Livro: João Bernardo - Economia dos Conflitos Sociais - Capítulo 7 (PARTE "B")

                                                                                

Livro: João Bernardo - Economia dos Conflitos Sociais



(...) 


Pgs. 371-399


"CAPÍTULO 7: "Economia dos processos revolucionários"


284 - Mais um exagero? Vamos ver o desenvolvimento da tese. Coloca que são tipo os ciclos de Kondratiev. Considero que a assimilação das instituições degeneradas, surgidas nas formas autônomas de luta, ritma o que denomino ciclos longos da mais-valia relativa.


285 - ...A fase de ascensão de formas autônomas de luta marca o início de um ciclo longo de mais-valia relativa. (...)  Quanto mais solidamente a fase de assimilação parece estar implantada, mais começam, porém, a difundir-se novos tipos de luta autônoma, cuja recuperação é inviável no interior dos mecanismos já constituídos. A generalização destes novos tipos de luta marca o início da primeira fase do ciclo seguinte. (...) Além disso, e em termos muito genéricos, a fase que considero de ascensão de um dado tipo de luta autônoma corresponde às fases de recessão e depressão, sobrepondo-se a fase de assimilação plena às fases de recuperação e prosperidade.


286 - (...) é impossível, portanto, estabelecer datas exatas para os limites extremos dos ciclos longos da mais-valia relativa, contrariamente ao que sucede com os ciclos de Kondratyev, medidos por índices de flutuações de preços ou do output industrial ou do investimento.


287 - ...No entanto, vejo que ele tentou: Na cronologia que proponho, deixo numa data incerta a abertura do primeiro ciclo, começando a fase de assimilação em torno do ano de 1848, para se esgotar nos meados da década de 1860, quando se passou ao segundo ciclo longo. Neste, a ascensão de novos tipos de luta autônoma processou-se até o princípio da década de 1870, iniciando-se a sua assimilação desde os meados dessa década até 1916 ou 1917. De 1917 até meados da década de 1930, teve lugar um surto ascensional de lutas autônomas, que foi plenamente assimilado desde então até os anos iniciais da década de 1960. Com o começo dessa década, inaugurou-se o quarto dos ciclos longos, cuja fase de ascensão das formas autônomas de luta julgo ter em geral ocorrido até meados da década de 1970, por vezes mesmo tocando os anos iniciais da década de 1980, parecendo-me que entrou já na fase de assimilação plena.


288 - Cenário de 1848: Assim, enquanto na esfera das empresas a burguesia aparecia aos trabalhadores como o inimigo único, na esfera do Estado R o predomínio da velha aristocracia convertia-a em adversária comum da classe trabalhadora e da burguesia. 


289 - ...Sobre as limitações do cenário: ...Pelo fato de as lutas nesta esfera não se terem nunca unificado, durante este primeiro ciclo longo, com as processadas no âmbito das empresas e, portanto, de este igualitarismo não ter encontrado diretamente um fundamento econômico, não devemos deixar de entendê-lo como uma verdadeira manifestação da solidariedade decorrente do coletivismo na luta.


290 - Pós-1848: A burguesia obteve, a partir de então, a completa supremacia política sobre a aristocracia tradicional, ainda que durante algumas décadas os burgueses assim promovidos se adornassem com os antigos títulos nobiliárquicos. E, pouco a pouco, foi-se iniciando a progressiva extensão do sufrágio, assentando o novo quadro político na assimilação das formas degeneradas do antigo movimento igualitário.


291 - ...Foi em 1851 que na Grã-Bretanha apareceu o primeiro sindicato hierarquizado e burocratizado, que se tornaria a norma daí em diante. Este primeiro ciclo longo encerrou-se com a conversão do movimento autônomo pelo sufrágio em hegemonia política da burguesia; e com a transformação do quadro sindical em sistema disciplinar reprodutor das hierarquias capitalistas.


292 - Imagino que aqui já esteja tratando do período "fim do século XIX" até a I Guerra: ...Não aparecendo à classe trabalhadora como antagonistas e, ao mesmo tempo, enfrentando visivelmente a burguesia, os gestores não foram nesta fase claramente distinguidos pelos trabalhadores em luta, que frequentemente os escolhiam para seus delegados


293 - Os gestores vão tomando conta da coisa: Quando, nas instituições de luta contra o patronato, os eleitos, sendo revocáveis, nunca o são, eles são na realidade, ao longo de todo o processo, verdadeiros dirigentes. É a causa da burocratização sindical, coloca. JB chega a defender que o taylorismo se aproveitava do disciplinamento exercido pelos sindicatos. Eram "sócios", digamos. O taylorismo foi um resultado da rápida e completa burocratização dos sindicatos, sem a qual nunca teria podido existir. No mais, coloca que os partidos hierarquizados cresciam e eram outra forma de poder dos gestores.


294 - As internacionais: A Primeira Internacional pretendera articular a luta pela democratização do Estado R com a luta contra a burguesia no Estado A. A Segunda Internacional conjugou ambos os planos, na fase em que já se encontravam inteiramente recuperados. Não se tratou apenas da assimilação capitalista dos sindicatos burocráticos e dos partidos de tipo kautskiano, porque a Segunda Internacional foi mais do que a soma desses elementos. Em cada país, a estrutura da Segunda Internacional consistia numa verdadeira integração de um partido com vários sindicatos, e foi esta conjugação que o capitalismo assimilou, enquanto fundamento do corporativismo. A forma específica pela qual no segundo ciclo longo os mecanismos da produtividade recuperaram as lutas autônomas consistiu na inauguração de uma sistemática cooperação entre ambos os tipos de aparelho de poder


295 - ...Coloca que "planificação" virou a palavra da moda. Para uns, a planificação seria o instrumento pelo qual a sociedade organizada como um coletivo faria prevalecer sobre os processos econômicos o critério da utilidade social. Para outros, a planificação constituía a antevisão de um capitalismo altamente concentrado, em que a classe dos gestores pudesse organizar globalmente a economia, ultrapassando para sempre o particularismo burguês.


296 - Primeira Guerra: Nessa época, aqueles que se mantiveram fiéis aos interesses internacionalistas da classe trabalhadora denunciaram o que consideravam ser “a traição” da Segunda Internacional, ao colaborar no esforço de guerra. Não houve aqui, na verdade, traição de espécie alguma, pois os aparelhos partidários e sindicais da Segunda Internacional desde o início se integravam no capitalismo, e não no campo da autonomia trabalhadora


297 - ... Se alguma coisa este primeiro conflito mundial teve de peculiar, comparado com o segundo, foi a rapidez com que os trabalhadores conseguiram reconstituir internacionalmente a unidade que havia sido quebrada. Desde cedo, os elementos radicais mais ativos começaram a estabelecer contatos para além da beligerância que separava os respectivos países, assim como, em nível cultural, o dadaísmo, a primeira expressão artística absolutamente moderna, surgiu antes de tudo como um movimento contra a guerra e os patriotismos. Este nível superestrutural de atuação deixava transparecer o que mais profundamente se generalizava entre as grandes massas. A partir de finais de 1916, ambas as frentes foram rasgadas por revoltas entre os soldados, por vezes deserções coletivas, ou por fim revoluções. A guerra de 1914-1918, se nos dois primeiros anos culminou a fase de assimilação do segundo dos ciclos longos, nos dois anos seguintes abriu a importante fase de ascensão das lutas autônomas com que se iniciou o terceiro ciclo.


298 - Entreguerras: Criaram-se, ou reforçaram-se quando existiam já, comissões de delegados dos trabalhadores inteiramente independentes da estrutura sindical burocratizada, algumas com nomes que vieram a marcar indelevelmente a história da época, e decorrentes da movimentação no quadro das empresas. Foi esta, relativamente ao ciclo anterior, a característica decisiva do terceiro ciclo longo, resultante da duração muito maior revelada pela fase autônoma dos conflitos. A crescente oposição prática entre a classe dos gestores e a dos trabalhadores permitiu que, nas lutas coletivas e ativas, os delegados passassem a ser escolhidos entre os trabalhadores e garantiu assim uma maior resistência destas formas organizativas à recuperação e, portanto, o aprofundamento sem precedentes das experiências autonômicas. Ocupações e convulsões ganharam corpo em vários países.


299 - Os gestores aproveitavam o caráter global da sua oposição à burguesia para recuperar centralmente as formas autonômicas. Na economia e/ou na política.


300 - Contra a escola taylorista de organização do trabalho, a corrente iniciada por Elton Mayo e que encontra equivalente na esfera da URSS reconheceu a importância dos grupos informais constituídos no processo de produção e pretendeu, em vez de reprimi-los ou dissolvê-los, recuperá-lo. Não procurava dispersar um coletivo no individualismo, mas tornar passivos os coletivos que antes haviam sido ativos, neles assentando um novo tipo de disciplina de empresa. Mayo reconheceu, por exemplo, numa das suas experiências célebres, que um movimento ativo de greve, reforçando a solidariedade entre os participantes, permitia ao patronato recuperá-lo, uma vez reiniciado o processo de trabalho, em formas superiores de cooperação, ou seja, assimilá-la enquanto acréscimo da produtividade.


301 - JB passa superficialmente - em comparação a outro texto dele que já fichei - sobre a questão da harmonia capitalista na guerra, enfatizando a ausência de bombardeio da indústria pesada e a colaboração via BPI. Ao longo do conflito, o Banco de Pagamentos Internacionais, estabelecido na Suíça neutra, nunca deixou de incluir pessoal oriundo de todos os países beligerantes, o qual, sem exceção, recebeu ordem dos respectivos bancos centrais para colaborar na maior harmonia. Coloca que serviram de mediação pra Bretton Woods depois.


302 - A divisão nacionalista da classe trabalhadora tem sido, em primeiro lugar, fator decisivo do seu enfraquecimento perante a coesão manifestada na esfera mundial pelos capitalistas.


303 - Assimilação das lutas no cenário de pós-guerra: Foi a partir de então que as teses de Elton Mayo começaram verdadeiramente a difundir-se e que a rivalidade entre as instituições herdadas da Segunda Internacional e as da Terceira deu lugar a um paralelismo, em que todas colaboraram empenhadamente nas novas estruturas do poder. Esta segunda fase foi, assim, a imagem invertida da primeira.


304 - Quanto mais o Estado A se afirma como o eixo das inovações políticas e a principal sede dos mecanismos do poder, tanto mais as empresas são alvo das formas mais radicais da luta autônoma. Num contexto, porém, de plena assimilação dos aparelhos sindicais, qualquer coletivismo de ação no interior das empresas só poderá desenvolver-se, ou frequentemente mesmo só poderá vir à luz, se combater explicitamente as burocracias sindicais ou, pelo menos, se as deixar de lado. Foi assim que, a partir dos inícios da década de 1960, generalizaram-se greves sugestivamente apelidadas de selvagens, quer dizer, exteriores aos sindicatos oficiais, alheias aos mecanismos instituídos de recuperação dos conflitosCom este movimento, inaugurou-se a primeira fase do quarto ciclo longo. Ocorriam em ambas as esferas de influência.


305 - Pouco mais de um ano depois, cerca de dez milhões de grevistas paralisavam o capitalismo na França, muito para além de quaisquer palavras de ordem das centrais sindicais, e cerca de cem empresas foram então ocupadas. Tratava-se ainda de mera ocupação, consolidando o controle coletivo sobre a luta, mas sem transpô-lo para as relações de produção. A partir do final de 1968, porém, esboçaram-se na Itália ocupações que incluíam formas de organização da produção e a partir de 1973 este tipo de movimento atingiu um estagio superior, com célebres experiências na França e, mais generalizadamente, em Portugal de 1974 e 1975. Coloca que o termo "apartidarismo" surgiu a partir da experiência radical portuguesa. Por fim, coloca a Polônia de 80/81 como o último caso pré-assimilação.


306 - Nacionalismo na porta da queda da URSS (livro é de 89 ou 90 que eu lembre):  As ambigüidades nacionalistas têm ocorrido tanto na área de poder estadunidense quanto na da União Soviética, onde, por exemplo, explicam a simpatia que os trabalhadores dos outros países membros do Comecon manifestam pelas posições descentralizadoras, contrárias a Moscou, defendidas por certas facções gestoriais, ou ainda, no interior da URSS, pelo apoio que os trabalhadores têm prestado nas nacionalidades periféricas à atuação dos gestores locais contra a burocracia central


307 - JB critica a limitação nacionalista no movimento autônomo. As experiências acabam travadas pelo fato de não se reproduzirem simultaneamente num número crescente de países. A grande vantagem apontada desse ciclo é que já se reconhece, por vezes, nos movimentos, a cisão entre interesses dos gestores e dos trabalhadores.


308 - Exagero ou realidade?: O nacionalismo no interior da classe trabalhadora é, portanto, neste quarto ciclo em que hoje vivemos, a razão última do fracasso das formas autônomas. As camadas superiores dos capitalistas já estão absolutamente transnacionalizadas, devido à concentração do Estado A e à integração mundial da elite dos gestores.


309 - Assimilação acelera na década de oitenta em diante: ...A sua natureza coletivista e igualitária degenera-se e extingue-se, mas a disposição dos trabalhadores para criá-las é assimilada pelo capital. A aptidão revelada para conduzirem eles próprios as lutas, para deliberar, decidir e controlar todos os seus passos, é assimilada enquanto capacidade intelectual da força de trabalho. (...). Quando as máquinas passam a encarregar-se da realização de operações até então apenas mentais, a capacidade intelectual dos trabalhadores fica disponível para outros fins e multiplicada nos seus efeitos. A informática é um dos meios tecnológicos para realizar este acréscimo, intensivo e a longo prazo, da mais-valia relativa.


310 - Outra forma de assimilação foi o "controle de qualidade": Começa a difundir-se a constituição de grupos formalizados de trabalhadores, dotados de uma margem pré-definida de independência; capazes de organizar o processo de trabalho no interior do grupo, desde que em sujeição às normas gerais vigentes na empresa; responsáveis por uma percentagem do output da unidade de produção em que trabalham e pelo controle da sua qualidade. Procuram assim os capitalistas estimular e promover a iniciativa dos trabalhadores no processo de produção e fazer com eles próprios se fiscalizem. Como os prêmios de produção são atribuídos coletivamente, todo o grupo é responsabilizado pelas contestações individuais e as reprimirá enquanto não puser radicalmente em causa o próprio princípio da disciplina de empresa. Esta redução dos custos de fiscalização constitui um importante fator de aumento da produtividade.


311 - É este o fulcro da contradição do nacionalismo, atingindo os extremos mais paradoxais quando vemos, na última década, que a dinâmica das lutas nacionais ou de matiz nacionalizante, na África do Sul, na Palestina, em alguns estados na União Soviética e na Iugoslávia, tem cabido aos trabalhadores, que nesse processo alcançam uma autonomia crescente. Trata-se, então, do desenvolvimento das formas autonômicas? Do reforço das limitações nacionalistas?


312 - Final: Os trabalhadores repartem-se entre duas vidas: a que se integra na reprodução do capital e a que o põe em causa. Qual dessas vidas destruirá a outra, é o que há de dizer esta longa guerra dos mil anos.



Nota sobre a ausência de uma bibliografia 



313 - Essa pequena parte eu já tinha lido e acho que até já fichei.


314 - Critica o "matematicismo" dos neoclássicos, que nem consideram importantes fatos econômicos (cita pesquisa). Virou "teologia laica". Porém, adverte... E não se riam, de satisfeitos, aqueles que, à esquerda, pensam ter sido a “ideologia” neoclássica a única vítima dessa degradação, à qual se teria mantido imune a “ciência” econômica marxista. No seu livro sobre a luta armada no Brasil durante o período dos governos militares, Jacob Gorender revela como a esquerda pôde, em nome de princípios doutrinários correspondentes a uma realidade inteiramente caduca e, portanto, desprovidos já de fundamento empírico, ignorar a rápida expansão econômica da época. A liquidação física foi o trágico resultado desta inadequação ao real.


315 - Recomenda observar os fatos (jornais... revistas...) e "andar na rua"



Posfácio à segunda edição



316 - Umas seis páginas, em maio de 2006. 


317 - Quem se interesse pelo conjunto do meu trabalho terá porventura notado que este livro, apesar de grandes diferenças no estilo, na forma e no método de exposição, constitui uma outra versão do Para uma Teoria do Modo de Produção Comunista, a primeira obra que publiquei legalmente e sob o meu verdadeiro nome, depois da queda do fascismo em Portugal.


318 - Não se trata de dizer que a sociedade é determinada pela economia, no sentido vulgarmente atribuído a esta palavra, mas que a sociedade é determinada pelo processo de exploração, com tudo o que ele implica de econômico, de político e de ideológico. Desvendar a exploração deve ser o objetivo último da atividade crítica, assim como lutar contra a exploração deve ser o objetivo principal da ação prática.


319 - O fundamentalismo religioso apresenta o mesmo caráter paradoxal de rebelião e de defesa da ordem que caracterizou o fascismo no período entre as duas guerras mundiais.


320 - Termina o posfácio criticando a ideia de Economia Solidária de Paul Singer. Diz não ter a ver com as ideias dele. Num caso trata-se de pôr radicalmente em causa a existência de gestores e de inaugurar novos critérios de produtividade, distintos dos critérios capitalistas; no outro caso trata-se de criar incubadoras — estranha denominação! — para formar gestores encarregados de administrar empresas à beira da falência, de acordo com os critérios de produtividade ditados pelo mercado capitalista. Eu nem julgaria sequer necessário chamar a atenção para este contraste, não fosse o fato de algumas pessoas, por razões que ignoro, invocarem certas passagens do Economia dos Conflitos Sociais em abono de teses e de orientações políticas de que discordo completamente.




FIM!


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