Livro: IPEA - Roberto Simonsen e Eugênio Gudin - Partes IV e V
Livro: IPEA - Roberto Simonsen e Eugênio Gudin - A Controvérsia do Planejamento na Economia Brasileira (2010)
Pgs. 128-181
"Parte IV - O planejamento da economia brasileira (Roberto C. Simonsen)"
100 - Réplica ao sr. Eugênio Gudin, da Comissão de Planejamento Econômico, publicada em São Paulo, em junho de 1945.
101 - Simonsen: Na Rússia desenvolveu-se, como em nenhuma outra região, a técnica do planejamento econômico, com caráter nacional. Foi a adoção anterior dessa técnica que facilitou a extraordinária resistência que a nação soviética pode oferecer às invasões de Hitler. (...) A Rússia soviética fará, com maiores facilidades que outras nações, a transição da economia de guerra para a da paz, não porque tenha um governo ditatorial, ou porque todas as suas indústrias são propriedade do Estado, mas em virtude da sua maior experiência no planejamento econômico.
102 - Defende a preservação da propriedade dentro de um plano nacional. Nos países em que existe o sufrágio universal e onde a maioria dos votantes não é proprietária, a propriedade privada só se manterá em sua plenitude enquanto essa maioria estiver convencida de que o exercício desse direito representa o verdadeiro interesse da sociedade em conjunto.
103 - Autores que defendem o planejamento econômico no capitalismo: ...Preconizando a adoção de meios suasórios para a execução dessa política e a manutenção ao máximo da iniciativa privada, sugere que a execução do planejamento seja principalmente levada a efeito por meio de negociações entre o órgão planejador e as empresas privadas.
104 - Simonsen parece sonhar que o Brasil receberia a mesma cooperação norte-americana que se desenhava para a reconstrução europeia.
105 - Acusa Gudin de ser oportunista. Mas S. Sª redigiu seu relatório em fevereiro e março últimos, em plena eclosão da campanha democrática desencadeada no país, prejudicada pela demagogia estéril e pelas seduções de uma fácil e enganadora popularidade; e quis, naturalmente, acompanhar a moda...
106 - Simonsen insiste no seu conceito de renda nacional. Realmente foi o "de Gudin" que mais se aproximou da contabilidade que ficou para a posteridade. Ao menos de PIB. De toda forma, faz algumas defesas dos dados. Essa avaliação aproxima-se também da que foi estimada em junho de 1944, nos estudos procedidos pelo Instituto de Economia da Associação Comercial do Rio de Janeiro, de que faz parte, como eu, o sr. Eugênio Gudin. (...) Ainda que esteja errado em mais de 50% sobre a realidade, constitui esse número um dado indiscutível da extrema pobreza do Brasil. (...) Em sua longa exposição, esse Departamento precisou minuciosamente os seus cálculos e a natureza do método adotado, sem nunca ter tido a pretensão de chegar a qualquer resultado que não fosse “aproximado”. Tratou-se, porém, de uma tentativa leal e corajosa (...).
107 - Simonsen reforça que seu "intervencionismo" é limitado: ...Admitida, porém, a intervenção do Estado para promover a criação de nossas atividades produtoras, importaria em castigar a própria iniciativa privada, caso se pudesse aceitar que o Estado amparasse novos empreendimentos em setores em que ela já se tivesse estabelecido de forma satisfatória. Coloca que os industriais não iriam mandar ou decidir tudo, como Gudin insinua. Não se trata de paternalismo.
108 - ...Confunde o relator a ação supletiva do Estado para a criação, no Brasil, de atividades ainda não existentes, ou existentes em grau insuficiente, com a encampação da United States Steel pelo governo norte-americano.
109 - Simonsen não vê que o capital nacional "governo a governo" possa afugentar capital externo. A ideia é que gere desenvolvimento das forças produtivas inclusive atraindo o último. Não se trata de investir em setores onde há concorrência privada.
110 - Diz que, de alguma forma, sempre houve planejamento. As tarifas protecionistas adotadas por mais de 120 anos nos Estados Unidos nada mais foram do que um instrumento de planejamento, almejando a larga intensificação da sua grandeza, transformando-o, durante o século XIX, de país agrícola em potência industrial. A regulamentação dos monopólios teve em mira encorajar e manter a concorrência entre as pequenas empresas, no interesse dos consumidores. A legislação trabalhista é uma intervenção para proporcionar uma melhor segurança na vida dos assalariados. A fiscalização dos gêneros alimentícios e dos medicamentos foi uma forma de intervenção, objetivando a proteção do consumidor.
111 - ...A guerra obrigou os americanos a adotarem uma larga política de planejamento, cujos assombrosos resultados ainda estão sob nossas vistas.
112 - ... Atente-se para a política de distribuição de terras aos colonizadores: à instituição, em 1862, do Homestead Act; à campanha iniciada por Theodore Roosevelt para a conservação das terras não cultivadas; todas as medidas visando amparar a agricultura nacional, que nada mais representam do que intervenções governamentais, planejando a economia de vários setores sociais e regionais.
113 - ...Para fazer face à crise da agricultura, o Agricultural Adjustment Act inaugurou um programa de proteção às colheitas, baseado em ajustes com colonos e fazendeiros, obrigando-os à limitação da produção. Foi instituído o regime de quotas para várias culturas. Declarado inconstitucional o AAA, foram restabelecidos pelo Congresso os principais serviços anteriormente criados, por terem sido julgados de grande alcance, não só para a agricultura como para a comunidade. (...) Citemos, também, a propósito, a Farm Security Administration, que promove a mudança dos agricultores em terras deficitárias para zonas melhores; o Civilian Conservation Corps (que teve suas atividades encerradas durante a guerra), trabalhando na conservação e embelezamento de fazendas, florestas públicas e privadas, afora muitas outras organizações governamentais que influem na vida agrícola americana.
114 - Medidas contra a crise de 29: ...Mas onde mais intensamente se faz sentir a intervenção do governo americano no campo econômico é nos setores bancários e de crédito. O Federal Reserve System compreende um sistema bancário integral, dispondo sobre a moeda e expansão de crédito, tudo a bem do interesse público. Em 1930, foi instituída a Reconstruction Finance Corporation para combater a crise surgida no ano anterior. Esse órgão proporcionou crédito às municipalidades, aos bancos, às empresas industriais que, por vários motivos, não o conseguiam pelos meios regulares. O governo passou a ser credor de bancos, estradas de ferro, companhias de seguros, companhias manufatureiras etc.
115 - ...É natural que os Estados Unidos da América, tendo duplicado durante a guerra a sua renda nacional e tendo alcançado uma potencialidade econômica e financeira sem precedentes na história, não tenham necessidade de planejar com os mesmos objetivos e amplitude que se impõem a um país empobrecido como o Brasil. Ali, o planejamento procurará abranger apenas os setores em que a iniciativa privada se mostre incapaz de solucionar os problemas com que a nação se vai defrontar no após guerra.
116 - Afirma que a desvalorização do dólar, uma das medidas do New Deal, também teria sido importante para a recuperação estadunidense.
117 - Considera que a NIRA iria ter um papel importante. Os cartéis da Nira, além das suas finalidades sociais, constituem mais uma importante arma anticíclica. A ideia seria manter preços e salários elevados.
118 - New Deal: ...Evitou-se o colapso completo do sistema bancário; entre 1933 e 1937, a receita bruta dos agricultores aumentou de 5,1 bilhões para 8,6 bilhões; no mesmo período, o emprego nas fábricas melhorou 40% e a renda nacional líquida cresceu de 39,5 milhões, em 1933, para 67 milhões, em 1937. Os elementos reunidos e as lições obtidas com sua experiência facilitaram, ainda, a grande mobilização industrial e agrícola para a guerra.
119 - Por que os EUA cresceram menos que muitos europeus? Afirma que correlação não é causalidade. O retardamento da recuperação norte-americana poderá ser explicado pela maior profundidade da sua crise. Além disso, dos outros países citados na estatística como tendo se reerguido economicamente em menos tempo que os Estados Unidos, três fizeram uma política muito semelhante, de franco intervencionismo estatal: a Inglaterra, pela desvalorização da moeda, pela execução de obras públicas, pelo combate à deflação, pela organização de cartéis, pelo regime de quotas; a Suécia, pela desvalorização da moeda, pelo combate à deflação, pelas obras públicas etc.; e a Alemanha, por uma série de métodos por demais conhecidos.
120 - Coloca que parte do New Deal perdurou mesmo após o fim do período ruim, mas que nunca se pretendeu que aquilo fosse algo permanente.
121 - Alerta que o Brasil estava era diminuindo o protecionismo: Os “pesados” (p. 112) direitos da tarifa aduaneira do Brasil constituem mais um dos habituais “equívocos” do ilustrado relator. Estamos, realmente, em face de um crescente e violento desarmamento aduaneiro.
122 - Contesta que a nossa produção precise ser exportada para que seja considerada "de alta produtividade": ...Esse é o padrão, na opinião de S.Sª, para a produção vantajosa de um país, quando os Estados Unidos enriqueceram-se absorvendo o seu mercado interno 95% de sua própria produção, na maioria inacessível aos mercados externos.
123 - A intervenção do Estado se impõe sempre onde se mostrar falha ou incapaz a iniciativa privada. Não é verdade que essa intervenção seja incompatível com um sistema econômico baseado essencialmente nessa iniciativa privada. Não obstante a opinião de Stalin, citada e abraçada pelo relator, não se torna necessário, como ficou exaustivamente demonstrado, escolher entre o capitalismo e o socialismo.
124 - ...O desperdício pela má orientação dos empreendimentos pode ser compensado pelo crédito seletivo, de dificílima execução fora de um planejamento geral. Mas a deficiência do fator empresário ou empregador só pode ser corrigida pela sua substituição pelo Estado, na forma de empresas autárquicas ou de economia mista. Esse capitalismo do Estado não é absolutamente incompatível com o regime da iniciativa privada, como base essencial do sistema econômico.
125 - Simonsen afirma que "as classes produtoras" estão com ele, citando, por exemplo, a aprovação unânime pelo Congresso do seu relatório. E vai adiante... "Ainda recentemente, os produtores do Brasil – da agricultura, do comércio e da indústria – reunidos em Teresópolis, votaram o seguinte item, incluído na Carta Econômica ali elaborada: "– ”Ordem Econômica” – conclusão nº 6: É opinião das classes produtoras reunidas nesta Conferência que o Brasil, necessitando urgentemente recuperar o tempo perdido para atingir a renda nacional necessária a permitir a seu povo um melhor nível de vida, procure acelerar a evolução de sua economia por meio de técnicas que lhe assegurem rápida expansão. Para isso, reconhecem a necessidade de um planejamento econômico que vise aumentar a produtividade e desenvolver as riquezas naturais".
126 - Depois há um anexo do dr. Oswaldo Costa Miranda, do Ministério do Trabalho, defendendo seu método de contabilidade da renda nacional da forma mais empolada/engraçada que já vi. Gudin respondeu parecendo cansado do debate e de forma até educada. Menos combativa. Uma página.
Pgs. 182-196
"Parte V - Carta à comissão de planejamento (Eugênio Gudin)"
127 - Esse texto data de 24 de agosto de 1945.
128 - Contra Simonsen, ele continua as investidas: O calor de minha crítica aos “interesses reacionários” não provém de azedumes pessoais, nem visa às indústrias do dr. Simonsen e sim à política da classe de que é S.Sª expoente máximo e que não satisfeita de realizar durante a Guerra lucros astronômicos, ainda tem a coragem de invocar (e obter) no após-guerra o amparo do Estado para elevar ao infinito as tarifas aduaneiras através da “licença prévia” (vide p. 97 a 100 de meu relatório) e de invocá-lo ainda para “não permitir que se prejudiquem as atividades já em funcionamento COM INSTALAÇÃO DE INICIATIVAS CONCORRENTES”.
129 - Particularidades da contabilidade inglesa (cálculos de "Sir Stamp") tinham a ver com a situação especial da Inglaterra, país credor do mundo no Século XIX: Como é que as nações devedoras desses juros e dividendos pagavam a Inglaterra? A maior parte em mercadorias exportadas para a Inglaterra e a outra parte em dinheiro, geralmente proveniente da exportação para outros países. Os pagamentos que as outras nações remetiam anualmente à Inglaterra em mercadorias faziam com que as importações da Inglaterra fossem sempre bem maiores do que suas exportações, o que se verifica dos números do cálculo de Stamp, reproduzido no anexo. Vê-se ali que a Inglaterra importou £ 380 milhões de matérias primas, mais £ 220 milhões de produtos acabados; total £ 600 milhões. E exportou somente £ 465 milhões. A diferença de £ 135 milhões representa justamente a parte do pagamento em mercadorias que as outras nações fizeram à Inglaterra por conta de sua obrigação de pagar-lhe juros e dividendos. E a parte em dinheiro? A parte em dinheiro figura no balanço de Stamp sob o título de “novos investimentos no exterior”, na importância de 100 milhões.
130 - (De toda forma, acho que todas essas polêmicas sobre contabilidade estão superadas).
131 - Gudin entende que economia de guerra envolva controle de preços, mas crê que o Brasil usou mal a ferramenta durante o período da II Guerra: ...E, como muito bem esclareceu o professor Jorge Kafuri, foi a falta de organização do serviço de controle de preços, de par com outros fatores, que deu lugar, entre nós, à alta excessiva de preços e aos vultosos lucros extraordinários. Da maior imprudência seria igualmente a supressão desses controles, logo após a cessação das hostilidades.
132 - Gudin: É, a meu ver, função privativa do Estado planejar: a saúde e a educação; a moeda, o crédito, as finanças públicas, o regime tributário; as obras públicas; os serviços de utilidade pública, com execução por concessão ou delegação, especialmente os de transportes, comunicações e energia hidroelétrica; a política de fomento à produção industrial, agrícola e mineira; a defesa e segurança nacionais; a organização do serviço público civil; a imigração, a legislação e o seguro sociais; as medidas de proteção ao solo, de fiscalização de gêneros alimentícios, de combate aos abusos do capitalismo etc., etc. Tudo, em suma, que é necessário fazer e que não cabe à iniciativa privada. (...) Ampare o Estado as indústrias merecedoras de proteção, incentive a formação de novas indústrias pela concessão de favores, indo até a garantia de juros ou à subvenção, se necessário – mas não participe diretamente dos empreendimentos industriais. Ampare igualmente a lavoura, com assistência técnica, distribuição de sementes, facilidade de aquisição de máquinas e de adubos, combate às pragas etc., mas não participe diretamente da atividade agrícola e, uma vez restabelecida a normalidade do comércio e dos transportes, acabe com os “institutos” do açúcar, do café, do mate, do sal, do pinho etc.
133 - Enfim, a intervenção era emergencial e se justificava pela guerra, coloca Gudin ao examinar os tempos Roosevelt.
134 - A legislação social dos Estados Unidos, que deve a Roosevelt muito de seu progresso, é coisa inteiramente diversa. Nada tem a ver com intervencionismo de Estado e eu não hesitaria em subscrever o conceito de Eric Johnston (à p. 74 de seu America Unlimited), citado pelo dr. Simonsen. (...) Não misturemos alhos com bugalhos, se o nosso objetivo não é o de estabelecer confusão. Roosevelt fez várias coisas, independentes umas das outras. Chamar de New Deal tudo o que ele fez é promover confusão. (...) Das medidas de emergência que ele teve de tomar em 1933-35, várias foram muito felizes, como as de ordem bancária e de combate ao desemprego e outras infelizes como a Nira, o bombardeio da Conferência Monetária de Londres e a depreciação do dólar.
135 - Dá o dr. Simonsen, à p. 66 de sua réplica, um quadro demonstrativo de que a margem protecionista média baixou em 1943-44 a cerca de 10%. Uma análise mais cuidadosa das estatísticas mostra, porém, desde logo, que essa margem protecionista para a indústria nacional é na verdade muito maior. (...) Na verdade, portanto, feitas que fossem estas correções, para apurar a margem protecionista de que goza a indústria nacional, verificar-se-ia que ela é, na realidade, bem superior aos 24% supraindicados.
136 - ...A solução para o caso é, a meu ver, a indicada nas conclusões XI e XII de meu relatório e não a absurda “licença prévia”, sob cujo regime não se pode importar mercadoria estrangeira com similar na indústria nacional nem pagando 1.000% de direitos.
137 - O que o dr. Simonsen não quer é concorrência. O que ele quer é que o Estado, por um empréstimo obtido de governo a governo, proporcione aos industriais existentes a aquisição de novo aparelhamento e não permita a entrada de novos concorrentes.
138 - Posição de Gudin sobre a espontaneidade do capital externo: (...) Se não continuarmos a afugentar o capital estrangeiro, com nacionalismo excessivo, com decretos tipo 7.666, com proibição de capital estrangeiro em empresas hidroelétricas etc., não faltará créditos nos Estados Unidos para boas empresas no Brasil, nem cessará o afluxo espontâneo de capitais americanos para empreendimentos aqui.
139 - Cabou.
FIM!
Comentários
Postar um comentário