Livro: Dalto et al. - Teoria Monetária Moderna - MMT - Capítulo 6 (PARTE II)
Livro: Teoria Monetária Moderna – MMT: a chave para uma economia a serviço das pessoas (2020)
Pgs. 165-182
"CAPÍTULO 6: "(continuação...)"
(...)
102 - Fornecem a seguinte explicação para a estagflação ocorrida durante os choques do petróleo: Por se tratar de um período em que a classe trabalhadora tinha grande poder de barganha e havia aprendido, nas décadas anteriores, a sustentar o valor nominal de seus salários, a alta dos preços foi repassada aos salários, evitando a defasagem em relação aos demais preços. A estagflação é resultado tão somente de uma espiral de preços-salários combinada com políticas de contenção da demanda agregada pelo Estado. Quando o Governo americano percebeu que a taxa de desemprego chegaria aos dois dígitos, interrompeu o corte de gastos de forma a fornecer liquidez tão somente para manter os preços subindo sem uma queda no desemprego. (...) Assim, mesmo em meio a uma recessão, os déficits do Governo americano sustentaram o mark-up, os lucros e os preços. Todavia, a alta dos preços dos bens de consumo, mesmo em um período de recessão, resulta em ações reivindicatórias defensivas dos trabalhadores para proteger o valor real dos salários.
103 - A inflação dos EUA voltou à estabilidade apenas em 1983, com o arrefecimento dos preços do petróleo e a ampla abertura comercial e valorização cambial que levou as firmas a conterem seus preços para enfrentar a concorrência externa. Afirmam também que os salários reais meio que estagnaram. Não citam dados... (Até tenho, depois vou ver).
104 - Alternativas de combate à inflação: (1) a desindexação dos contratos para reduzir a propagação de efeitos inflacionários sobre a economia e (2) políticas de renda, que basicamente se referem a políticas que buscam controlar variações dos preços e salários na fonte. Uma forma de colocar em prática as políticas de renda é pela criação de câmaras de negociação que reuniriam entidades patronais, sindicais e governamentais. Para a proposta de políticas de renda surtir os efeitos desejados, é necessário alto grau de coordenação na sociedade, com a existência de instituições representativas dos diversos grupos sociais que sejam capazes de negociar variações de preços e custos.
105 - Solução do "empregador de última instância": A ideia é que com o Estado garantindo a qualquer indivíduo uma oportunidade de emprego, na prática, isso colocaria um piso salarial efetivo na economia. É provável que tal salário acabe por se tornar a referência para diversos empregos e cargos na iniciativa privada, criando, assim, uma âncora para todos os preços da economia.
106 - ...Por exemplo, caso o Estado mantenha esse salário nominal fixo, por exemplo, espera-se uma grande suavização dos preços. Outra vantagem de tal proposta é que não interfere diretamente sobre os preços da iniciativa privada, deixando os preços relativos livres e evitando escassez localizada de certos bens. A proposta do Estado atuando como empregador em última instância não conflitaria com a utilização de instrumentos tradicionais para controlar a inflação pela gestão da demanda agregada, mas o desemprego não seria mais a variável de ajuste do conflito distributivo.
107 - Teoria convencional (TQM) e hiperinflação: Com o aumento do poder de compra na economia e aumento da inflação, as expectativas dos agentes sobre a inflação futura são alteradas, o que acaba por alimentar ainda mais a espiral de preços. Enquanto as expectativas sobre a inflação estão abaixo do crescimento do estoque de moeda, o Estado ainda é capaz de obter ganhos de senhoriagem. Todavia, no longo prazo, as expectativas sobre a inflação se ajustarão, anulando o ganho de senhoriagem e o único resultado da expansão do déficit público é mais inflação.
108 - ...A MMT reconhece a correlação, mas meio que inverte a causalidade: Aceitando a endogeneidade da moeda é evidente que há relação econométrica forte entre estoque de moeda e mudança do nível de preços. Mas a relação se dá de forma invertida. Como vimos, com a alta contínua dos preços para as atividades produtivas serem mantidas, é necessário a expansão contínua do crédito na economia. É o conflito distributivo. Ninguém quer perder
109 - A demanda por moeda nacional/estatal se dá pela necessidade de pagar tributos. Porém... os agentes sabem que vão poder pagar por bens e serviços e dívidas que tenham com outros agentes privados e não apenas por impostos. Logo, a demanda pela moeda soberana é tanto maior quanto maior for a quantidade de transações econômicas possíveis de serem efetuadas com ela. Por esse motivo, a demanda pode se tornar muito superior ao necessário para apenas pagar tributos, com os agentes decidindo inclusive acumular moeda como riqueza.
110 - Inflação muito alta pode levar ao repúdio à moeda. A demanda pela mesma vai caindo. Ninguém vê vantagem nesse tipo de "liquidez". A alta inflação é um fenômeno prejudicial para a economia. Ela não apenas aumenta a incerteza econômica, com possíveis efeitos negativos sobre os investimentos, como, também, pode comprometer a própria eficácia da política econômica governamental, dependente da generalização do uso da moeda soberana.
111 - ...em 1923, no período de alta inflação da Alemanha, jornais, passagens de trem e salários eram indexados à taxa de câmbio do marco com o dólar americano, com preços variando diariamente, proporcionalmente às variações da taxa de câmbio. Em 1989, na Argentina, algo semelhante ocorreu, com o preço de diversos bens passando a ser indexado à taxa de câmbio do peso com o dólar.
112 - ...Ainda que a inflação possa estar extremamente elevada, a demanda por moeda estatal continuará a existir devido aos tributos. Caso um país chegue numa situação limite de crise em que sua população deixe de quitar seus compromissos não recíprocos, significa que o Estado perdeu sua autoridade legal e, portanto, mais do que uma crise monetária, o que estaríamos observando seria uma crise política de larga dimensão.
113 - Dívida externa e afins: Hiperinflações andam de mãos dadas com crises no balanço de pagamentos e estão umbilicalmente relacionadas à inflação gerada pela interação entre os agentes domésticos e o setor externo. (...) Com acesso limitado ao mercado para financiar as necessidades de capital externo, mas com elevado passivo externo e déficit em transações correntes, toda demanda por divisas se dirige ao mercado interno de divisas. A alta da demanda pressiona a alta da taxa de câmbio que, como vimos, tem impacto direto sobre a inflação. Caso a política econômica esteja comprometida com uma taxa de câmbio fixa, o país rapidamente observará uma forte queda de suas reservas de divisas até o limite em que seja obrigado a abandonar o regime de câmbio fixo.
114 - ...Além do papel das contas externas, outros fatores relacionados podem reforçar o processo inflacionário: gargalos da estrutura produtiva, indexação e expectativas sobre a trajetória da taxa de câmbio.
115 - ...Dependendo das instituições vigentes que regulam os contratos entre os agentes econômicos – caso eles sejam indexados à inflação passada ou à taxa de câmbio, os salários e preços serão reajustados. Além disso, no caso de os choques serem muito fortes, trabalhadores podem demandar reajustes de salários. Logo, a desvalorização cambial, a depender das demais condições vigentes, pode originar uma espiral salário-preço.
116 - ...Problema inercial tem a ver com as expectativas também: ...a própria expectativa de aumento de custos – sobretudo por reivindicações salariais, aumento dos custos de insumos importados e custos financeiros – causada pela inflação passada já leva ao reajuste dos preços no presente de forma antecipada à inflação futura.
117 - ...Antecipando variações da inflação, as empresas adotam uma atitude defensiva por meio da elevação dos mark-ups e pela formação de maiores estoques (podendo incluir insumos a divisas). (...) Quando a inflação é muito elevada, o risco de perda de mercado pela alta dos preços além da média do mercado (risco de renda) é menor do que o risco de liquidez por conta da perda do poder de compra (risco de capital).
118 - ...Num quadro como esse, é comum que o Estado adote políticas contracionistas buscando conter a inflação. É possível, no entanto, que suas ações apenas levem a uma queda do produto agregado e aumento do desemprego, sem efeitos sobre a queda da inflação. Isso porque o que motiva alta da inflação, em última instância, é o efeito das desvalorizações cambiais recorrentes sobre os custos e preços domésticos que leva os grupos sociais na economia a buscar preservar a renda real observada antes do choque externo.
119 - ...O Estado pode decidir salvar as empresas endividadas por meio da absorção da dívida externa em seu próprio balanço, como foi feito no Brasil durante a segunda metade dos anos 1970 e início dos anos 1980. Isso, obviamente, não resolve o problema inflacionário.
120 - ...Caso a dívida externa seja grande, num quadro de insuficiência de divisas e de acesso aos mercados financeiros externos, a expectativa vigente na economia é de que a depreciação cambial deverá continuar. Por esse motivo, com a injeção endógena contínua de moeda na economia, agentes que demandarão divisas no futuro e especuladores passam a comprar divisas no presente, transformando a desvalorização da moeda doméstica numa profecia autorrealizável. A ação desses agentes no mercado de divisas dá origem à espiral câmbio-preço que reforça, por sua vez, a espiral salário-preço.
121 - ...A hiperinflação seria, então, uma situação em que os agentes deixam de considerar até mesmo a indexação como mecanismo efetivo de proteção para as rendas reais e passam a reajustar preços segundo suas expectativas de inflação. Com isso, a hiperinflação se torna uma profecia autorrealizável, num processo explosivo que pode levar à completa perda de soberania monetária (e de Estado praticamente), default da dívida externa ou recuperação ao acesso aos mercados externos. A última opção, normalmente, é acompanhada da imposição de forte programa de austeridade para a geração de saldos positivos nas transações correntes para o pagamento da dívida.
122 - Para combater o desequilíbrio externo, em 1979, o Governo realizou uma maxidesvalorização de 30% buscando ampliar as exportações. Em seguida, indexou a própria taxa de câmbio à taxa de inflação, com o intuito de manter as exportações competitivas e o saldo comercial positivo. Somado a isso, o Governo adotou uma política econômica restritiva da demanda doméstica para reduzir as importações. Colocam, porém, que em 1982, a moratória mexicana gerou nova onda de desconfiança e escassez de liquidez para a América Latina.
123 - ...Nesse cenário desesperador, garantir as exportações era tudo. Logo no início de 1983, o Governo realizou uma maxidesvalorização da taxa de câmbio e adotou uma política de minidesvalorizações sem desconto da inflação externa ao longo de toda a década de 1980. (...) Com a maxidesvalorização e a contínua desvalorização cambial para manter as exportações competitivas, os mecanismos que dão origem às espirais câmbio-preço e salário-preço explicados anteriormente entraram em ação.
124 - A aceleração inflacionária promoveu a moeda indexada como forma de proteger a riqueza financeira das desvalorizações de ativos causada pela inflação alta. Os bancos passaram a oferecer depósitos com correção monetária que, por sua vez, eram aplicados em títulos públicos, também indexados. Como era de se esperar, o Estado garantia a riqueza líquida privada com o seu próprio endividamento – o único que não tem risco de default.
125 - No início dos anos 90, a âncora cambial ganha novamente condições para prosperar: Essa volta dos fluxos de capitais estrangeiros para o país deu condições para o Brasil implementar o Plano Real em 1994.
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