Livro: Kahneman - Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar - Capítulos 25 e 26

                                                                        

Livro: David Kahneman - Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar (2011)



PARTE 4 - ESCOLHAS 



Pgs. 188-194


"CAPÍTULO 25: "OS ERROS DE BERNOULLI"


300 - Para um psicólogo, é evidente que as pessoas não são nem completamente racionais, nem completamente egoístas, e que seus gostos podem ser tudo, menos estáveis. Nossas duas disciplinas pareciam estar estudando diferentes espécies, que o economista comportamental Richard Thaler depois batizou de Econs e Humanos.


301 - Durante os cinco primeiros anos que passamos observando como as pessoas tomam decisões, determinamos um punhado de fatos sobre escolhas entre opções de risco. Diversos desses fatos estavam em direta contradição com a teoria da utilidade esperada. Alguns haviam sido observados antes, outros eram novos. Então elaboramos uma teoria que modificou a teoria da utilidade esperada apenas o suficiente para explicar nossa compilação de observações. Essa era a teoria da perspectiva (prospect theory).


302 - Bernoulli e a função logarítimica: A ideia é que um aumento de 30% possa evocar uma reação psicológica razoavelmente similar para ricos e pobres, coisa que um aumento de 100 dólares não fará. Como na lei de Fechner, a reação psicológica para uma mudança de riqueza é inversamente proporcional à quantidade inicial de riqueza, levando à conclusão de que a utilidade é uma função logarítmica da riqueza. Se essa função está correta, a mesma distância psicológica separa 100 mil dólares de 1 milhão, e 10 milhões de 100 milhões de dólares.


303 - Bernoulli mudou o modo como os matemáticos viam as coisas: "80% de chance de ganhar cem dólares e 20% de chance de ganhar dez dólares é 82 dólares (0,8 x 100 + 0,2 x 10)." (...) Agora faça a si mesmo esta pergunta: O que você preferiria ganhar de presente, essa aposta ou oitenta dólares com certeza? Quase todo mundo prefere a coisa segura. Se as pessoas valorizassem perspectivas incertas pelo seu valor esperado, iriam preferir a aposta, pois 82 dólares é mais do que oitenta dólares. Bernoulli ressaltou que as pessoas na verdade não avaliam apostas dessa maneira. (...) na prática pagando um ágio para evitar a incerteza.


304 -  O valor psicológico de uma aposta é desse modo não a média ponderada de seus possíveis efeitos monetários; é a média das utilidades desses efeitos, cada uma ponderada segundo sua probabilidade. Bernoulli calculou, por exemplo, a seguinte função de utilidade para ir do milhão a dez milhões em sua época (não sei o quanto bate bem com os valores de hoje): 




305 - ...O insight de Bernoulli foi que um tomador de decisão com utilidade marginal decrescente da riqueza será avesso ao risco.


306 - Sua função de utilidade explicou por que gente pobre compra seguros e por que gente mais rica os vende para elas. Como você pode ver na tabela, a perda de um milhão causa uma perda de 4 pontos de utilidade (de cem a 96) para alguém que possui 10 milhões e uma perda muito maior de 18 pontos (de 48 a trinta) para alguém que começa com 3 milhões. O homem mais pobre de bom grado pagará um ágio para transferir o risco para o mais rico, e é disso que se trata um seguro. Bernoulli ofereceu também uma solução para o famoso “paradoxo de São Petersburgo".


307 - O que Bernoulli, mesmo com uma contribuição brilhante, ignora? Que uma riqueza de cinco milhões pode ter significado bem diferente pra cada pessoa (cada um tem sua escala), logo, não dá pra prever assim, só com os dados da escala "objetiva", o valor pessoal esperado. Cinco milhões para duas pessoas: A felicidade que Jack e Jill vivenciam é determinada pela mudança recente em sua riqueza, relativa aos diferentes estados de riqueza que definem seus pontos de referência (um milhão para Jack, 9 milhões para Jill). (...) Essa dependência da referência é onipresente na sensação e na percepção. O mesmo som será sentido como muito alto ou bem fraco, dependendo de ter sido precedido por um sussurro ou um rugido. (...) você precisa saber a referência antes de ser capaz de predizer a utilidade de uma quantidade de riqueza.


308 - Exemplifica:




309 - O modelo dele poderia explicar a aversão ao risco de Anthony, mas não pode explicar a preferência por busca de risco para a aposta, comportamento muitas vezes observado em empresários e generais quando todas as suas opções são ruins.



Pgs. 195-202


"CAPÍTULO 26: "TEORIA DA PERSPECTIVA"


310 - As origens (como quase sempre, veio de conversas entre ele e Amos): ...Ele recordou que o economista Harry Markowitz, que mais tarde receberia o Prêmio Nobel de Economia por seu trabalho sobre finanças, havia proposto uma teoria em que utilidades eram mais ligadas a mudanças de riqueza do que a estados de riqueza. A ideia de Markowitz estivera circulando por um quarto de século e não atraíra muita atenção, mas rapidamente concluímos que era assim mesmo, e que a teoria que estávamos planejando desenvolver definiria os resultados como ganhos e perdas, não como estados de riqueza.


311 - Amos e ele perceberam que a aversão à perda pode falar mais alto que a aversão ao risco em alguns casos.



312 - Ponha três tigelas de água na sua frente. Ponha água gelada na tigela da esquerda e água morna na tigela da direita. A água na tigela do meio deve estar em temperatura ambiente. Mergulhe suas mãos na água fria e na quente por cerca de um minuto, depois mergulhe ambas na tigela do meio. Você vai experimentar a mesma temperatura como quente em uma mão e fria na outra. Para resultados financeiros, o ponto de referência usual é o status quo, mas também pode ser o resultado que você espera, ou talvez o resultado ao qual se sente no direito, por exemplo, o aumento ou o bônus que seus colegas estão recebendo. Resultados que são melhores do que os pontos de referência são ganhos. Abaixo do ponto de referência eles são perdas.


313 - Princípio da sensibilidade: a diferença subjetiva entre novecentos dólares e mil dólares é muito menor do que a diferença entre cem dólares e duzentos dólares. E o terceiro princípio é a aversão à perda. Vê origem disso na teoria evolutiva. Supostamente, organismos que tratam ameaças como mais urgentes do que as oportunidades têm uma melhor chance de sobreviver e se reproduzir.


314 - ...O gráfico mostra o valor psicológico de ganhos e perdas, que são os “portadores” de valor na teoria da perspectiva (ao contrário do modelo de Bernoulli, em que estados de riqueza são os portadores de valor). O gráfico tem duas partes distintas, à direita e à esquerda de um ponto de referência neutro. Uma característica proeminente é a de ser em forma de S, o que representa sensibilidade decrescente tanto para ganhos como para perdas. Finalmente, as duas curvas do S não são simétricas. A inclinação da função muda abruptamente no ponto de referência: a reação às perdas é mais forte do que a reação aos ganhos correspondentes. Isso é aversão à perda.



315 - A aversão à perda parece bem forte (eu, por exemplo, talvez topasse essa aposta aí abaixo, mesmo sendo uma jogada):



316 - ...você provavelmente não gosta da ideia — como a maioria das pessoas. A rejeição dessa aposta é uma ação do Sistema 2, mas os inputs críticos são reações emocionais geradas pelo Sistema 1. Para a maioria das pessoas, o medo de perder cem dólares é mais intenso do que a esperança de ganhar 150 dólares.


317 - Quando participantes em um experimento foram instruídos a “pensar como um investidor”, mostraram-se menos avessos à perda e a reação emocional deles às perdas (medida por um índice fisiológico de excitação emocional) foi acentuadamente reduzida.


318 - Aversão à perda varia com o impacto pessoal:  Todas as apostas estão suspensas, é claro, se a perda possível é potencialmente ruinosa, ou se o seu estilo de vida é ameaçado. O coeficiente de aversão à perda é muito grande em tais casos e pode até ser infinito — há riscos que você não vai aceitar, independentemente de quantos milhões possa se candidatar a ganhar se tiver sorte.


319 - A maioria dos alunos de economia já ouviu falar sobre teoria da perspectiva e aversão à perda, mas é pouco provável que você encontre esses termos no índice de um texto introdutório sobre economia. Essa omissão às vezes me deixa aflito, mas na verdade é bastante razoável, devido ao papel central da racionalidade na teoria econômica básica. Os conceitos e resultados clássicos que são ensinados aos alunos podem ser explicados com mais facilidade presumindo-se que os Econs não cometem erros tolos.


320 - Os Humanos descritos pela teoria da perspectiva são guiados pelo impacto emocional imediato de ganhos e perdas, não por perspectivas de longo prazo de riqueza e utilidade global.


321 - Passa a colocar os defeitos da própria teoria da perspectiva, a qual não consegue lidar bem com situações de decepção ou arrependimento. 



322 - A teoria da perspectiva foi aceita por muitos estudiosos não porque é “verdadeira”, mas porque os conceitos que ela agregou à teoria da utilidade, notadamente o ponto de referência e a aversão à perda, valeram o trabalho; eles produziram novas previsões que se revelaram verdadeiras. Tivemos sorte.


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