Livro: Ha-Joon Chang - Maus Samaritanos - Capítulo 6
Livro: Ha-Joon Chang - Maus Samaritanos, O Mito Do Livre-Comércio e a História Secreta do Capitalismo
Pgs. 176-207
"CAPÍTULO 6: "WINDOWS 98 EM 1997 - Está errado "emprestar" idéias?"
98 - Após o episódio de terrorismo do antrax em 2001, o governo dos Estados Unidos utilizou a provisão do interesse público ao extremo — usou a ameaça de licença compulsória para obter um desconto colossal de 80% do Cipro, a droga antiantrax protegida por patente da Bayer, a empresa farmacêutica alemã.
99 - Isso mina a oferta de ideias no longo prazo? Na prática, não estamos sempre tendo de "subornar" pessoas tranqüilas para inventar coisas. Os incentivos materiais, embora importantes, não são a única coisa que motiva as pessoas a investirem na produção de novas idéias.
100 - Por exemplo, no ano 2000, apenas 43% dos fundos americano s para pesquisas de drogas vieram da indústria farmacêutica especificamente. Cerca de 29% desses investimentos vieram do governo americano e os demais 28% de donativos por caridade ou das universidades.
101 - (...) A principal pesquisa conduzida na metade dos anos 80 indagou aos principais executivos de P&D das empresas dos Estados Unidos qual proporção das invenções que eles desenvolveram não teriam sido desenvolvidas sem a proteção d as patentes. Dentre os 12 grupos das indústrias pesquisadas, havia apenas três indústrias em que a resposta era "alta" (60% para farmacêuticos e 38% para outros químicos e 25% para petróleo). E havia seis outros em que a resposta era "nenhuma" (0% para equipamentos de escritório, veículos motorizados, produtos de borracha e têxteis, 1% para metais e instrumentos primários). Nas três indústrias restantes, a resposta foi "baixa" (17% para máquinas, 12% para produtos de metal manufaturados e 11% para equipamentos elétricos).
102 - ...Mais: nem tudo é patente no que tange ao incentivo à inovação. O monopólio se dá pelas vantagens naturais que cabem ao inventor, como o período transcorrido até a produção da imitação (por causa do tempo que os demais le vam para absorver o novo conhecimento); a vantagem da reputação (por ter sido o primeiro e o produtor mais bem conhecido); e o primeiro a "começar a caminhar nas curvas de aprendizagem" (ou seja, o aumento natural da produtividade por meio da experiência).
103 - Schumpeter, por exemplo, nem falava de patentes: Schumpeter acreditava que o lucro do monopólio (ou o que ele chamou de lucro do empreendedor) que um inovador de tecnologia obtém por intermédio dos mecanismos envolvidos é um incentivo suficientemente forte para se investir na geração de novos conhecimentos.
104 - Além disso, pelo fato de se tratar de um sistema em que "o ganhador leva tudo", os críticos apontam que o sistema de patentes normalmente resulta na duplicação da pesquisa entre os concorrentes — isso pode ser prejudicial do ponto de vista social.
105 - Posição de Chang: Por exemplo, a proteção à indústria nascente produz ineficiência com a criação artificial do poder de monopólio das empresas domésticas, como os economistas do livre-comércio gostam de afirmar. Mas essa proteção pode ser justificada se aumentar a produtividade no longo prazo e mais que compensar os danos do monopólio que ela cria, conforme expliquei reiteradas vezes nos capítulos anteriores. Exatamente da mesma forma, defendemos a proteção das patentes e de outros direitos de propriedade intelectual, embora reconheçamos seu potencial de criar ineficiência e desperdício, porque acreditamos que eles irão mais que compensar aqueles custos no longo prazo, com a geração de novas ideias que aumentam a produtividade. Porém, coloca que o desenho pode criar proteção excessiva. Em ambos os casos.
106 - Critica que as patentes e direitos autorais dificultem o fluxo de conhecimentos. Uma grande desvantagem no que tange à promoção do desenvolvimento econômico mundial.
107 - A importância do trabalhador nas manufaturas por volta de 1700 e pouco: ...em tempos remotos, sua importância era ainda mais pronunciada, uma vez que eles incorporavam muitas das tecnologias existentes. As máquinas ainda eram muito primitivas, o que tornava a produtividade muito dependente de quão qualificados eram os trabalhadores que as operavam. Os princípios científicos por trás das operações industriais eram pouco compreendidos, de modo que as instruções técnicas não podiam ser escritas facilmente em termos universais. Mais uma vez, os trabalhadores qualificados tinham de estar lá para tornar a operacionalização garantida.
108 - ...Inglaterra, liberalismo "pero no mucho": A lei, introduzida em 1719, tornou ilegal recrutar trabalhadores qualificados para irem trabalhar no exterior — fato conhecido como "suborno". E quando as máquinas foram crescendo em importância no binômio máquina/trabalhador? A Inglaterra introduziu uma nova lei em 1750, proibindo a exportação de "ferramentas e utensílios" das indústrias fabricantes de lã e de seda. A proibição foi reforçada posteriormente, ao se incluírem as indústrias de algodão e linho. Em 1785, a Tools Act foi introduzida para proibir a exportação de tipos diferentes de máquinas.
109 - ...França da época: Enquanto orientava os produtores franceses a respeito das tecnologias têxteis, o principal trabalho de Holker consistia em encampar espiões industriais e recrutar trabalhadores qualificados da Inglaterra. Também havia muito contrabando de máquinas. Desmontavam pra aprender também.
110 - Com o passar do tempo, a "matéria" foi ficando menos importante em termos de "cópia", o que a facilitou. O desenvolvimento da ciência significou que uma grande quantidade de conhecimento — mas nem todo — podia ser escrito em linguagem (científica) que podia ser compreendida por qualquer um que tivesse treinamento adequado. Um engenheiro que compreendesse os princípios da física e da mecânica podia reproduzir uma máquina simplesmente ao olhar os desenhos técnicos. De modo similar, se uma fórmula química pudesse ser adquirida, os medicamentos poderiam ser facilmente reproduzidos por químicos treinados.
111 - ...Consequentemente, a proibição inglesa da emigração dos trabalhadores qualificados foi abolida em 1825, enquanto a da exportação das máquinas foi retirada em 1842. Em seu lugar, a lei das patentes se tornou o instrumento-chave na administração da circulação das idéias.
112 - ...Com o passar do tempo, surgiram acordos internacionais dos IPRs, como a Convenção de Paris sobre as patentes e as marcas registradas (1883) e a Convenção de Berna sobre o direito de reprodução (copyright) em 1886. Mas mesmo esses acordos internacionais não acabaram com o uso dos meios "ilegais" na corrida armamentista da tecnologia.
113 - Suíça e as espertezas: De fato, a Suíça não tinha leis de patentes de nenhum tipo até 1888. Sua lei de patentes de 1888 previa proteção apenas às "invenções que podem ser representadas por modelos mecânicos". Automaticamente (e intencionalmente), a cláusula excluía as invenções da química — naquela época, a Suíça estava "recebendo por empréstimo" uma boa quantidade de tecnologias química e farmacêutica da Alemanha, a então líder mundial nessas áreas. Então, não era de seu interesse garantir patentes na área química. (...) Apenas em 1907, sob o prejuízo que as sanções comerciais da Alemanha acarretavam, a Suíça decidiu expandir a proteção por patentes às invenções da química. Mas mesmo a nova lei de patentes não protegeu as tecnologias da química no grau esperado pelo sistema TRIPS atual. Assim como vários outros países da época, a Suíça recusou-se a garantir as patentes das substâncias químicas (em oposição aos processos químicos). O motivo era que essas substâncias, diferentemente das invenções mecânicas, já existiam na natureza e, portanto, o "inventor" havia simplesmente encontrado um meio de isolá-las, em vez de inventar a substância em si. As substâncias químicas continuaram sem patentes na Suíça até 1978.
114 - ...A Suíça não foi o único país sem lei de patentes. A Holanda aboliu a Lei de Patentes de 1817 em 1869 e a reintroduziu em 1912. Quando os holandeses aboliram a lei, não foram influenciados pelo movimento antipatentes que mencionei anteriormente — eles estavam convencidos de que as patentes, ao criar monopólios artificiais, iam contra seu princípio de livre-comércio. Aproveitando a oportunidade oferecida pela inexistência da lei de patentes, a empresa holandesa de eletrônicos, a Philips, um nome conhecido de nossos dias, começou em 1891 como produtora de lâmpadas, com base nas patentes "emprestadas" do inventor americano, Thomas Edison.
115 - ...Ademais, Chang coloca que, mesmo nos demais países ricos, a proteção não era tão eficiente como nos dias de hoje, especialmente quanto aos direitos de estrangeiros. Por exemplo, nos Estados Unidos, antes da revisão de sua lei de patentes de 1836, as patentes eram garantidas sem nenhuma prova de originalidade. (...) Na maioria dos países, incluindo-se Inglaterra, Holanda, Áustria, França e Estados Unidos, o patenteamento das invenções importadas era explicitamente permitido.
116 - Havia também muita falsificação de marcas registradas no século XX — de forma similar à realizada por Japão, Coréia, Taiwan e, hoje, China. Em 1862, a Inglaterra revisou sua lei de marcas registradas, o Merchandise Mark Act, com a finalidade específica de evitar que os estrangeiros, especialmente os alemães, falsificassem os produtos ingleses. Narra vários dribles criativos da falisificação alemã após a lei.
117 - A Suíça "tomou por empréstimo" as invenções químicas da Alemanha, enquanto os alemães "tomaram por empréstimo" as marcas registradas inglesas e os americanos, os materiais com direito de reprodução ingleses — tudo isso sem se pagar o que hoje poderia ser considerado uma compensação "justa". (...) Apesar dessa história, os países ricos Maus Samaritanos estão forçando os países em desenvolvimento a reforçarem a proteção dos direitos de propriedade intelectual em um grau sem precedentes na história, por meio do acordo TRIPS e de uma quantidade de acordos bilaterais de livre-comércio.
118 - Direitos autorais e mero lobby: O que é óbvio para qualquer um é que estender o tempo de proteção dos trabalhos existentes nunca produz novos conhecimentos. Refere-se à lei de proteção do Mickey Mouse lá.
119 - EUA tem puxado a ampliação de tempo das patentes. Chega-se a média de vinte anos. Antes era catorze. Ademais, coloca-se que o país tem dado patente pra tudo quanto é patacoada: ...como "o método de tornar o pão fresco novamente" (que é essencialmente torrar o pão amanhecido) ou um "método de balançar no balanço" (aparentemente "inventado" por um sujeito de 5 anos). Casos assim envolveram inclusive disputas judiciais. O resultado disso foi o que Jaffe e Lerner chamam de "explosão das patentes". Eles relatam como o número de patentes garantidas nos Estados Unidos aumentou 1% ao ano entre 1930 e 1982, o ano em que o sistema americano de patentes foi afrouxado, mas cresceu 5,7% ao ano entre 1983 e 2002, quando as patentes eram mais liberalmente garantidas.
120 - As substâncias químicas (incluindo-se as farmacêuticas) ficaram sem patentes até 1967 na Alemanha Ocidental, até 1968 nos países nórdicos, até 1976 no Japão, até 1978 na Suíça e até 1992 na Espanha.
121 - Chang coloca também como problemático o roubo de conhecimento tradicional em outros países. Gente dos EUA tentando patentear medicina tradicional da Índia e etc.
122 - Jefferson: Ele argumentava que as ideias são "como o ar" e, portanto, não podem ser apropriadas (apesar de não ter visto problema algum em se apropriar de pessoas — ele mesmo teve vários escravos). (...) As ideias são o insumo mais importante para a produção de novas ideias.
123 - Menciona o problema do encadeamento de patentes.
124 - Tendências preocupantes do sistema de patenteamento como um todo: Diminuir a barreira de originalidade e a extensão da vida da patente (ou de outro IPR) significa que estamos, de fato, pagando mais por cada patente, cuja qualidade média, no entanto, é menor que antes.
125 - Quando 97% das patentes e a grande maioria dos direitos de reprodução (copyrights) e marcas registradas são mantidas pelos países ricos, o fortalecimento dos direitos dos proprietários dos IPRs significa que adquirir conhecimento tem se tornado mais caro para os países em desenvolvimento. O Banco Mundial estima que, seguindo o acordo TRIPS, o aumento do pagamento das licenças por tecnologia em si custará aos países em desenvolvimento o valor extra de $45 bilhões por ano, que é aprox imadamente a metade do total da ajuda estrangeira dada pelos países ricos ($93 bilhões ao ano) entre 2004 e 2005.
126 - O cumprimento do direito de reprodução (copyright) e das marcas registradas exige um exército de inspetores. O departamento de patentes requer cientistas e engenheiros que acompanhem os procedimentos de aplicação das patentes e os tribunais necessitam de advogados de patentes que auxiliem na mediação das decisões. O treinamento e a contratação de todas essas pessoas custam dinheiro. Em um mundo de recursos finitos, treinar mais advogados especialistas em patentes ou contratar mais inspetores para caçar os piratas de DVDs significa treinar menos médicos e professores e contratar menos enfermeiros e policiais. É fácil identificar e apontar quais dessas profissões os países em desenvolvimento precisam mais.
127 - Posição simplificada de Chang: ...o fato de que alguma proteção dos direitos de propriedade intelectual é benéfica, ou mesmo necessária, não quer dizer que mais dela é sempre melhor.
128 - Coloca que, além do abrandamento das patentes, espécies de parcerias podem ser úteis: Essa proteção pode ser feita por metas de subsídios para P&D concedidos a empresas do setor privado, sob a condição do acesso do público ao produto final.
129 - Outra proposta dele: Os países em desenvolvimento poderiam ter a garantia de IPRs mais fracos — a vida das patentes mais curta, taxas de direito autoral mais baixas (provavelmente graduadas de acordo com as possibilidades de pagamento dos países) ou a facilitação do licenciamento compulsório e das importações paralelas.
130 - Ele parece bem otimista com o capitalismo...: O acesso aos livros acadêmicos é fundamental para a geração das habilidades produtivas dos países em desenvolvimento, conforme minha própria experiência com livros copiados de forma pirata sugere, como descrevi no Prólogo. Os editores dos países ricos deveriam ter a coragem de permitir a reprodução barata dos livros acadêmicos nos países em desenvolvimento — eles não vão perder muito com isso, porque, de qualquer forma, seus livros são muito caros para os consumidores desses países. Também poderíamos estabelecer um fundo internacional especial para subsidiar a compra de livros acadêmicos pelas bibliotecas, pelos acadêmicos e pelos estudantes dos países em desenvolvimento.
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