Manoel Pires e Carolina Resende - O impulso de multiplicador fiscal...

     

Texto - Manoel Pires e Carolina Resende - O impulso de multiplicador fiscal implementação e evidência para o Brasil


1 - Por vezes, ignora-se que cada tipo de despesa possui um multiplicador específico.


2 - ...Ou seja, vai à raiz da coisa!: ...é possível verificar que o tamanho do multiplicador fiscal é afetado pela composição da política fiscal. Assim, explica como é possível conciliar a possibilidade de que os multiplicadores, no agregado, sejam pequenos apesar de serem elevados em determinados tipos de despesa, como o investimento público. Esse resultado realça a importância da composição da política fiscal no desenho das políticas econômicas e mostra que multiplicadores fiscais baixos não são sinônimos de ineficácia de política fiscal, mas de uma política que foi mal formulada ou implementada.


3 - O resultado primário estrutural leva em conta a receita potencial do governo. Ou seja, o nível de arrecadação consistente com o pleno emprego das forças de produção. Não inclui recessões ou superaquecimentos. Nem não-recorrentes (venda de uma estatal ou repatriação de recursos, sei lá). Diversos países utilizam medidas do resultado estrutural como âncora do regime fiscal, como ocorre com Chile, França, Alemanha, Peru, Colômbia, entre outros. (...) No Brasil, esse indicador não é uma regra de política fiscal, mas uma métrica utilizada para o monitoramento das ações fiscais do governo e é calculado e divulgado pela Secretaria de Política Econômica (SPE 2019) do Ministério da Economia.


4 - Regras assim estão sujeitas, porém, a diversos problemas, desde o cálculo realista do PIB potencial e hiato até a questão da elasticidade da receita. Como alterações na legislação tributária interferem na elasticidade, é necessário promover ajustes nas séries econômicas, para que se obtenha elasticidades mais fidedignas.


5 - ...Outra crítica: o grau de arbitrariedade existente na classificação de receitas e despesas em recorrentes e não recorrentes é um fator relevante que pode deturpar a estatística.


6 - Blanchard e Perroti (2002): Seus resultados indicaram que o multiplicador fiscal era de 1,7, ou seja, cada unidade monetária gasta pelo governo gera 1,7 de acréscimo no PIB. (...) a literatura indicou que os multiplicadores fiscais podem ser mais elevados em situações de flexibilização da política monetária ou mesmo quando se atinge o limite inferior para taxa de juros. Krugman, por exemplo, calcula que superaria 2 o multiplicador.


7 - Auerbach e Gorodnichenko (2012) encontram evidências de que os multiplicadores fiscais são mais elevados em recessões prolongadas do que em períodos de normalidade econômica. (...) Ramey (2019), por outro lado, argumenta que a evidência dos multiplicadores fiscais não difere conforme o estado da economia, pois estudos mais recentes indicam que não houve diferença dos multiplicadores estimados em períodos de recessão e expansão (Ramey e Zubairy 2018). A diferença principal nestes resultados está na definição do período recessivo, que no caso de Auerbach e Gorodnichenko (2012) chega a 30 trimestres, ao passo que nos estudos mais recentes a definição da recessão é endógena aos dados, o que encurta bastante a duração das crises. Enfim, só a recessão severa amplia a justificação. (Depressão praticamente). 


8 - Mais literatura: Ilzetzki, Mendoza e Vegh (2013) encontram evidências de que a política fiscal se torna ineficaz a partir de níveis de endividamento superiores a 60% do PIB. Huidrom, Kose e Ohnsorge (2016) ampliam essa perspectiva estudando o efeito da política fiscal em períodos de elevado endividamento e recessão. Seus resultados indicam que os limites de eficácia da política fiscal são mais amplos. Os multiplicadores são mais elevados na recessão e apenas níveis de endividamento superiores a 100% do PIB tornariam a política fiscal ineficaz.


9 - O multiplicador de investimentos públicos e de transferências de renda, em particular aos mais pobres, são mais elevados que os demais itens de gastos públicos (Galí et al. 2007 e Dupaigne e Fève 2016).


10 - Ao que entendi, a divergência continua no que tange às recessões: No Brasil, as evidências também indicam que os multiplicadores tendem a ser superiores a unidade, em particular, em períodos recessivos (Orair, Siqueira e Gobetti 2016) e quando realizados por meio de investimentos públicos (Pires 2014). Grudtner e Aragon (2017) utilizam o mesmo método de Ramey e Zubairy (2018) e encontram evidências de que o multiplicador não depende do estado da economia, mas também encontram valores superiores à unidade.


11 - Dados e abrangência para o estudo: As séries utilizadas na análise são as de índice real do produto interno bruto, despesas primárias do governo central, divulgada pela Secretaria do Tesouro Nacional, a taxa SELIC e o índice de commodities. O período da análise é do primeiro trimestre de 1997 ao quarto trimestre de 2018. (...) As despesas foram desagregadas em quatro grupos: a) transferências de renda às famílias (benefícios previdenciários, benefícios de prestação continuada da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), abono e seguro desemprego e programa bolsa família); b) despesas com a folha de pessoal; c) investimentos e; d) outras despesas.


12 - A forma usual de estimar multiplicadores fiscais é feita a partir de vetores autorregressivos (VAR).


13 - Cuidado metodológico: Coloca que é necessário prestar muita atenção na forma de calcular as coisas quando se vai montar a análise. Exemplifica: Normalmente, o multiplicador de impacto é calculado com a despesa em percentual do PIB do ano mais recente, assim como os multiplicadores marginais. Já os multiplicadores cumulativo e de horizonte são calculados pela média da despesa em percentual do PIB da respectiva série para captar tendências mais longas. Como regra geral, a maior parte das pesquisas sobre o tema não faz essas importantes distinções para a compreensão das estimativas e como isso afeta o impacto da política fiscal e o cálculo dos indicadores.


14 - Resultado primário estrutural é receita potencial menos despesa recorrente. Depois, montou-se a seguinte estimação:



15 - ...Por meio da variação do indicador entre dois anos, temos o impulso fiscal anual. Para facilitar a compreensão, optou-se por mudar o sinal, tornando o impulso expansionista assumindo valores positivos e o impulso contracionista assumindo valores negativos.


16 - ...Foram estimados os seguintes impulsos fiscais por tipo de multiplicador: a) impacto; b) horizonte com 4, 8, 12 e 16 trimestres; c) horizonte marginal para 4, 8, 12 e 16 trimestres; d) cumulativo com 4, 8, 12 e 16 trimestres; e) cumulativo marginal com 4, 8, 12 e 16 trimestres.


17 - ...os choques no investimento público e nas transfrências de renda possuem efeitos significativos sobre o PIB ao passo que os choques nas despesas com pessoal e nas demais despesas não possuem efeitos estatisticamente significativos.


18 - As estimativas indicaram que as transferências de renda têm multiplicador de impacto de 0,72. Esses choques apresentam efeitos positivos e persistentes no nível do PIB, como é possível aferir a partir dos multiplicadores cumulativos de 4, 8, 12 e 16 trimestres, cujo efeito total atinge 4,37 ao final de 8 trimestres. A resposta acumulada do produto ao choque da variável transferência, verificada por meio do multiplicador de horizonte, também é significativa e de impacto prolongado, com multiplicador de 2,76 ao final de 8, 12 e 16 trimestres.


19 - O multiplicador de impacto da folha foi estimado em 0,82, ligeiramente maior que o de transferências, mas com efeito menor de médio prazo. O multiplicador fiscal cumulativo é maior em 4 trimestres, de 2,65, reduzindo para 2,40 ao final de 16 trimestres. O multiplicador de horizonte converge para valores de 1,97, mais condizente com a evidência disponível.


20 - O multiplicador de investimentos tem um forte impacto no PIB, de 2,37 e mantém a persistência do choque ao longo dos trimestres seguintes. A estimativa do multiplicador cumulativo de 4 trimestres é de 3,78 e estabiliza em torno de 3,40 nos trimestres seguintes. O multiplicador de horizonte converge para 2,99. Em comparação aos demais multiplicadores, é o que possui maior impacto inicial no produto.


21 - O multiplicador de impacto de outras despesas foi estimado em 0,00, isto é, não tem resultado imediato no PIB. O pequeno efeito dessas despesas tem o pico no acumulado de 4 trimestres, com um multiplicador cumulativo de 0,13.


22 - ...A resposta do produto a choques é maior e mais persistente para investimentos e transferências, embora as despesas com folha também possuam efeitos prolongados no produto. Do ponto de vista econômico, os outros gastos, não relacionados a investimento e transferências, não têm impacto muito relevante no PIB.


23 - Aqui a tabela completa:



24 - Interpretando o IMF (Impulso de Multiplicador Fiscal):  Os resultados positivos indicam que houve expansão fiscal no período, isto é, uma redução do resultado primário estrutural. Já os resultados negativos indicam contração fiscal, ou seja, que houve uma ação deliberada de aumento do resultado primário.


25 - ...Primeiro, observa-se que o multiplicador de impulso fiscal tem boa aderência aos dados oficiais. Em termos de orientação da política fiscal (em expansionista ou contracionista), foi encontrado apenas um resultado divergente, em 2008, em que a SPE aponta contração fiscal, enquanto o novo indicador indica ter havido uma expansão. (...) É importante notar a identificação de três anos em que a contração fiscal foi mais expressiva: 2003, 2011 e 2015. Diferentemente do indicador da SPE, que mostrava a contração fiscal de 2003 como a maior da série histórica, o indicador proposto aponta que a contração fiscal de 2015 foi a mais expressiva do período de análise.



26 - A contração fiscal de 2015 foi fortemente marcada pelo aumento de receitas recorrentes e pela contração dos investimentos públicos. Do impulso contracionista de 1,49% do PIB, o acréscimo das receitas recorrentes responde por 1,03pp do PIB, apesar de as receitas totais terem tido forte queda no período, se considerarmos os eventos cíclicos e recorrentes. (...) PIS/COFINS sobre combustíveis e sobre importação, IOF sobre operações de crédito e ampliação da base de incidência de IPI. No mesmo ano, a CSLL sobre instituições financeiras subiu de 15% para 20% e teve início um processo de revisão das desonerações de IPI. (...) Do lado das despesas, houve uma forte queda nos investimentos públicos, que contribuiu negativamente com 0,81pp do PIB. Por serem despesas discricionárias e passíveis de contingenciamentos, os investimentos são frequentemente variáveis de ajuste para o cumprimento de metas fiscais. A magnitude do ajuste recessivo não foi maior pelo efeito positivo das transferências e da folha de salários, que tiveram ligeiro crescimento em percentual do PIB, e contribuíram com 0,25pp e 0,11pp, respectivamente.



27 - Os multiplicadores nas contrações: A contração fiscal de 2015 (1,49%), por exemplo, teve um impacto de curto prazo duas vezes superior à contração de 2011 (0,71%). No entanto, o impulso contracionista de 2011 teve um efeito prolongado no produto porque alcançou despesas mais persistentes, atingindo 1,1% do PIB quando analisado em 12 trimestres a valor presente. Já a contração de 2015 não teve a mesma persistência, tendo sido reduzida moderadamente para 1,29% do PIB. Dessa forma, o indicador sugere que os efeitos da contração fiscal realizada em 2015 tiveram menor repercussão nos anos seguintes, ao passo que a contração fiscal de 2011 pode ter produzido um efeito negativo e mais persistente sobre a dinâmica da atividade econômica, isto é, os efeitos de médio prazo da contração praticada para 2011 se aceleraram, ao passo que a contração de 2015 pode ter produzido impacto menor em 2016.


28 - Em 2011, as medidas de receita não tiveram um impacto relevante na contração, respondendo por apenas 0,04pp do PIB


29 - Em 2007, a expansão fiscal de 0,40% do PIB foi majoritariamente marcada pela queda das receitas recorrentes (0,30pp). Os investimentos tiveram participação de 0,17pp do PIB e as transferências foram praticamente nulas. (...) A expansão fiscal de 2007 mantém-se estável no médio prazo, com 0,4% do PIB no horizonte de 12 trimestres. Já em 2016, o impulso expansionista de 1,38% é alavancado para 2,59% no horizonte de 12 trimestres a valor presente, destacando a persistência desse choque positivo na economia. A composição do impulso é diferente de 2007, marcado pela contribuição das transferências de renda, que responderam por 0,74pp do PIB no resultado..



30 - Aqui a tabela completa feita pelos autores:



31 - Multiplicador fiscal agregado:



32 - Conclusão importante: O multiplicador fiscal médio para o período 2002-2018 foi de 0,66. Apesar de pequeno, é possível verificar a ocorrência de multiplicadores expressivos em vários anos como 1,5 em 2003, 1,71 em 2006 e 2,19 em 2016. Ao mesmo tempo, verificam-se multiplicadores negativos em 2013 (-0,30) e em 2015 (-0,35). (...) Em princípio seria possível verificar se há contração fiscal expansionista caso houvesse redução das despesas totais com aumento dos componentes das despesas com elevado multiplicador, o que não acontece no período analisado. Por outro lado, é possível verificar que houve um episódio de expansão fiscal contracionista em 2013, quando há aumento total da despesa, mas com contribuição negativa para o PIB. Isso se deve à grande expansão do grupo outras despesas que possuem multiplicador baixo, mas com redução dos investimentos públicos.


33 - ...Nos dois anos em que os multiplicadores são negativos, observa-se expansão do gasto total, mas cortes de investimentos públicos. Nos anos em que os multiplicadores foram mais elevados, nota-se variação do investimento em proporção relevante e no mesmo sentido em relação à variação do gasto. Esses movimentos de composição da despesa explicam porque é possível encontrar multiplicadores fiscais baixos apesar dos multiplicadores para determinados itens de despesa serem expressivos.



34 - (Notei da tabela acima que, seja por qual razão for - engessamento orçamentário, decisão política, erro etc. -, em muitos anos houve aumento percentual de gastos do governo com efeito multiplicador menor que essa porcentagem. Enfim, parece-me um fiscal muito ineficiente. Especialmente 2010 a 2015 - que imagino estar com sinal trocado ali na variação do gasto).


35 - Prosseguiram as análises econométricas a fim de comparar o IMF com o modelo da SPE como preditivo sobre a demanda agregada e juros. Explicaram a técnica usada lá e concluíram: O modelo estimado com o IMF indica que todos os coeficientes são estatisticamente significativos aos valores usuais. Os coeficientes possuem os sinais esperados: quanto maior a taxa real, maior o hiato do produto e quanto maior a contração fiscal, maior o hiato do produto. (...) No caso do modelo com o impulso fiscal divulgado pela SPE, não há significância estatística para o impulso fiscal. Os critérios de informação também apontam que o IMF apresenta resultados superiores ao impulso da SPE. Em suma, os resultados indicam, portanto, que o novo impulso fiscal melhora a capacidade de previsão da curva IS em relação ao indicador divulgado pela SPE.


36 - Mais testes: O modelo estimado com o IMF indica que todos os coeficientes são estatisticamente significativos aos níveis usuais de confiança. Os coeficientes possuem os sinais esperados: quanto maior a expansão fiscal, maior a taxa de juros, indicando que a política fiscal exerce uma pressão no mercado. O mesmo ocorre com o hiato do produto. No modelo estimado com o impulso fiscal calculado pela SPE, não há significância estatística para a política fiscal. Os resultados sugerem, novamente, que o IMF melhora a capacidade de previsão das taxas de juros em relação ao indicador da SPE.


37 - Excelente artigo.


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