Livro: IPEA - Roberto Simonsen e Eugênio Gudin - (...) Parte III
Livro: IPEA - Roberto Simonsen e Eugênio Gudin - A Controvérsia do Planejamento na Economia Brasileira (2010)
(...)
Pgs. 87-127
"PARTE III: "Rumos de política econômica (Eugênio Gudin)"
69 - Problema monetário frente à inflação crescente: ...E ainda há quem pretenda iludir a opinião, invocando algarismos comparativos de “quantidade de moeda per capita” em vários países (como se a quantidade de moeda devesse ser função de “capitas”e não da renda nacional) ou a alegação de que nosso meio circulante está garantido pelo ouro e divisas no exterior, como se nossa moeda fosse conversível em regime de padrão ouro ou como se nossos saldos no exterior não tivessem de ser, depois da guerra, largamente absorvidos pelas enormes necessidades acumuladas de importação.
70 - Coloca que países que também estão com "excesso de exportação" (cita a Argentina) estão, apesar disso, controlando a inflação. Logo, não seria "desculpa" suficiente.
71 - Não se considera antiquado. Os princípios aqui invocados são, ao contrário, o que se poderia chamar de mais “moderno”, de mais avançado em matéria de economia. São profundamente inspirados nos trabalhos de Keynes, o grande renovador, de Robertson, de Alvin Hansen, de Haberler, todos vivos, e acatados conselheiros econômicos dos governos inglês e americano, como respeitados mestres que são. Continua, mostrando que o marginalismo e afins não são "a" grande inovação. O reconhecimento da importância da liquidez mudou tudo. A verdadeira revolução do pensamento econômico consistiu na introdução da teoria dos ciclos de prosperidade e depressão, mostrando que o ajustamento automático, que os clássicos pressupunham, não se realizava, porque a taxa de juros do dinheiro não funcionava como eles imaginavam (mesmo que ela fosse zero, sempre haveria economias se a renda nacional fosse elevada), porque a propensão a economizar é menos função da taxa de juros do que do vulto da renda nacional e da propensão à liquidez, e ainda porque, na realidade, o sistema de preços sofre uma série de impactos das instituições, dos hábitos e do comportamento social.
72 - ...Na mesma esteira, critica Say: ...Ele não figurava a hipótese – que é a da realidade – da retenção de poder de compra em suspenso (economias) e da possibilidade da não aplicação dessas economias.
73 - ...Mais talvez do que a qualquer outro economista, cabe a Keynes o grande mérito de ter esclarecido a influência da função consumo na teoria dos ciclos, mostrando a possibilidade de equilíbrio em baixo nível de renda nacional (depressão estabilizada), como de ter dado a merecida ênfase ao problema do desemprego, isto é, do desperdício dos fatores de produção. Toda a economia moderna gira em torno desses complexos estudos, prosseguidos e esclarecidos por Robertson, Hansen, Haberler e tantos outros.
74 - Crê que a inflação brasileira da época era causada pelo deslocamento de fatores do setor de produção de bens de consumo para o de bens de capital, construção civil e etc. Os frutos disso não são colhidos imediatamente e as pessoas só vão reduzir o consumo (exigência da nova situação salvo aumento compensatório de produtividade) se os preços aumentarem. Criamos, assim, uma situação de hiperemprego e de hiperinvestimento, com a agravante de realizarmos os investimentos com material e mão-de-obra a preços de guerra.
75 - Critica o "espírito mercantilista" quando vai ao tema "comércio exterior". Pensa-se em exportação como a operação que traz dinheiro para o país e em importação como a que o retira. Enfim, déficit comercial não é um mal em si.
76 - ...Uma forte entrada de capital estrangeiro para investimento no país, por exemplo, pode dar lugar a um déficit do balanço de comércio (o que é, aliás, natural, porque o afluxo de capital faz-se geralmente acompanhar de importação de maquinismos, materiais etc.) sem que daí resulte qualquer mal para a economia do país.
77 - ...O déficit pode ser prejudicial, como, por exemplo, quando resulta de inflação de meios de pagamento no país. Com o dólar a 20 cruzeiros e a inflação reinante, nosso déficit, uma vez restabelecido o comércio internacional, seria não só inevitável como vultoso e prejudicial. Mas aí o mal está na inflação, de que o déficit de balanço de comércio é simples consequência. Dinheiro local em excesso.
78 - Em um país de economia em formação, como o nosso e como os Estados Unidos até 1873, é perfeitamente normal que o equilíbrio do balanço total de pagamentos se realize por uma entrada de capitais superior à remessa de juros e dividendos do capital estrangeiro já investido. No mais, critica a solução da substituição de importações.
79 - Situação dos EUA no início do pós-guerra: “O maior handicap às exportações (dos Estados Unidos) não tem sido o das barreiras e restrições nos outros países e sim da escassez de dólares. E a menos que os Estados Unidos tornem possível um maior afluxo de importações, essa situação só tenderá a piorar”, “O interesse dos Estados Unidos, como membro da comunhão mundial e como nação individual, é o de aumentar ao máximo suas transações internacionais e para isso tornar disponível um maior e mais estável suprimento de dólares".
80 - Não vê muito sentido em acumular reservas e esterilizar para impedir valorização cambial. Uma das consequências do lema "exportar muito e importar pouco".
81 - Para importar pouco levantamos barreiras alfandegárias e atrás delas construímos a produção nacional a preços elevados. Consequência: elevação do custo da vida, de salários, portanto de custos de mercadorias de exportação, o que conduz diretamente à redução das exportações. (...) Acresce que nenhum país dispõe de fatores de produção em quantidade ilimitada. Se, para evitar as importações orientam-se esses fatores para a produção de consumo doméstico, eles farão falta na produção para exportação, o que acabará reduzindo não só as importações, mas as exportações também
82 - Enfim, quer amplo comércio internacional.
83 - Protecionismo e indústria nascente: List dizia que os direitos aduaneiros deviam ser “moderados e temporários”; não superiores a 25% porque, dizia ele, se a indústria doméstica parte de início com tão grande desvantagem que precisa de proteção maior, então haverá pouca probabilidade de que ela jamais se torne independente, Vinte e cinco a trinta anos era o prazo que List indicava como suficiente para o amparo a qualquer indústria nacional.
84 - ...Na indústria têxtil, por exemplo, que trabalha com algodão nacional, energia e mão-de-obra baratas, vemos, pelo relatório da Missão Cooke, que 50 anos de forte proteção aduaneira não foram suficientes para que nossas indústrias se aparelhassem para concorrer com o estrangeiro, ao menos no mercado interno (vide M. Cooke Brazil on the March – p. 213 a 217).
85 - Mas o melhor dessa tese é sua referência à famosa “Teoria do Protecionismo” do sr. Manoilesco, “a quem cabe a glória de haver dado caráter científico ao protecionismo”! (Pobre ciência.) (...) Esse livro do sr. Manoilesco foi mandado traduzir para o português pelo Centro das Indústrias de São Paulo e distribuído como uma espécie de bíblia do protecionismo.
86 - Câmbio e proteção: As mercadorias importadas encarecem desde logo proporcionalmente à queda da taxa cambial, enquanto o custo de produção das mercadorias produzidas no país só muito lentamente vai subindo. Daí a margem de proteção de que se beneficia a indústria nacional durante esse período. A mercadoria estrangeira encarece desde logo, ao passo que o custo de produção da mercadoria nacional só muito lentamente se vai agravando.
87 - Logo ao fim da guerra, o câmbio estava valorizado. No momento atual, está muito reduzida a importação de mercadorias estrangeiras concorrentes das nacionais, mas se, restabelecida a normalidade das trocas internacionais, se quiser assegurar a nossa indústria a margem protecionista que lhes dá a tarifa aduaneira, importa reajustar as taxas cambiais ao nível natural da paridade do poder de compra. Na atual situação, quem goza de proteção é a mercadoria estrangeira e não a nacional.
88 - Contesta a necessidade de industrialização: Dos sete países de renda nacional mais alta do mundo, três (Nova Zelândia, Argentina e Austrália) são de economia preponderantemente agrícola.
89 - Segurança nos investimentos: Gudin ataca a possibilidade de um todo-poderoso Estado entrar "do nada" num setor para concorrer com a iniciativa privada, por exemplo. Seria competição injusta. Teme também os tribunais trabalhistas e outros exemplos do tipo na questão do risco que podem trazer ao capital. O mesmo para a lei: A lei deve ser estável. A instabilidade da lei afugenta o capital, como bem observa Eric Johnston. Ninguém quer arriscar seu capital na base de uma lei, que se modifica da noite para o dia, sem maior debate ou discussão pública.
90 - ...Na mesma esteira, critica a instabilidade cambial. Dificulta que os credores se interessem por nossos títulos.
91 - Composição da formação de capital e capital produtivo: ...A construção de casas residenciais, por exemplo, é uma modalidade de formação de capital, Ela é decerto desejável e, indubitavelmente, aumenta o bem estar da comunhão. Mas não aumenta a capacidade produtiva.
92 - Sua visão sobre estrutura tributária: ...Outro ponto importante é o de tributar o indivíduo de preferência à empresa e de reduzir ou suprimir o imposto de renda sobre a parte dos lucros que tenham sido “proveitosamente reinvestidos” (ploughed back) em equipamento produtivo.
93 - Requisitos para não abrir mão do apoio do capital externo: a) estabilidade cambial; b) livre fluxo; c) igualdade de tratamento em relação ao nacional; d) atitudes intervencionistas do Estado e taxas moderadas de imposto.
94 - ...Faz ressalva: Capital especulativo ou refugiado a curto prazo (floating capital) é, em princípio, indesejável. Na atual conjuntura inflacionista, a Argentina acaba, muito judiciosamente, de proibir a entrada dessa espécie de capital.
95 - ...Também recomenda evitar exageros na busca pelo IED: Contratos exclusivos e tratamento preferencial devem ser evitados. Nenhuma companhia ou indivíduo deve solicitar monopólios.
96 - Ao fim, há sete páginas resumindo bem suas propostas em sentenças curtas. Exemplo: A margem de proteção aduaneira (tarifa mais taxas acessórias) a ser concedida às indústrias nacionais não deverá, salvo casos excepcionais e motivos imperiosos, exceder de 33% sobre o valor médio CIF dos produtos similares importados, da mesma qualidade.
97 - Entre outras medidas, propôs comissões investigativa/propositiva da produtividade brasileira nos diversos setores industriais e agrícolas. A ideia era contratar técnicos nacionais e estrangeiros e ver se e onde se podia melhorar.
98 - Gudin falava ainda em incentivar escolas técnicas, controlar a inflação e etc.
99 - Última: Recomenda-se que, uma vez dominada a atual inflação, regularizada a situação monetária e restabelecidas a normalidade do comércio internacional e a paridade das taxas cambiais com o poder de compra da unidade monetária nacional, seja criado o Banco Central. (...) 23 de março de 1945.
.
Comentários
Postar um comentário