Livro: Fabio Giambiagi... - Economia Brasileira Contemporânea (1945-2010) - Capítulo 4

                                                                                                         

Livro: Fabio Giambiagi... - Economia Brasileira Contemporânea (1945-2010)



Pgs. 91-114


"CAPÍTULO 4: "Auge e Declínio do Modelo de Crescimento com Endividamento: O II PND e a Crise da Dívida Externa (1974-1984)"


94 - Mais um capítulo escrito por Jennifer Hermann.


95 - Já início do governo Figueiredo: No biênio 1979-80, manteve-se o crescimento vigoroso (8,0% ao ano), mas o forte aumento da inflação e a deterioração das contas públicas e externas já sinalizavam o esgotamento do modelo de crescimento do II PND.


96 - Relembra a parte complicada da herança do "milagre": O forte crescimento das importações resultou, em grande parte, das mudanças estruturais associadas ao perfil de crescimento do período: um crescimento liderado pelo setor industrial e, neste, pelos bens de consumo duráveis, o que ampliou a dependência externa da economia em relação a bens de capital. E também a dependência em relação ao petróleo, no que tange à energia:



97 -  Paralelamente, o aumento da dívida externa ampliou a dependência e a vulnerabilidade financeira externa da economia. Para cumprir os encargos da dívida é necessário: gerar superávits comerciais, para compensar (total ou parcialmente) as despesas financeiras, controlando, assim, os déficits em conta corrente; e/ ou captar novos recursos no mercado externo, refinanciando a dívida, de modo a compensar os déficits correntes com superávits na conta de capital. Nos dois casos, o país torna-se mais dependente do mercado internacional e, portanto, mais vulnerável a seus reveses: a geração de superávits comerciais requer, além de uma política cambial adequada, uma demanda externa em crescimento; a emissão de novas dívidas requer um mercado internacional com disponibilidade de liquidez e receptivo a novas dívidas do país devedor. Num cenário adverso, o crescimento perde impulso (pela baixa da capacidade de importar) e/ou a inflação sai do controle (desvalorização cambial para exportar e gerar divisas, por exemplo).


98 - O I Choque do Petróleo começaria a desencadear o mecanismo "mortal" da dívida externa: Nos países industrializados, os efeitos mais imediatos do choque foram o aumento dos juros (já em 1974) e a contração da atividade econômica (no biênio 1974-75)Isso comprimiu ainda mais a capacidade de importar dos países em desenvolvimento, já atingidos pela deterioração dos termos de troca (relação entre preços das exportações e importações), resultante do choque do petróleo, porque a recessão nos países industrializados dificultava o aumento das receitas de exportação.


99 - ...No Brasil, a balança comercial começa a apresentar substancial déficit e o crescimento, que vinha nos dois dígitos, cai a 8% inicialmente. Entretanto, ainda havia a saída de financiar externamente o déficit em razão da parte boa dessa conjuntura: os petrodólares. A partir de 1974, as receitas de exportação dos países membros da OPEP começaram a migrar para os países industrializados, em busca de retorno financeiro. O ingresso de capital estrangeiro nesses países promoveu forte expansão dos recursos à disposição dos bancos locais, estimulando seu “apetite” por investimentos de maior risco, já que, naquele período, a regulamentação financeira impunha “tetos” às taxas de juros das operações domésticas. Assim, os petrodólares acabaram financiando os déficits em conta corrente de países endividados, como o Brasil. Já à época do II Choque, nem isso foi mais possível. Crédito secou. Pra piorar, grande parte da dívida externa fora contratada a taxas flutuantes (revistas a cada seis meses). O choque de juros da Era Volcker elevava e muito as obrigações. Vieram as moratórias latino-americanas, iniciando-se pelo México em 82.


100 - Coloca que, em vez de ajustes conjunturais, Geisel optou por uma mudança estrutural na economia. Intensificar a substituição de importações. Tudo para não fazer um ajuste recessivo. Qualquer que fosse o caminho, ele dependia do “aval” do mercado internacional, seja através da importação de produtos brasileiros ou da oferta adicional de crédito. Como havia crédito para endividamento externo, vieram os grandes investimentos do II PND nos “pontos de estrangulamento”. Além de substituir importações, queria-se remover os entraves de infraestrutura à intensificação das exportações. Havia, ainda, uma poderosa razão interna para tal escolha: o crescimento dos primeiros anos do “milagre” foi facilitado pela utilização da capacidade ociosa então existente, mas, a partir de 1971, a demanda agregada em expansão estimulou novos investimentos privados. Em 1974, grande parte desses investimentos estava incompleta, ou tinha sido recentemente concluída. Uma forte desaceleração econômica naquele momento implicaria riscos e custos elevados para as empresas investidoras, bem como para os bancos envolvidos no financiamento dos novos empreendimentos.


101 - Coloca que financiamento privado (poupança interna) de longo prazo era algo precário - observa-se que continuou sendo até os primeiros anos dos anos 2000. Logo, o crédito externo era o único compatível com o longo prazo de maturação dos grandes investimentos previstos. Também foi usado o BNDE, financiando investimentos privados (juros subsidiados e etc.): No período de 1974-78, a participação dos desembolsos do BNDE na FBCF elevou-se para 8,7%, em média, ante 4,0% entre 1963-73, conforme Monteiro Filha (1995), p. 155.


102 - Inflação em 1974 chegava a 35%, bem acima dos 16% do ano anterior. O crédito continuava frouxo. Em 1976, ainda sob efeito dessa política, o PIB cresceu pouco mais de 10%, mas acendeu-se a “luz amarela” da inflação, que atingiu 46%. O fiscal era equilibrado, desde que se excluísse das contas os investimentos das estatais. Superávit primário e carga tributária estável puderam, assim, continuar.



103 - A política monetária só virou a chave mesmo após o segundo choque do Petróleo:



104 - A dívida pública interna começava a crescer, em virtude da esterilização sob regime de câmbio fixo. Também o déficit nominal/operacional deve ter contribuído (controle das estatísticas fiscais era problemático).



105 - Havia uma tática deliberada de prejudicar o BP no início para colher os frutos dos investimentos depois. Realmente isso aconteceu. Se compensou, já é outra discussão. Não se sabe bem como seria o contrafactual, digamos assim. Mais indicadores:



106 - ...No biênio 1979-80, o aumento do déficit em conta-corrente é explicado, predominantemente, pelo aumento das despesas financeiras (rendas), já que o déficit comercial médio do período é apenas marginalmente superior ao dos anos 1974-78 — o que se explica pelo significativo aumento da taxa de crescimento das exportações (Tabela 4.5); o superávit da conta de capital não é mais suficiente para financiar o elevado déficit em conta-corrente, tornando o BP significativamente deficitário (déficit médio de US$3,3 bilhões). As tendências do BP nesse período refletem os choques externos antes mencionados — o segundo choque do petróleo e o aumento dos juros no mercado financeiro internacional — e prenunciam a crise da dívida, que viria à tona em 1983. As importações caíam pela própria recessão brasileira no período e pelos frutos do programa de substituição.


107 - A partir de 1982, começam a aparecer mais frutos do II PND: ...o crescimento real das exportações torna-se, sistematicamente, superior às taxas de crescimento real do PIB (com a mesma exceção de 1982). Além disso, a composição da pauta de exportações brasileira passou por mudanças importantes a partir do II PND: o peso dos bens básicos nas exportações totais reduziu-se continuamente desde então (de 65% em 1973 para 32% em 1984), sendo essa queda inteiramente compensada pelo aumento do peso relativo dos bens manufaturados (de 23% para 56% no mesmo período).


108 - Coloca que, em 1979, o governo "estatizou" o risco cambial, já que pretendia fazer desvalorizações. Famosa socialização dos prejuízos capitalistas. 


109 - Com o objetivo de domar a inflação, o governo reduziu investimentos públicos a fim de equilibrar o déficit total. Porém, a correção do câmbio e das tarifas (baixas na era Geisel) fizeram um estrago, de qualquer jeito, na inflação, que saltou da média anual de 38% durante o governo Geisel para 93% ao ano em 1979- 80. (...) Em janeiro de 1980, foi adotada a prefixação da correção monetária (que corrigia contratos em geral) em níveis inferiores aos da inflação em curso, visando, sem sucesso, induzir expectativas de queda da inflação. As correções salariais mais frequentes, aliadas à prática generalizada da indexação de contratos, tornaram-se fatores realimentadores do processo inflacionário e da chamada “inflação inercial”.


110 - Período 79/80: No que tange ao BP, porém, o desequilíbrio externo não foi sequer amenizado entre 1979-80, porque: (1) a maxidesvalorização de 1979 não se materializou em desvalorização real do câmbio, porque foi corroída pelo rápido aumento da inflação; (2) apesar do forte crescimento das exportações, o déficit comercial aumentou, puxado pelo aumento dos preços (especialmente do petróleo) e, em 1979 também do quantum das importações; (3) sob o efeito do aumento dos juros internacionais, as despesas com rendas cresceram; (4) os superávits da conta de capital não foram suficientes para cobrir os déficits correntes, tornando o BP deficitário. Com isso, o país registrou significativa perda de reservas internacionais, que passaram de US$12 bilhões em 1978 para US$7 bilhões em 1980, o que, em termos de meses de importação média anual, equivalia a uma queda de 10,4 para 3,6 meses no mesmo período.


111 - Em 1981, o governo finalmente cedeu 100% ao ajuste recessivo. Gerar excedentes no BP vira principal objetivo. Juros reais elevados e restrição monetária. Ainda assim, não fechava as contas externas. Até pelas incertezas trazidas pela moratória mexicana.  ...os juros altos no mercado interno não foram capazes de atrair capital suficiente para cobrir as novas despesas. Assim, as reservas internacionais chegaram a US$ 4,0 bilhões em 1982 (equivalentes a 2,5 meses de importação) e teriam sido ainda menores se o país não tivesse, ao fim desse ano, recorrido a um empréstimo do FMI (Fundo Monetário Internacional), que injetou US$4,2 bilhões na conta de capital. O primeiro acordo de uma série. Significou um aperto ainda maior do freio: Em 1983, a queda real do M1 e do crédito ao setor privado chegou, respectivamente, a 36% e 26%. A política cambial do ministro Delfim também foi reforçada no início de 1983, com nova maxidesvalorização de 30%, que, dessa vez, resultou em desvalorização real. (...) a carga tributária foi elevada em 1983 e os investimentos públicos foram drasticamente cortados, contribuindo para a redução da taxa de investimento da economia para 20% do PIB em 1983, ante 23% em 1982.


112 - A indexação da dívida pública foi uma estratégia crescentemente usada pelo governo para facilitar o financiamento de seus déficits, através da proteção dos rendimentos dos títulos contra a corrosão inflacionária e contra o elevado custo de oportunidade representado por possíveis desvalorizações cambiais. Essa estratégia, iniciada com a criação da correção monetária em 1964, funcionou bem até fins da década de 1970, enquanto a inflação e o câmbio estavam sob controle. No ambiente instável do período de 1981-84, porém, a indexação da dívida tornou-se uma armadilha para o governo: a aceleração da inflação, as correções cambiais, a política de juros altos e, paralelamente, as Resoluções 432 e 230 mantinham o déficit nominal e, portanto, a dívida pública, em crescimento mesmo diante da política fiscal restritiva. (...) A dívida interna subia a cada ano.


113 - A política de ajuste externo de 1981-84, mais uma vez auxiliada pelas mudanças estruturais promovidas pelo II PND, produziu superávits comerciais recordes em 1983 e, principalmente em 1984, explicados, predominantemente, pela variação do quantum de exportações e importações. No primeiro caso, o aumento mais intenso se deu em 1984, como efeito da recuperação da economia mundial. Porém, na conclusão do capítulo, vê-se que o problema estava escamoteado pela boa conjuntura internacional de 84: ...o fato de que o desequilíbrio externo volta a ser um problema já em 1985 atesta a fragilidade do ajuste obtido nos anos 1981-84.


114 - Quanto às contas públicas, apesar da redução do déficit operacional para 3,0% do PIB em 1984, o déficit nominal e a dívida pública interna mantiveram sua trajetória ascendente, alimentados pela inflação, pelas correções cambiais sucessivas, pela política de juros altos, pela proteção dos devedores externos, através das Resoluções 432 e 230, e pelas operações de esterilização do capital externo (nos períodos de superávit do BP), que contribuíam para o aumento do estoque da dívida pública. E mais:  (...) uma solução para o impasse externo e para o crescimento inercial da dívida pública só foi alcançada quando uma renegociação da dívida externa — que envolveu a aceitação de um deságio por parte dos credores — foi, finalmente, obtida em 1994, permitindo a estabilização do câmbio e dos preços no Brasil.


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