2007, a renda per capita da China caiu em 44% (de 7.740 dólares para 5.370 dólares), ao passo que a de Cingapura subiu 53% (de 31.710 dólares para 48.520 dólares) da noite para o dia. Apesar desses limites, Chang elogia o PPC/PPP em relação à comparação por câmbio normal.


85 - Os EUA estão classificados apenas por volta do trigésimo lugar no mundo em estatísticas de saúde como a expectativa de vida e a mortalidade infantil (é bem verdade que a ineficiência do sistema de saúde americano contribui para isso, mas não vamos entrar nesse assunto). Cita ainda a criminalidade bem maior. Segundo, o fato de a sua renda da PPC ser mais ou menos a mesma que a sua renda da taxa de câmbio do mercado é uma prova de que o elevado padrão de vida dos EUA se baseia na pobreza de muitos.


86 - Como têm muito menos estabilidade no emprego e uma assistência social muito mais fraca, os trabalhadores americanos, especialmente os não sindicalizados do setor de serviços, trabalham por salários mais baixos e em condições inferiores do que os seus equivalentes europeus. É por esse motivo que coisas como corridas de táxi e refeições em restaurantes são tão mais baratas nos EUA do que em outros países ricos. Isso é ótimo quando você é o cliente, mas não é tão bom se você for o motorista de táxi ou o garçom ou a garçonete


87 - Lembra que, em produtividade por hora, os EUA "perdem" para diversos países europeus. O mais importante é que o fato de os cidadãos de um país trabalharem mais tempo do que outros em países equiparáveis não significa necessariamente que eles gostem de trabalhar mais horas. Eles podem se ver obrigados a trabalhar muitas horas, mesmo que na realidade desejem ter férias mais longasComo ressaltei há pouco, o tempo que uma pessoa trabalha é afetado não apenas pelas suas preferências com relação ao equilíbrio entre o trabalho e o lazer, mas também por coisas como a provisão para o bem-estar social, a proteção dos direitos do trabalhador e a força sindical. Leis trabalhistas frouxas e etc.


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