Livro: Alan Greenspan - Capitalismo na América - Capítulo 1
Livro: Greenspan, Alan; Wooldridge, Adrian. Capitalismo na América: Uma história
Pgs. 36-68
"CAPÍTULO 1: "UMA REPÚBLICA COMERCIAL: 1776-1860"
29 - De 1600 a 1766, as colônias ostentaram a maior taxa de crescimento do mundo, crescendo mais do que o dobro da metrópole. Quando chegou a hora do divórcio, os americanos eram o povo mais rico do planeta, com uma produção per capita com valor equivalente a 4,71 dólares em 2017. Os americanos eram entre 5 e 8 centímetros mais altos do que os europeus. Também eram mais férteis, com entre seis e sete filhos para cada mulher, enquanto na Grã-Bretanha esse número era de quatro a cinco — o que levou Benjamin Franklin a especular que, em meados da década de 1800, “o maior número de ingleses estará deste lado das Águas”. Plantados em um imenso continente, os americanos gozavam uma relativa abundância de recursos básicos de vida, terra, caça, peixes, madeira e minerais. Isolados de sua metrópole por quase 5 mil quilômetros de oceano, eles também contavam com relativa liberdade.
30 - O quanto isto aqui é preciso eu não sei: Os colonos britânicos não conseguiram reproduzir a sociedade fechada da Grã-Bretanha do outro lado do Atlântico: o número de administradores coloniais ou clérigos anglicanos simplesmente era pequeno demais para impor sua vontade sobre os nativos. Na Grã-Bretanha, as profissões eruditas e as corporações de ofício podiam esmagar ideias e regular a concorrência. Na América, elas eram fracas demais para dominar a sociedade. Os colonos estavam viciados em independência.
31 - ...Ninguém superava a América em relação a ensino superior: em 1800, o novo país tinha dezenas de universidades, numa época em que a Inglaterra tinha apenas duas. Dos 56 membros do Congresso Continental, 29 tinham nível universitário. (...) Quando enfim decidiram que precisavam formar um novo país, eles criaram a Constituição mais impressionante que o mundo já vira. (...) A maioria não podia suplantar os direitos da população à propriedade privada, ao exercício do trabalho e a manter os frutos de seu trabalho (inclusive do trabalho intelectual). Isso garantiu, mais do que qualquer outra coisa, a prosperidade futura da América — muito mais do que vantagens econômicas convencionais como a abundância de terras e matéria-prima. Encorajou as pessoas a se dedicarem ao trabalho ao reduzir o risco de terem os frutos desse trabalho roubados. Os Fundadores acertaram tanto nos detalhes quanto na arquitetura. Eles estabeleceram o maior mercado do mundo ao banirem tarifas internas (algo que os europeus só fariam na década de 1980). Isso permitiu o surgimento de indústrias gigantes e a especialização das regiões.
32 - EUA perto de 1800 ainda eram basicamente uma economia de recursos naturais e subsistência, conforme relato da época: A América “está apenas na infância no que diz respeito à manufatura: umas poucas fundições, muitas oficinas de vidro, alguns curtumes, um número considerável de fábricas insignificantes e imperfeitas de caxemira e, em alguns lugares, de algodão [...] apontam para os débeis esforços que foram até então feitos [para] propiciar ao país artigos manufaturados de consumo diário”.
33 - A América não tinha nenhum banco até a década de 1780, quando Robert Morris conferiu carta patente ao Bank of North America (1781), Alexander Hamilton estabeleceu o Bank of New York (1784) e John Hancock e Samuel Adams conferiram carta patente ao Massachusetts Bank (1784). O país só adotou uma política monetária clara na década de 1830. A Constituição incluiu uma cláusula (artigo I, seção 8) concedendo ao Congresso o direito de “cunhar moeda” e “regular seu valor”. (...)
34 - Apenas três cidades — Filadélfia, Boston e Nova York — tinham populações de mais de 16 mil habitantes. (...) A maioria dos americanos plantava o próprio alimento, fiava seus próprios tecidos, fazia suas próprias roupas, consertava seus sapatos, e havia ainda a atividade mais cansativa de todas: eles produziam seu próprio sabão e suas velas a partir de barris de gordura animal fervida. Usavam madeira na construção e como combustível, tração animal como fonte de energia, e quando a manufatura começou a se desenvolver, passaram a usar água em seus moinhos rudimentares. Seus arados não eram mais sofisticados do que os dos romanos antigos: galhos de árvores adornados com peças de ferro e tiras de couro de boi. Suas estradas eram caminhos cavados na terra cobertos por pedras e pedaços de troncos de árvores: uma pancada de chuva podia transformá-las em verdadeiros mares de lama; uma seca prolongada deixava-as cobertas de poeira. (...) A vida era em sua maior parte um sacrifício, difícil, cansativa e implacável. Toda a família precisava se envolver.
35 - Escravidão e clima: No Meio-Oeste, os tornados podiam destruir comunidades inteiras. No Sul, havia apenas duas estações: quente e infernal. (A escravidão foi, em certos aspectos, uma medida abominável em resposta a um fato climático básico: era impossível convencer homens livres a fazer o trabalho altamente dependente de mão de obra que era a colheita sob o calor e a umidade.) O clima era um senhor inconstante e opressor. Uma enchente repentina podia tornar as estradas intrafegáveis. Uma geada tardia podia destruir uma plantação.
36 - Levou quase uma semana para a notícia da morte de George Washington chegar a Nova York; e mais de um mês para James Monroe, em Paris, fazer chegar a Thomas Jefferson, em Washington D.C., a notícia de que Napoleão pretendia vender a “Louisiana”.
37 - Essa neblina da ignorância se aplicava tanto ao povo comum quanto ao governo. Durante a Revolução Americana, os rebeldes não tinham informações básicas sobre o país que estavam tentando libertar. Quantas pessoas havia lá? Como elas ganhavam a vida? Elas conseguiam ser autossuficientes? O novo governo rapidamente começou a coletar dados sobre a população: a Constituição requeria que um censo decenal fosse conduzido para a distribuição das cadeiras do Congresso, e a América conduziu o primeiro censo logo após seu nascimento, em 1790.
38 - Em 1800, a vaca provavelmente produzia, em média, 454 quilos de leite por ano, enquanto a atual produz 7.264 quilos.
39 - Rios e mares propiciaram transporte barato hidroviário e uma poderosa indústria pesqueira. A Gideon Allen & Sons, uma organização baleeira sediada no local, obteve retornos de 60% por ano durante grande parte do século XIX financiando viagens de caça de baleias — talvez o melhor desempenho de qualquer empresa na história americana. Havia pesca de todo tipo.
40 - O país de máquinas (Stálin chamou assim): Em 1795, Jacob Perkins inventou uma máquina capaz de cortar e moldar as cabeças de 200 mil pregos por dia. A máquina de fazer pregos possibilitou a construção de casas no “sistema balão” com um mínimo de qualificação e esforço. William Wordsworth tornou-a ainda mais útil ao inventar uma máquina na década de 1820 capaz de cortar madeira segundo especificações. Em 1819, os americanos consumiam 2 milhões de metros cúbicos de madeira por ano — 3,5 vezes a quantidade de madeira per capita dos britânicos. (...) em 1850, até as máquinas mais sofisticadas eram feitas de madeira e empregavam correias feitas de couro.
41 - Durante o século XVIII, a América britânica tornara-se mais enredada na economia da metrópole. A América importava produtos manufaturados da Inglaterra e pagava com seus recursos naturais abundantes, como peixes e madeira, além dos produtos provenientes da agricultura comercial, como tabaco e arroz.
42 - ...A guerra pela independência dos EUA foi financiada pelo imposto inflacionário com a emissão de uma nova moeda. A guerra devastou a frágil economia americana. Os exércitos rivais destruíram cidades e propriedades rurais. Os navios de guerra britânicos dificultaram o comércio. Mais de 25 mil americanos morreram em batalha. A tentativa do Congresso Continental de financiar a guerra com uma propaganda maciça na mídia impressa, imprimindo mais de 242 milhões de dólares em moeda fiduciária na forma de “continentais”, funcionou a princípio, permitindo a George Washington comprar comida e armamentos, mas acabou levando a uma hiperinflação.
43 - ...a América passou pelo que um historiador chamou de “sua maior queda na renda de todos os tempos”, com um declínio de 30% da renda nacional, um reflexo do comércio internacional. Tinha ainda uma imensa dívida.
44 - A Constituição americana deu ao governo federal uma autoridade maior para aumentar a receita por meio de taxas alfandegárias. Isso deu a Hamilton os recursos para fortalecer a confiança na América com o pagamento de antigos empréstimos, em particular à França, e depois usar essa confiança como um trunfo na negociação de novos empréstimos. A recuperação econômica acabou vindo forte também: O produto interno bruto real da América aumentou 3,7% em média por ano de 1800 a 1850. A renda per capita aumentou 40%.
45 - O pânico de 1819 foi a primeira experiência da América com uma crise financeira em tempos de paz. Contração de crédito e execução de hipotecas prejudicando fazendas de algodão. Outras parecidas ocorreram. Esse pânico estabeleceu o padrão para uma sucessão de outros, ocorridos em 1837, 1857, 1873, 1884, 1893, 1896 e 1907. Enfim, atribui a movimentos do crédito. Essa expansão exagerada levava ao aumento das taxas de juros, os quais conduziam a correções agudas no mercado de ações e ao furor político. Conforme pode ser visto no Gráfico 2 (p. 49), a atividade econômica entre 1855 e 1907 alcançou consistentemente de 85 a 87% da capacidade antes de cair logo em seguida.
46 - Traz explicações culturais para o sucesso: Os protestantes valorizavam o trabalho duro como prova de virtude e a educação como caminho para a compreensão da bíblia. Os philosophes do Iluminismo questionavam o valor da hierarquia e da autoridade, encorajando as pessoas a confiarem em seu próprio julgamento.
47 - Escassez de trabalho também era um trunfo. Havia muita terra (e crescente, com as compras, conquistas e roubos de territórios) para poucas mãos.
48 - As fábricas nos EUA tinham aspecto bem melhor: Nos Estados Unidos, os primeiros germes da industrialização surgiram em terras verdes e agradáveis — geralmente às margens de rios em pequenas cidades da Nova Inglaterra.
49 - A América rapidamente superou a Grã-Bretanha como a maior fábrica mundial de empreendedores, produzindo o maior número de patentes per capita em 1810 e obtendo sucesso em indústrias que estavam no coração da revolução da produtividade, incluindo a das embarcações a vapor, a das máquinas agrícolas, máquinas-ferramentas e máquinas de costura. Após, Greenspan menciona diversas invenções altamente produtivas da época. Quase umas dez. Goodyear, Singer, Morse, agricultores etc e etc.
50 - ...Um exemplo: ...McCormick recrutou empresários locais para atuar como “agentes” e promover suas colheitadeiras. Ele foi pioneiro em muitas das bases do mercado moderno: amostras grátis para abrir o apetite, garantias de devolução de dinheiro para reduzir as dúvidas e anúncios “educacionais” em publicações agrícolas para criar um novo mercado.
51 - Elogia amplamente a construção de estradas melhores (para as carruagens da vida...) com pedágios e, especialmente, grandes canais de água para transportes.
52 - Século XIX foi, durante muito tempo, o século da máquina a vapor. A aplicação mais excitante das máquinas a vapor se deu nos transportes. O vapor foi a primeira fonte de energia que podia ser completamente controlada pelo homem: não era preciso esperar que o vento soprasse na direção certa ou que o cavalo fosse domado. Primeiro vieram os barcos e só depois os trens. Podiam transportar carga tanto contra quanto a favor da corrente. Podiam enfrentar correntes fortes, e até o caudaloso Mississippi. Também foram ficando cada vez mais rápidos com o passar das décadas.
53 - A primeira ferrovia dos Estados Unidos, a Baltimore and Ohio, iniciou suas operações em 1830, cinco anos depois da britânica Stockton and Darlington. Não demorou para que a nova tecnologia estivesse se espalhando mais rápido na América do que na Europa: era muito mais fácil para as companhias ferroviárias americanas obterem direito de passagem do que para suas contrapartes europeias, já que o país tinha tantas áreas desertas e o governo lhes cedia terras de graça ou baratas. A América ganhou 8 mil quilômetros de trilhos na década de 1840, e 32 mil quilômetros, na de 1850. No início da Guerra Civil, o país tinha mais quilômetros de ferrovias do que o Reino Unido, a França e a Alemanha juntos. De acordo com Fishlow, o montante de dinheiro investido nas ferrovias foi mais de cinco vezes superior à quantia investida nos canais.
54 - Greenspan coloca que o surgimento das ferrovias meio que matou os canais (destruição criativa). O desperdício foi considerável. Muitos barões das estradas de ferro exageraram na construção até sofrerem falências espetaculares. Não havia um sistema ferroviário, mas uma miscelânea de companhias rivais que usavam bitolas diferentes, vagões de tamanhos diferentes e até fusos horários diferentes (embora os padrões das bitolas e até dos fusos horários em alguns casos fossem determinados por região).
55 - ...As ferrovias merecem todas as glórias. Elas eram significativamente mais eficientes do que outros meios de transporte. Podiam ser construídas em quase qualquer lugar. Isso significava que podiam abrir a rota mais rápida em vez de precisarem seguir um rio serpenteante, como os barcos a vapor, ou admitir derrota quando confrontadas por montanhas, como os pequenos botes. Aumentaram a produtividade de toda a economia.
56 - O estilo de vida mudou. Os EUA ficaram mais curtos e dinâmicos. Quando Andrew Jackson chegou a Washington em 1829, viajou de carruagem puxada a cavalo, locomovendo-se à mesma velocidade que os imperadores romanos. Quando partiu, oito anos depois, viajou de trem, locomovendo-se quase à mesma velocidade que os presidentes atuais viajam quando se dignam a usar esse meio de transporte.
57 - A fabricação de linhas telegráficas era muito mais barata do que a de ferrovias: em 1852, a América tinha 35.405 quilômetros de linhas telegráficas e 17.702 quilômetros de trilhos. (...) O telégrafo acabou por transformar a América em um mercado comum para a informação financeira: Chicago conseguiu abrir sua bolsa de commodities em 1848 por gozar de comunicação instantânea com a Costa Leste.
58 - ...A disseminação do telégrafo tornou-se global com a abertura do cabo transatlântico em 28 de julho de 1866. A instalação de um cabo através de um imenso oceano provara-se inevitavelmente difícil — cinco tentativas entre 1857 e 1866 falharam porque o cabo se partiu —, mas o esforço compensou. Antes do cabo, levava cerca de dez dias para transmitir uma mensagem para o outro lado do Atlântico por navio — e mais ainda se o tempo estivesse muito ruim. O cabo reduziu o tempo necessário para o envio de uma mensagem importante para uma hora ou duas, e até menos (o primeiro cabo suportava cerca de oito palavras por minuto). O cabo permitiu o surgimento de um mercado financeiro integrado transatlântico sediado em Londres, Nova York e São Francisco. Esse mercado manteve um fluxo de informações que permitiu o ajuste da oferta e da demanda e, assim, também a melhoria da alocação dos recursos globais.
59 - A proporção de americanos que viviam nas cidades aumentou de 5% em 1790 para 20% em 1860. A proporção da força de trabalho dedicada a ocupações fora do campo cresceu de 26% para 47%.
60 - Os economistas estimam que a produção real per capita aumentou em 1,25% ao ano de 1820 a 1860, enquanto de 1800 a 1820 aumentou 0,24%.
.
Comentários
Postar um comentário