Livro: Kahneman - Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar - Capítulos 27 e 28
Livro: David Kahneman - Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar (2011)
Pgs. 203-210
"CAPÍTULO 27: "O EFEITO DOTAÇÃO"
323 - O que está faltando na figura 1 é uma indicação da renda e tempo de lazer atuais do indivíduo. Se você é um empregado assalariado, os termos em que está empregado determinam um salário e um número de dias de férias, que é um ponto no mapa. Esse é o seu ponto de referência, seu status quo, mas a figura não o mostra. (Ao que entendi, é como se a curva fosse necessariamente mudando a partir do ponto em que a pessoa "caminha". De certa forma, deve rolar um tanto de efeito ancoragem nessas coisas todas).
324 - ...Em negociações trabalhistas, fica bem entendido por ambas as partes que o ponto de referência é o contrato existente e que as negociações irão focar em reivindicações mútuas por concessões relativas a esse ponto de referência. (...) Deve ter notado também que as desvantagens assomavam como maiores do que as vantagens nessa avaliação — era a aversão à perda em funcionamento. É difícil aceitar mudanças para pior. Por exemplo, o menor salário que trabalhadores desempregados aceitariam por um novo emprego é em média 90% de seu salário anterior, e cai para menos de 10% por um período de um ano.
325 - Você assumindo uma nova posição na suposta curva de indiferença faz com que passe a valorar de forma diferente opções que anteriormente eram vistas como igualmente interessantes:
326 - ...Primeiro, gostos não são fixos; eles variam com o ponto de referência. Segundo, as desvantagens de uma mudança assomam como maiores do que suas vantagens, induzindo um viés que favorece o status quo.
327 - A teoria econômica padrão não explica ou não explicava muita coisa. Exemplifica com ingresso de show esgotado que passa a ser disputado por "ricos", digamos assim (não ficou claro se o exemplo vem de alguma pesquisa): ...Seu preço de venda mais baixo é acima de 3 mil dólares e seu preço de compra máximo é quinhentos dólares. Esse é um exemplo de um efeito dotação, e um adepto da teoria econômica padrão ficaria perplexo com isso. Thaler procurava uma explicação para enigmas como esse. Depois que o cara comprou ele não quer vender mais, mesmo com ofertas bem acima do máximo que ele estava disposto a pagar. Aversão à perda forte, certamente.
328 - Sim, há estudos...: O economista Alan Krueger relatou um estudo que ele conduziu em uma ocasião em que levou seu pai ao Super Bowl: “Perguntamos aos torcedores que ganharam o direito de comprar um par de bilhetes por 325 dólares ou 400 dólares cada em uma loteria se eles estariam dispostos a pagar 3 mil dólares por um bilhete se tivessem perdido na loteria e se venderiam seus bilhetes se alguém lhe oferecesse 3 mil dólares por cada um. Noventa e quatro por cento disseram que não teriam comprado por 3 mil dólares e 92% disseram que não teriam vendido por esse preço.” Ele conclui que “a racionalidade é um item em falta no Super Bowl.” Alan B. Krueger, “Supply and Demand: An Economist Goes to the Super Bowl”, Milken Institute Review: A Journal of Economic Policy 3 (2001): 22-29. "Agora que é meu"... Vem a dor de abrir mão do bem, no preço, que é maior ou bem maior que a satisfação de ter o mesmo bem. Teoria da perspectiva total aqui.
329 - Estritamente falando, a aversão à perda se refere a prazer e dor antecipados, o que determina as escolhas. Essas antecipações podem ser equivocadas em alguns casos. Deborah A. Kermer et al., “Loss Aversion Is an Affective Forecasting Error”, Psychological Science 17 (2006): 649-53.
330 - O ponto de partida para nossa investigação foi que o efeito dotação não é universal. Se alguém lhe pede para trocar uma nota de cinco dólares por cinco de um, você entrega as cinco sem nenhuma sensação de perda. Bens mantidos para troca não geram essa sensação, mas apenas os mantidos para uso: Seu tempo de lazer e o padrão de vida que sua renda sustenta também não são destinados à venda ou troca.
331 - Fizeram um experimento que notaram um efeito dotação imenso ao ter vendedores (metade do grupo) se negando a vender uma mera caneca bonita da universidade (...uma relutância que pode ser vista em bebês que se agarram ferozmente a um brinquedo e mostram grande agitação quando alguém o tira deles. A aversão à perda está incorporada às avaliações automáticas do Sistema 1). Num dos experimentos, "escolhedores" podiam optar entre o bem ou uma soma em dinheiro pela qual ficariam com ela. Resultados:
332 - A proporção é muito próxima do coeficiente de aversão à perda em uma escolha arriscada, como podemos esperar se a mesma função de valor para ganhos e perdas de dinheiro for aplicada tanto para as decisões sem risco como para as arriscadas. Uma proporção de cerca de 2:1 apareceu em estudos de diversos domínios econômicos, incluindo a reação de famílias a mudanças de preço.
333 - Hehe, que loucura: O experimento das canecas permanece como a demonstração padrão do efeito dotação, junto com um experimento ainda mais simples que Jack Knetsch relatou mais ou menos nessa mesma época. Knetsch pediu a duas classes para preencher um questionário e recompensou-as com um prêmio que ficou na frente dos alunos enquanto durou o experimento. Em uma sessão, o prêmio era uma caneta cara; em outra, uma barra de chocolate suíço. No fim da aula, o pesquisador mostrava o presente alternativo e permitia que todo mundo trocasse seu prêmio por outro. Apenas cerca de 10% dos participantes optaram por trocar seu presente. A maioria dos que haviam recebido a caneta ficaram com a caneta, e os que haviam recebido o chocolate tampouco tomaram qualquer iniciativa.
334 - Nenhum efeito dotação é esperado quando os donos veem seus bens como portadores de valor para futuras permutas, uma atitude disseminada no comércio rotineiro e nos mercados financeiros. O economista experimental John List, que estudou negociações em convenções de cartões de beisebol, percebeu que negociantes novatos relutavam em se desfazer dos cartões que possuíam, mas que essa relutância acabava desaparecendo com a experiência de negociar. Mais surpreendente, List descobriu um amplo efeito da experiência de negociar sobre o efeito dotação para novos bens.
335 - List fez um experimento parecido com o da caneta e chocolate suiço. Só que, ao que entendi, havia um grupo de experientes negociantes nele. Numa exata reprodução do experimento anterior de Jack Knetsch, List descobriu que apenas 18% dos inexperientes negociantes estavam dispostos a permutar seu presente pelo outro. Em um nítido contraste, os negociantes experientes não deram mostra alguma de efeito dotação: 48% deles fez negócio! (...) Negociadores veteranos aprenderam aparentemente a fazer a pergunta certa, qual seja: “Até que ponto quero ter esta caneca, em comparação com outras coisas que eu poderia ter em lugar dela?” Essa é a pergunta que se fazem os Econs, e com essa pergunta não há qualquer efeito dotação, pois a assimetria entre o prazer de ter e a dor de abrir mão é irrelevante.
336 - Jack Knetsch também conduziu experimentos em que manipulações sutis faziam o efeito dotação desaparecer. Os participantes exibiam algum efeito dotação apenas se estivessem fisicamente de posse do bem por algum tempo antes que a possibilidade de negociar fosse mencionada.
337 - Em seus estudos da tomada de decisão sob pobreza, Eldar Shafir, Sendhil Mullainathan e seus colegas observaram outras ocorrências em que a pobreza induz um comportamento econômico que em alguns aspectos é mais realista e mais racional do que o de pessoas com melhores situações de vida. Os pobres têm maior probabilidade de responder a resultados reais do que à descrição deles. Marianne Bertrand, Sendhil Mullainathan e Eldar Shafir, “Behavioral Economics and Marketing in Aid of Decision Making Among the Poor”, Journal of Public Policy & Marketing 25 (2006): 8-23
Pgs. 211-217
"CAPÍTULO 28: "EVENTOS RUINS"
338 - Rostos raivosos esquemáticos (uma potencial ameaça) são processados mais rápida e eficientemente que rostos felizes esquemáticos. Um rosto ameaçador é percebido até em flashs de nanosegundos, ao que entendi. "Conscientemente" a pessoa não vê, mas o cérebro vê. Mais precisamente a amígdala, que tem um papel primário como “centro de ameaça” do cérebro. Tudo isso bate com a teoria evolucionista: as ameaças têm a primazia sobre as oportunidades, como não poderia deixar de ser. Vale até para o simbólico: palavras emocionalmente carregadas chamam rapidamente a atenção, e palavras ruins (guerra, crime) chamam a atenção mais do que palavras felizes (paz, amor).
339 - ...O negativo supera o positivo de muitas formas, e a aversão à perda é uma das inúmeras manifestações de uma ampla dominância da negatividade. Fizeram até artigo acadêmico intitulado “Bad Is Stronger Than Good” (O mal é mais forte do que o bem). (...) “Emoções ruins, pais ruins e feedback ruim exercem mais impacto que os bons, e informação ruim é processada de forma mais completa do que boa...". (...) Ele cita John Gottman, o renomado especialista em relações conjugais, que observou que o sucesso a longo prazo de um relacionamento depende muito mais de evitar o negativo do que de buscar o positivo. Gottman estimou que um bom relacionamento exige que as interações boas superem as interações ruins em pelo menos 5 para 1. Outras assimetrias no domínio social são ainda mais surpreendentes. Todo mundo sabe que uma amizade que levou anos para se desenvolver pode ser arruinada com um único gesto.
340 - A aversão ao fracasso de não atingir a meta é muito mais forte do que o desejo de superá-la.
341 - Aversão á perda versus lógica econômica (de certa forma, já sofri disso aqui a ali): Os taxistas de Nova York, por exemplo, podem fixar um rendimento como objetivo para o mês ou para o ano, mas a meta que controla seu esforço é tipicamente uma meta diária de ganhos. Claro que a meta diária é muito mais fácil de atingir (e superar) em uns dias do que em outros. Em dias chuvosos, um taxista nova-iorquino nunca fica livre por muito tempo, e o motorista rapidamente atinge sua meta; não é assim em um dia com tempo bom, quando os taxistas muitas vezes perdem tempo rodando pelas ruas à procura de passageiros. A lógica econômica leva a crer que os taxistas deveriam trabalhar muitas horas em dias de chuva e se conceder algum lazer nos dias bons, quando podem “comprar” o lazer a um baixo custo. A lógica da aversão à perda sugere o oposto: motoristas com uma meta diária fixa trabalharão muito mais horas quando houver escassez de procura e irão para casa mais cedo quando houver passageiros ensopados pela chuva implorando para serem levados a algum lugar.
342 - Negociações sobre um bolo cada vez menor são particularmente difíceis, pois exigem uma alocação de perdas. As pessoas tendem a ser muito mais tranquilas quando estão negociando sobre um bolo que está crescendo.
343 - Aversão à perda é uma poderosa força conservadora que favorece mudanças mínimas do status quo nas vidas tanto das instituições como dos indivíduos. Esse conservadorismo ajuda a nos manter estáveis no bairro onde moramos, em nosso casamento e nosso emprego; é a força gravitacional que mantém nossa vida coesa junto ao ponto de referência.
344 - Mais ancoragem. O princípio básico é que o salário, o preço ou o aluguel existentes determinam um ponto de referência, que tem a natureza de um direito que não pode ser infringido. É considerado injusto que a empresa imponha perdas a seus clientes ou trabalhadores com relação à transação de referência a menos que deva fazê-lo para proteger seu próprio direito. Loja de pá de neve que aumenta de quinze para vinte reais o preço após uma nevasca é considerada injusta... Mera reação à demanda maior? Não importa. Uma regra básica de justiça, descobrimos, é que a exploração do poder do mercado para impor perdas nos outros é inaceitável
345 - Problema: Uma pequena loja de fotocópias tem um empregado que trabalha lá há seis meses e ganha nove dólares por hora. Os negócios continuam a ser satisfatórios, mas uma fábrica na área fechou e o desemprego aumentou. Outras lojas pequenas contrataram agora trabalhadores confiáveis a sete dólares a hora para realizar trabalhos similares aos que são feitos pelo empregado da loja de fotocópia. O dono da loja reduz o salário do empregado para sete dólares. (...) Os entrevistados não aprovaram: 83% consideraram o comportamento Injusto ou Muito Injusto. Porém, uma ligeira variação na pergunta esclarece a natureza da obrigação do empregador. O cenário de uma loja lucrativa numa área de desemprego elevado é o mesmo, mas agora (...) o atual empregado vai embora, e o dono decide pagar ao seu substituto sete dólares por hora. (...) Uma grande maioria (73%) considerou essa atitude Aceitável.
346 - ...Em resumo: o trabalhador do momento tem uma prerrogativa de manter seu salário mesmo que as condições de mercado permitam ao empregador impor um corte de salário. O trabalhador substituto não tem qualquer direito ao salário de referência do trabalhador anterior, e o empregador fica desse modo autorizado a reduzir o pagamento sem o risco de ser tachado de injusto. Outro exemplo seria este raciocínio ao final do capítulo: “Os preços do aluguel por aqui subiram recentemente, mas nossos inquilinos não acham justo que subamos o aluguel deles também. Eles se sentem no direito dos termos atuais.”
347 - ...Uma maioria substancial de entrevistados acreditava que não é injusto que uma empresa reduza os salários dos trabalhadores quando a lucratividade está em queda. Descrevemos as regras como definidoras de direitos duais para a empresa e para indivíduos com quem ela interage. Quando ameaçada, não é injusto que a empresa seja egoísta.
348 - ...Quando uma empresa enfrentava custos de produção mais baixos, as regras da justiça não exigiam que ela partilhasse sua prosperidade nem com seus clientes, nem com seus trabalhadores. (...). Eles só mostravam indignação quando uma empresa explorava seu poder de romper contratos informais com trabalhadores ou clientes, e para impor uma perda sobre outros a fim de aumentar seu lucro.
349 - Nosso artigo desafiou o que na época era um fato aceito entre inúmeros economistas: que o comportamento econômico é governado pelo interesse próprio e que preocupações com justiça são de maneira geral irrelevantes. (...) Pesquisa mais recente tem dado sustentação às observações da justiça dependente da referência e vem mostrando também que as preocupações com justiça são economicamente significativas, fato de que suspeitávamos, mas que não demonstramos. Empregadores que violam regras de justiça são punidos com a redução de produtividade, e comerciantes que seguem políticas de preços injustas podem esperar por quedas nas vendas.
350 - A punição altruísta poderia muito bem ser a cola que mantém as sociedades unidas. Entretanto, nossos cérebros não são projetados para recompensar a generosidade de forma tão confiável quanto punem a mesquinharia. Aqui, mais uma vez, encontramos uma marcada assimetria entre perdas e ganhos.
351 - Perda de uma chance: Em uma discussão mais recente, Eyal Zamir apresenta o argumento provocativo de que a distinção traçada no direito entre restituição de perdas e compensação por ganhos perdidos pode ser justificada por seus efeitos assimétricos no bem-estar individual 17 . Se as pessoas que perdem sofrem mais do que as pessoas que meramente deixam de ganhar, talvez elas também mereçam maior proteção da lei.
352 - Políticos e as reformas: “Esta reforma não vai passar. Os que só têm a perder vão lutar com mais afinco do que os que só têm a ganhar.”
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