Livro: C. Goodhart e M. Pradhan - The Great Demographic Reversal - Capítulo 2

                                                                                                              

Livro: Charles Goodhart e Manoj Pradhan - The Great Demographic Reversal



Pgs. 39-58


"CAPÍTULO 2: "China: termina uma mobilização histórica"


23 - Foi o crescimento da força de trabalho disponível que ajudou a deflacionar o mundo. O rácio entre a população da China e a mundial caiu desde 1955. Assim, não é o tamanho relativo da população da China, mas a taxa acelerada de integração da sua força de trabalho na economia global que tem importância.


24 - Ninguém podia "especular com a China", digamos. Os controlos rigorosos de capitais permitiram à China manter uma vantagem competitiva global. Essa mesma estratégia permitiu que a repressão financeira fosse levada a cabo a nível interno, a fim de direccionar o conjunto interno de poupança para as empresas públicas (SOE), tendo os bancos estatais como canal.


25 - A segunda fase do crescimento chinês pós-Xiaoping começa em 1992: Foi na segunda fase que começou a privatização das empresas públicas, quando as pequenas, médias e mesmo algumas grandes empresas públicas foram fechadas ou vendidas ao sector privado. O sector privado apresentou um crescimento dramático neste período, mas as grandes empresas públicas continuaram a ser monopólios em sectores considerados fundamentais para os interesses nacionais (incluindo o sector bancário). Dados do PIB e Exportações líquidas:



26 - Afirmam que a China passou catorze anos negociando com a OMC. As exigências vieram especialmente dos EUA. Foram elas: – Reduzir as suas tarifas para menos de 10% dentro de cinco anos e reduzir as tarifas sobre algumas importações agrícolas para quase zero. – A redução ou eliminação de barreiras não tarifárias. – A abertura de alguns setores-chave, incluindo as telecomunicações e bancário. – Proteger os direitos de propriedade intelectual globais.


27 - Por que a China aceitou?  No final daquela década, havia sinais claros de que as reformas da China estavam a perder força. O crescimento tinha caído todos os anos durante a maior parte da década de 1990, partindo de um nível muito elevado. Havia uma enorme quantidade de empréstimos inadimplentes, por exemplo. Enfim, qualidade do crescimento estava comprometida. (...) As semelhanças entre a má alocação de capital e os activos inadimplentes com a situação que a China enfrenta hoje são inconfundíveis e é claro, quando vista sob esta luz, a razão pela qual a liderança da China procurou aderir à OMC apesar de uma longa lista de condições.


28 - ... a China teve um bom desempenho na redução das principais barreiras tarifárias e abriu muitas partes da sua economia à entrada de empresas estrangeiras. No entanto, esses eram sectores em que faltavam capacidades internas. Onde as capacidades nacionais prevaleceram ou foram adquiridas, as barreiras não tarifárias permaneceram em vigor.


29 - EUA apesar do crescimento do valor agregado na indústria, fez isso perdendo empregos para a o país asiático. Antes havia temor sobre investir na China. ...Isso mudou, segundo os autores, quando o Congresso dos EUA aprovou um estatuto de Relações Comerciais Normais Permanentes (o equivalente americano à NMF) para a China em 2000 e eliminou a ameaça de tarifas no futuro. Sem uma fricção como as tarifas para justificar a presença onshore de empregos na indústria, a produção de muitos bens deixou as costas dos EUA para a China. Os autores identificam bens que eram produzidos nos EUA e posteriormente importados da China. Eles concluem que os maiores declínios no emprego na indústria transformadora foram sentidos nas linhas de produção destes bens


30 -  A resposta agressiva da China ao início da Grande Crise Financeira foi um factor importante na prevenção do colapso da economia global. O Diagrama 2.3 mostra que o crescimento do crédito da China no rescaldo da crise aumentou 35%. Os países emergentes agradeceram a esse impulso entre 2007 e 2012, aproveitando a forte demanda. Gráfico sobre o setor privado chinês aí:



31 - Depois veio o ciclo de moderação. O abrandamento da China contribuiu para a queda dramática dos preços do petróleo, de quase 150 dólares por barril para 27 dólares em 2015, e para um colapso no comércio global.


32 -  Ao contrário das economias como um todo, as indústrias transformadoras apresentam uma forte convergência incondicional na produtividade do trabalho. Exige-se um padrão de qualidade global.  Se uma economia conseguir alargar a participação do sector industrial na sua economia numa fase inicial do seu desenvolvimento, a sua produtividade laboral convergirá com os padrões globais de forma mais rápida e consistente. Eis o segredo do impulso ao PIB nas industrializações.


33 - Na fase inicial da estratégia de crescimento da China, a política monetária foi concebida para reduzir drasticamente o custo do capital. Durante esta fase, foram os actores estatais que estiveram na ponta da lança, embora o sector privado tenha crescido rapidamente. As empresas públicas, os bancos estatais e a política industrial moderna dirigida pelo Estado foram todos parte integrante da estratégia de crescimento da China durante a sua ascensão. Por outro lado, foi dado às províncias um poder considerável, especialmente aquelas que albergavam as zonas económicas especiais da China. Os governadores destas províncias e os líderes das empresas públicas tornaram-se alguns dos homens mais poderosos da China durante a sua expansão.


34 - As zonas económicas especiais resumem a política industrial da China. A terra foi fortemente subsidiada e as empresas receberam toda a ajuda necessária para criar e operar negócios de forma eficiente. Foi dada prioridade às infra-estruturas, incluindo redes de energia e distribuição.


35 - Como a China controlou sua migração interna? O sistema Hokou fornece essencialmente um passaporte para cidadãos urbanos. Os migrantes sem credenciais podem residir em áreas urbanas para trabalhar, mas não têm acesso à maioria dos serviços urbanos, incluindo cuidados de saúde e educação. Como resultado, o custo da migração não é transferido para a administração destes centros urbanos. Resultou na deslocação apenas dos próprios trabalhadores em busca de trabalho, enquanto as famílias permaneceram no habitat rural, onde podem aceder aos serviços locais. (...) Sem o sistema Hokou, os trabalhadores rurais poderiam ter vendido as suas terras e deslocado-se a um ritmo muito mais rápido para as áreas urbanas, resultando num excesso significativo de oferta de mão-de obra urbana e, talvez, também de terras rurais.


36 - Por que controle de capitais e câmbio fixo? Se  o capital não puder fluir livremente para dentro e para fora da China, então a taxa de câmbio poderá permanecer fixa e o PBoC poderá definir taxas de juro que atendam às necessidades a estratégia de crescimento interno. E aconteceu. (...)  Entre 2001 e 2015, o PBoC interveio regularmente nos mercados cambiais, tendo a intervenção atingido um pico de quase 18% do PIB em 2007, de acordo com estimativas oficiais, resultando numa acumulação maciça de reservas do banco central.


37 -  Em segundo lugar, as famílias enfrentaram a repressão financeira no seu país e viram as suas poupanças efectivamente transferidas das famílias para os bancos e para as empresas públicas. O imposto implícito que pagaram foi utilizado para subsidiar o crescimento das empresas públicas. Como a China conseguiu fazer isso? O mercado de taxas de juro da China estava eficazmente isolado do resto do mundo, graças às restrições aos controlos de capitais. Na China, o PBoC ditou a taxa a que os bancos (dominados por bancos estatais) poderiam pedir e emprestar, e controla o fluxo de crédito na economia ainda hoje. (...) As taxas de juros foram fixadas bem abaixo da taxa de crescimento e da taxa de inflação. A esterilização para manter o câmbio quieto levou a esse acúmulo de reservas, especialmente sob a forma de título da dívida pública americana.



38 - Saldo da repressão financeira sobre as famílias entre 1990 e 2010 (eram, na prática, um imposto oculto. Ou seja, atenção quando disserem que a carga tributária da China é ou foi baixa nesse período): ...média de -3,3% (para uma média de 1,4% para a taxa de depósito nominal versus uma taxa média de inflação anual de 4,75%). (...) As famílias tinham poucos meios de se protegerem financeiramente; comprar casas era o investimento de eleição. Como resultado, a alavancagem das famílias aumentou


39 - ...A compra de activos estrangeiros continua a ser uma opção para um segmento extremamente pequeno e rico da população, e a propriedade de capital também permanece limitada entre a população. O agregado familiar médio da China tinha efectivamente apenas duas formas de armazenar riqueza, em casas e em contas bancárias. (...) Quando os bancos não protegem as poupanças das famílias, as famílias tendem a poupar mais, e não menos, para atingir uma “meta”, seja ela a educação ou a compra de uma casa. As poupanças das famílias na China também têm sido associadas à falta de uma rede de segurança social e, mais importante, no contexto deste livro, ao ciclo de vida de uma população que poupa para a reforma. A poupança nacional inclusive ficou acima da taxa de investimento e fluiu ao estrangeiro (vide reservas).


40 - O Ocidente forneceu grande parte do know-how e do capital físico em troca de mão-de obra barata e abundante e de condições favoráveis aos negócios. (...) O fluxo de capital físico, especialmente na indústria transformadora, trouxe consigo as mais recentes safras de tecnologia para a China. Além disso, as multinacionais trouxeram consigo métodos de última geração para combinar trabalho, capital e a tecnologia incorporada nesse capital. (...) As regulamentações da China permitem que empresas estrangeiras operem em determinados sectores-chave na China apenas se formarem joint ventures com empresas chinesas. Estudos mostraram transferência de tecnologia efetiva.


41 - EUA e a queda estrutural da taxa de juros pelo talvez excesso de poupança global: O declínio acentuado do emprego na indústria transformadora na década de 2000, mencionado anteriormente, passou largamente despercebido na altura porque o crescimento do emprego na construção foi desenfreado.


42 -Futuro: colocam que a China não terá mais grandes excedentes comerciais (podendo vir a ser deficitária) e o crescimento deve moderar bastante. A PIA vai diminuir e a população rural já migrou a maioria.



43 - Situação pós-2015:  Com os fluxos de mão-de-obra e de capital limitados, a China voltou-se agora para a actualização da tecnologia como forma de sustentar o crescimento e compensar a contracção da oferta de mão-de-obra. Sem o afluxo de empresas estrangeiras e com o actual escrutínio intenso em torno da aquisição de tecnologia por empresas chinesas em mercados estrangeiros, a transferência de tecnologia que esteve presente no passado deixará de existir. (...) o ponto de partida das empresas chinesas melhorou até um ponto em que alcançar o padrão global já não significa um enorme aumento como aconteceu no passado. A inovação tem, portanto, de ser criada internamente e de uma magnitude bastante grande. Essa é a parte que parece uma tarefa difícil. Isso muda, inclusive, a necessidade de deslocamento de mais mão-de-obra rural. É altamente improvável que estas indústrias altamente técnicas, a melhor aposta da China para ganhos de produtividade no futuro, se desloquem para o interior da China. Vão aproveitar o que já está montado.


44 - Nova rota da seda e possível liberação dos fluxos de capital: Existem questões em torno da viabilidade e do financiamento da Iniciativa Cinturão e Rota e da velocidade com que pode ser implementada. Como afirmámos anteriormente, o retorno dos ativos da China tem sido modesto e incerto, o que significa que a vontade de investir pesadamente na China será atenuada. A direção dos fluxos líquidos de capitais e, portanto, da balança corrente permanece, na melhor das hipóteses, incerta.


45 - Força do setor privado na China segundo os autores: ...Nos últimos dez anos, o sector privado contribuiu com mais de 60% do PIB, mais de 70% das receitas fiscais, mais de 80% das inovações e mais de 90% do emprego.


46 - Apostas dos autores para a China: A China é claramente muito diferente, até porque se encontra numa fase de desenvolvimento muito anterior à do Japão. Isso significa que ainda existem muitas ineficiências dentro das suas fronteiras e políticas que pode reformar e aumentar a produtividade – é assim que as economias em desenvolvimento alcançam as avançadas. Contudo, dada a incapacidade do mercado de trabalho de se ajustar rapidamente, a natureza da evolução será provavelmente semelhante. O crescimento liderado pelo consumo será uma desilusão, mas o lado do investimento da economia terá um desempenho melhor do que muitos pensam. A dívida será um obstáculo à medida que for digerida (como explicaremos mais abaixo), mas é pouco provável que provoque uma crise agora ou no futuro.


47 -  A “aterragem forçada” dos sectores industrial e imobiliário da China em 2014-2015 marcou um momento seminal na transição de crescimento da China. A capacidade no sector industrial foi abordada de forma severa, particularmente no sector siderúrgico. Noutras áreas da indústria transformadora, as empresas públicas estiveram envolvidas numa consolidação de capacidade através do congelamento de novos investimentos ou através de fusões. Ocorre que, na China, o desemprego não é opção de ajustamento, muito por razões políticas. Garantir a estabilidade social é o primeiro objetivo.  A presença de empresas “zumbis” na China é, portanto, pelo menos em parte, uma função de restrições sociais e políticas. Há um excesso de capacidade industrial, portanto, a ser desaguado. Com a capacidade já cortada, a lenta libertação de mão-de-obra do sector industrial irá, na verdade, aumentar o rácio capital/trabalho no sector industrial e, portanto, a produtividade.


48 -  À medida que os trabalhadores passam do sector da indústria transformadora para o sector dos serviços, passarão para um sector que normalmente é mais intensivo em mão-de-obra, mas que regista um menor crescimento da produtividade, como tem sido o caso nas AE noutros locais.


49 - O problema dos calotes de dívida é exemplifica com o que aconteceria ao Japão em tal caso:  Chocado com a perda de rendimentos de reforma futuros, as famílias aumentariam imediatamente as suas poupanças e o “paradoxo da poupança” levaria então a um colapso do consumo e empurraria o Japão para uma depressão. Assim, o “vazamento” do cancelamento da dívida do Japão através dos gastos das famílias é demasiado grande.


50 - Afirma que o cancelamento da dívida chinesa causaria menos danos, pois em grande parte tem a ver com empréstimos de bancos estatais a empresas estatais. De toda forma, alguma convulsão social haveria:  ...No entanto, aumentarão as questões em torno da solvência das empresas públicas, que ainda necessitarão de contrair empréstimos para continuarem as suas operações. Muitos poderão então ser forçados a reestruturar as suas operações e a despedir-se de mão-de-obra muito mais rapidamente. Se feito de forma agressiva e de uma só vez, o resultado seria desemprego em massa e tensão política. Assim, uma implementação gradual é o melhor que devemos esperar. (...) Terceiro, o preço da acumulação de um grande stock de dívida será pago através de uma escassez de crédito para consumo e para empresas no sector dos serviços. (...) Assim, embora os consumidores e o sector privado representem uma parcela cada vez maior da economia, não serão capazes de aproveitar os rendimentos futuros para consumir ou crescer mais rapidamente hoje.


51 - A queda das poupanças relacionada com o envelhecimento da população e com o fim da repressão financeira irá empurrar a conta corrente para o défice. A conta de capital, como discutimos anteriormente, poderia empurrar a conta corrente de volta para o excedente, mas não está claro como os fluxos contrastantes de riqueza das famílias, o financiamento da Iniciativa do Cinturão e Rota e o investimento estrangeiro na China irão se comportar no resultado líquido.


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