Carlos Mathias - A tese de Williams e o Antigo Sistema Colonial

 

Carlos Mathias - A tese de Williams e o Antigo Sistema Colonial


1 - Capitalismo e Escravidão é de 1944. Tese central de Williams: Em sua compreensão, a produção das Índias Ocidentais britânicas atuou sobremaneira na formação do capital inglês, lançando as fundações para a Revolução Industrial, através do comércio triangular Inglaterra-África-Caribe. (...) Por fim, e aqui repousa uma das principais contribuições do livro, para Williams a abolição do tráfico, assim como a posterior emancipação dos escravos, se deveu não tanto à atuação dos abolicionistas, mas ao arrefecimento da economia açucareira da região no final do século XVIII.  Com a independência dos Estados Unidos e a publicação de A riqueza das nações, teve vez uma forte crença de que o trabalho escravo era ineficiente, não lucrativo e um atraso ao desenvolvimento econômico.  


2 - Em detalhe, à medida que o trabalho camponês livre foi se tornando mais oneroso, os planters orientaram seus esforços para a escravidão negra. Em seu entendimento, embora o capital inicial para a aquisição de africanos fosse superior aos salários pagos aos camponeses, os cativos possuíam a prerrogativa de se autorreproduzirem, eram menos custosos para alimentar e vestir, possuíam superioridade física e maior resistência às doenças quando em comparação com os brancos e os índios (SHERIDAN 1972, p. 16).


3 - Por seu turno, D. A. Farnie, seguindo de perto a linha smithiana, aponta que as plantations caribenhas inglesas dependiam do poder metropolitano para obtenção de mão de obra, capital, mercado, manufatura e proteção naval. Logo, a produção local açucareira não possuía condições de financiar sequer uma aristocracia fundiária, quanto mais a industrialização inglesa (FARNIE 1962, p. 206-210). (...) Para uma visão contrária cf. T. G. Burnard, que defende ter sido a Jamaica, a mais rica colônia britânica na América por volta de 1775, perfeitamente capaz de gerar riqueza e, em certa medida, sustentar a si mesma. Conforme Burnard, a “Jamaica era rica por que os brancos lucravam com os 92% da população que eles tinham como propriedade” (BURNARD 2001, p. 507-508).


4 - Consoante Eric Williams, o comércio triangular forneceu um estímulo triplo para a Revolução Industrial. Primeiro, os escravos eram permutados na África por produtos manufaturados ingleses, o que contribuía para fomentar a produção doméstica britânica. Posteriormente, uma vez tendo cruzado Atlântico, os negros eram deslocados para as plantations, onde produziam açúcar, algodão, anil e outros produtos tropicais que serviam de matéria-prima ou estimulavam a criação de novas atividades industriais na Inglaterra. (...) tratou-se da implantação do sistema mercantilista de exclusivismo comercial. Em linhas gerais, as colônias se viam obrigadas a remeter seus produtos somente para a Inglaterra e por meio de seus navios.


5 - Outros benefícios da colonização: I) a emigração diminuiu a pressão populacional na Europa, contribuindo para suscitar um excedente alimentício; II) a abertura de mercados ultramarinos e a disponibilidade de matérias-primas desempenharam papel fundamental na transferência do controle da atividade manufatureira e do comércio das guildas para os capitalistas.


6 - Como Portugal importava muito da Inglaterra (balança deficitária), coloca-se que as descobertas auríferas no Brasil fluíam para lá no fim das contas. Conforme Fisher, as relações mercantis firmadas entre Inglaterra e Brasil excediam o combinado das trocas comercias da Inglaterra com a França e os Países Baixos. Nesse sentido, os tratados comerciais anglo-lusos de 1642, 1654, 1661 e 1703 “que regularam seu mútuo comércio tiveram muito efeito nessa conexão”.


7 - A fuga de D. João VI veio com o II Tratado de Methuen:“o segundo tratado de Methuen, abrindo o mercado português aos tecidos ingleses criava também a possibilidade de a indústria inglesa, através de Portugal, alcançar o mercado da América portuguesa” (NOVAIS 1995, p. 24; 43).


9 - Mais Novais e os porquês da escravidão: "produzir para o mercado europeu nos quadros do comércio colonial tendente a promover a acumulação primitiva de capital nas economias europeias exigia formas compulsórias de trabalho, pois do contrário, ou não se produziria para o mercado europeu (os colonos povoadores desenvolveriam uma economia voltada par o próprio consumo), ou se se imaginasse uma produção exportadora por empresários que assalariassem trabalho, os custos da produção seriam tais que impediriam a exploração colonial, e pois a função da colonização no desenvolvimento do capitalismo europeu (NOVAIS 1995, p. 102-103)."


10 - Traz outros autores que citam a importância do "lucros de monopólio" no "comércio" colonial, ainda que possam fazer reparos à tese de Williams.


11 - A Jamaica foi invadida por ordens de Cromwell em 1655, sendo a elite local beneficiada apenas secundariamente pelo sistema produtivo montado: é evidente que a economia de plantation da Jamaica veio a ser controlada e dirigida por um grupo de mercadores de Londres e de planters ausentes, e que grandes fortunas familiares eram mais estreitamente ligadas ao comércio e à finança do que à agricultura tropical (SHERIDAN 1965, p. 294-310).


12 - Os opositores a Williams colocam que o capital comercial não respondia por parte significativamente grande da FBCF inglesa por volta do nascedouro da Revolução Industrial. 


13 - ... Nesse sentido, O'Brien: "Embora a formação de capital tenha desempenhado um importante papel nesse crescimento nos anos de 1760 até 1850, não pode ser definida como o motor do desenvolvimento econômico britânico, cuja prosperidade proveio, sobremaneira, do progresso tecnológico e da eficiência organizacional." O autor vê algum papel na acumulação ultramar e imagina lucros realmente sem igual, porém, crê que o tamanho total da coisa não tornava o impacto significativo.


14 - De certa forma, David Richardson inverteu determinadas propostas de Williams, defendendo que foi a Revolução Industrial que acelerou o comércio triangular, não o inverso. Seriam "integrantes subordinados". (...) Conforme Richardson, durante o terceiro quarto do século XVIII houve simultaneamente um substancial aumento das atividades do tráfico de escravos britânico, da fabricação de açúcar em suas colônias e das taxas de crescimento da produção industrial.


15 - Eltis e Engerman também admitem todos os benefícios do tráfico, mas fazem a mesma argumentação: “o tráfico atlântico de escravos representou uma pequena parte do comércio atlântico de qualquer potência europeia. Sua contribuição direta para o crescimento econômico de qualquer nação foi trivial”. Isso mesmo no terceiro quarto do Século XVIII. Logo, se o tráfico fosse determinante para a Revolução Industrial, ela deveria ter ocorrido antes em Portugal do que na Inglaterra.


16 - Barbara Solow: Rebatendo as considerações de Engerman, Solow afirmou que suas conclusões não se fiam em suas próprias estatísticas. A incidência dos lucros do tráfico de escravos sobre a formação de capital não teria sido insignificante para o período do início do aceleramento do crescimento britânico. (...) Para Solow, 37 milhões de libras aplicadas nas Índias Ocidentais originariam um ganho quatro a sete vezes maior do que um investimento da mesma monta na Grã-Bretanha. Assim, os lucros adicionais sobre o capital gerados pelo trabalho escravo no Caribe se revelaram fonte de significativa poupança (aplicada no setor industrial inglês) (SOLOW 1985, p. 111).


17 - Solow coloca que sem o suprimento elástico de mercadorias proporcionado pelas colônias, era possível que a industrialização não vingasse. 


18 - Prescindindo das oportunidades oferecidas pela expansão da escravidão e do tráfico no sistema atlântico, muito provavelmente as principais economias da Europa ocidental decairiam (INIKORI 1987, p. 91-92).


19 - Transição do escravismo para o capitalismo inglês: Todavia, quando tal prática levou à maturidade a expansão das forças produtivas metropolitanas, automaticamente tornou-se um freio ao progresso britânico – um freio de difícil remoção. (...) Com o declínio do mercantilismo, a Inglaterra pôde agir contra o tráfico de escravos (proibido em 1807) e a escravidão (abolida em 1833). O monopólio do açúcar findou em 1846 (WILLIAMS 1994, p. 15-16; p. 126-136). 


20 - O arranque da produtividade trazido pelas máquinas e afins muda tudo. Na esteira de Williams, Novais percebe a escravidão ora fomentando o crescimento econômico/acúmulo de capital na Inglaterra, ora amainando o progresso natural do capitalismo inglês. (...) Consoante Novais, “a própria estrutura escravista bloquearia a possibilidade de inversões tecnológicas”, sendo que o escravo não estava “apto a assimilar processos tecnológicos mais adiantados”.


21 - Tomich: De resto, o autor demonstra como as transformações no padrão de consumo dos crescentes centros urbanos europeus fruto da Revolução Industrial aumentou sua demanda por produtos subtropicais e tropicais, sendo o açúcar um dos principais. Esse contexto gerou uma profunda correlação entre o crescimento da escravidão e da produção açucareira cubanas em pleno século XIX.  Conforme Tomich: “o mesmo processo que contribuiu para a destruição da escravidão dentro do império britânico resultou na intensificação da produção escrava em outras partes do hemisfério” – incluindo Cuba, Brasil e Estados Unidos – como parte da divisão internacional do trabalho (TOMICH 1991, p. 297-302).


22 - Outro aspecto da coisa: Em 1976, Eugene Genovese e Elizabeth Genovese apontaram a complexidade desse paradoxo do sistema escravista. Discorrendo sobre a noção de que frente a um declínio nas condições históricas de produção os planters naturalmente redirecionariam a mão de obra escrava para a assalariada caso essa última fosse mais lucrativa, os autores sublinharam que dificilmente a classe dos senhores, cuja vida havia sido forjada por relações de (teoricamente) poder absoluto sobre outro ser humano, estaria apta a negar, tranquilamente, os fundamentos de sua existência social e psicológica apenas em resposta a um balanço de ganhos e perdas (GENOVESE; GENOVESE 1976, p. 9).

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