Livro: Fabio Giambiagi... - Economia Brasileira Contemporânea (1945-2010) - Capítulo 3
Livro: Fabio Giambiagi... - Economia Brasileira Contemporânea (1945-2010)
Pgs. 67-90
"CAPÍTULO 3: "Reformas, Endividamento Externo e o “Milagre” Econômico (1964-1973)"
67 - Escrito por Jennifer Hermann. Foi a época de Bulhões e Campos: Os ministros estabeleceram o combate gradual à inflação, a expansão das exportações e a retomada do crescimento como principais objetivos da política econômica. O último deles foi deixado mais para o período pós-1967.
68 - O Paeg visava, com reformas e política monetária restritiva, combater a estagflação verificada em 1963. Ponto um era frear os déficits governamentais e pressões salariais. O ajuste fiscal viria, então, nas duas pontas.
69 - ...A ideia, porém, era não frear a atividade econômica em demasia. As metas do Paeg para a inflação indicavam uma estratégia assumidamente gradualista. O Plano não se propôs a eliminar o processo inflacionário em curto espaço de tempo, mas apenas a atenuá-lo ao longo de três anos, admitindo ainda uma inflação de dois dígitos (10%) no terceiro ano. Apesar do valor nominal elevado, a expansão monetária real prevista era nula em 1964 e tímida nos dois anos seguintes.
70 - Preços defasados: A correção das tarifas públicas e da taxa de câmbio era apontada como uma medida duplamente necessária, pois, além de eliminar (ou atenuar) as distorções de preços relativos, contribuiria também, respectivamente, para o ajuste fiscal e para o ajuste do balanço de pagamentos.
71 - O regime militar precisava se legitimar perante os apoiadores e, para isso, quis evitar ajustes drásticos. Nos governos Castello Branco e Costa e Silva, em particular, predominou a visão de que era possível conciliar taxas razoáveis de crescimento do PIB com o combate gradual à inflação. A “mágica” dessa conciliação seria feita pela correção monetária. Somente duas décadas mais tarde o governo (e toda a sociedade) começaria a se dar conta da contradição inerente a esse modelo de estabilização, no qual um dos remédios — a correção monetária — tinha também o efeito de reproduzir a própria doença.
72 - A principal reforma no mercado de trabalho foi a queda da estabilidade em 1964, com o surgimento compensatório do FGTS. Não havia dados de emprego/desemprego na época, para avaliar os impactos. Quanto à tributária, meio que já fichei os principais aspectos no livro anterior a esse (Gambiagi e Além - Finanças Públicas). Carga tributária subiu de 16 para 21% do PIB. Acréscimo devido principalmente aos impostos indiretos, mais fáceis de arrecadar. Teve caráter centralizador, nas mãos da União, e "cagou" para o princípio da anualidade/anterioridade. Dificilmente uma reforma regressiva e centralizadora como a de 1964-67 teria sido aprovada pelo Congresso e aceita sem resistências pela sociedade em um regime democrático.
73 - ...Por fim, a "financeira": As reformas de 1964-67 tiveram por objetivo explícito complementar o SFB, constituindo um segmento privado de longo prazo no Brasil. A carência dessas instituições e instrumentos tinha ficado patente durante o Plano de Metas, cujo financiamento teve como fontes predominantes a emissão de moeda, algumas fontes fiscais ou parafiscais e o capital externo. A precariedade daquele segmento do SFB determinava ainda que a emissão de moeda se tornasse uma fonte de financiamento inflacionária, na medida em que os recursos novos criados pelo governo não retornavam ao sistema sob a forma de poupança financeira, mas, sim, de depósitos à vista (disponíveis para gasto imediato). Surgem, também, o BACEN e o CMN.
74 - ... Quanto à captação de longo prazo, o diagnóstico era de que tanto a geração, quanto a alocação de poupança no Brasil eram prejudicadas pelo baixo retorno real dos ativos de longo prazo, em um contexto de inflação crescente e juros nominais limitados (ao teto de 12% ao ano pela Lei da Usura e pela Cláusula Ouro (que impedia a indexação de contratos).
75 - ...Assim ficou o quadro geral:
76 - ..Surgem os títulos que protegiam da inflação. ORTN e afins. A intenção original era, realmente, que esses mecanismos de proteção fossem temporários. No entanto, a resistência da inflação em níveis de dois dígitos nos anos 1960-70 e seu “salto” para três e, depois, quatro dígitos nas décadas de 1980-90 (apesar de diversas tentativas de estabilização até 1994), acabaram por estender a vigência do principal deles — a correção monetária — até 1995. A partir de 1965, boa parte do déficit passava a ser financiado pela dívida pública interna. Surgia esse mercado então.
77 - O governo facilitou ainda a captação de recursos externos pelas empresas e brancos privados e flexibilizou totalmente a lei de remessa de lucros. A ideia era usar a poupança externa. Entretanto, apenas 20% do investimento estrangeiro foi realmente para financiar o crescimento. A maioria das divisas ficou acumulada pelo BC na forma de reservas.
78 - Fiscal e indicadores macro:
79 - ...o Paeg não cumpriu as metas estabelecidas: a inflação (IGP) alcançou 92% em 1964, 34% em 1965 e 39% em 1966, quando as metas do Plano eram, respectivamente, 70%, 25% e 10%. O M1 também foi mais oscilante do que se previa (por exemplo, foi negativo em 1964 e 1966, mas superou amplamente a meta em 1965.):
80 - Política salarial: O IBGE e a Fundação Getulio Vargas (antiga responsável pela elaboração das Contas Nacionais do Brasil) não disponibilizam dados oficiais sobre a participação dos salários e lucros no PIB brasileiro para o período de 1961-69 (ver IBGE, Estatísticas do Século XX, Tabela 3 — distribuição). Para indicadores não oficiais, que confirmam a perda real dos salários com o Paeg, ver Resende (1982, pp. 777-80).
81 - Se política fiscal, monetária e salarial eram restritivas, por que a inflação não chegou na meta de 10% que se pretendia? ...o sucesso do Plano foi parcialmente comprometido pelos aumentos atribuídos a outros custos básicos — impostos, tarifas públicas, câmbio e juros (este último, devido ao aperto monetário) — e pela criação da correção monetária para ativos e contratos em geral.
82 - O nível adequado da taxa de câmbio real, aliado ao fraco crescimento econômico no biênio 1964-65 (média anual de 2,9%), permitiu o aumento dos saldos comerciais, explicado tanto pela expansão das exportações (24% acumulados no período de 1964-66), quanto pela retração das importações (27% no biênio 1964- 65). No que concerne à balança de pagamentos, a volta do capital externo, simpático às reformas e ao anticomunismo (isso foi ressaltado por Roberto Campos ao analisar a conjuntura do período), resultou no superávit.
83 - No "milagre", a taxa de investimento continuou a subir, chegando a 20 e poucos % ao final dele. Tudo com a já citada queda da inflação (embora moderada) e de sensível melhora do BP.
84 - Modelo Mundell-Fleming e desequilíbrios externos: ...Em todos eles, o trade off surge na balança comercial e se explica por uma diferença entre a reação das exportações e importações a variações no PIB: as primeiras são, em geral, supostas exógenas e as últimas, endógenas. Assim, à medida que a economia cresce, as importações tendem a crescer também, enquanto as exportações, ceteris paribus, ficam inalteradas, porque elas não têm relação direta com a renda interna, mas sim com a renda externa.
85 - Delfim Netto viria com uma novidade em relação ao período PAEG: o ciclo monetário passava a ser expansivo, mas com controle de preços a fim de frear a inflação. ...A Conep passou a “tabelar” não apenas preços públicos (tarifas, câmbio e juros do crédito público), mas também uma série de preços privados — basicamente, insumos industriais. Os juros cobrados pelos bancos comerciais foram também tabelados pelo Bacen.
86 - O superávit fiscal pôde permanecer porque os investimentos públicos adicionais foram feitos pelas estatais (na época não contava para o resultado fiscal). Ademais, essas empresas tinham melhores condições de auxiliar na implementação do PED (Programa Estratégico de Desenvolvimento), porque, em geral, contavam com outras fontes de financiamento (empréstimos), que não os recursos orçamentários. O investimento público "não-estatal" se manteve no mesmo patamar em relação a 64-67:
87 - Comparada ao período de 1964-67, a fase do “milagre” foi claramente favorecida pela política monetária: em termos reais, os meios de pagamento cresceram a uma taxa média anual de 14% entre 1968 e 1973, ante 5% no período de 1964-67, e o crédito total seguiu a mesma tendência, com crescimento real médio de 17% ao ano entre 1968-73, ante 5% no período anterior (Tabela 3.3). Esse crescimento, vale notar, foi concentrado no crédito ao setor privado (25% no “milagre”, contra 7% antes), já que a manutenção do ajuste fiscal reduziu a absorção de recursos pelo setor público. (...) Quanto ao trade off da Curva de Phillips, quatro fatores atuaram para conter a tendência ao aumento da inflação: (1) a capacidade ociosa da economia, herdada do período de fraco crescimento (1962-67); (2) o controle direto do governo sobre preços industriais e juros; (3) a política salarial em vigor, que, em geral, resultou em queda dos salários reais; e (4) a política agrícola implementada, que contribuiu para expandir a produção e evitar pressões inflacionárias no setor, através de financiamentos públicos subsidiados e de isenções fiscais para a compra de fertilizantes e tratores.
88 - Sobre o câmbio...: Apesar da política de minidesvalorizações cambiais adotada a partir de 1968, as defasagens entre as correções cambiais e a inflação, especialmente entre 1970 e 1973, evitaram que o câmbio se tornasse uma fonte autônoma de pressão inflacionária. Isso contribuiu para conter a inflação de custos que ameaçava a economia, à medida que aumentava o grau de utilização da capacidade existente (que chegou a 90% em 1973). Ironicamente, a desvalorização controlada era até "boa" para o gringo: ...os ajustes contínuos da taxa de câmbio evitavam expectativas de grandes desvalorizações à frente, o que favorecia o retorno real esperado dos empréstimos externos concedidos às empresas e bancos brasileiros.
89 - Quanto ao dilema entre crescimento e equilíbrio externo, a solução do problema foi facilitada por uma combinação de condições favoráveis: (1) a disponibilidade de liquidez a juros baixos no mercado externo, aliada à já mencionada “boa vontade” dos Estados Unidos para com o Brasil; (2) a posição favorável dos termos de troca, diante do aumento dos preços das commodities exportáveis; e (3) a expansão do comércio mundial.
90 - ...Assim, a forte expansão econômica em 1968-73 no Brasil refletiu também a forte entrada de capital no país: os investimentos externos diretos (aqueles aplicados diretamente à produção de bens e serviços) e os empréstimos em moeda cresceram continuamente no período (exceto em 1972, no primeiro caso, e em 1973, no segundo). Esses recursos foram os grandes responsáveis pelo “milagre” brasileiro em relação ao BP, já que a tendência à deterioração das contas externas, sugerida nos modelos teóricos, foi confirmada para a conta de transações correntes. (...) As exportações e importações também cresceram vigorosamente no período de 1968-73, a taxas acumuladas de, respectivamente, 275% e 330%. O crescimento das exportações foi liderado pelos bens manufaturados. (...) A moderada valorização real do câmbio no período de 1970-73 estimulou também a importação de bens já produzidos no Brasil.
91 - A dívida externa bruta disparou, mas as reservas internacionais também. Sem contar o crescimento recorde da economia.
92 - ...Ao longo desse período, os objetivos da política econômica foram os mesmos: combate à inflação, promoção do crescimento econômico e melhora das contas externas, através do aumento das exportações e da substituição de importações.
93 - Nas conclusões, coloca que o êxito do PAEG foi parcial, por não ter debelado completamente a inflação nem solucionado o BP. Essas conquistas só viriam com o PED. A parte ruim da herança pós-1973: a correção monetária, com seus efeitos perversos sobre a dinâmica dos preços; e o aumento da dependência externa do país, em dois setores: industrial (bens de capital, petróleo e seus derivados) e financeiro, este como reflexo da política de endividamento.
.
Comentários
Postar um comentário