Livro: Ha-Joon Chang - Maus Samaritanos - Capítulo 5
Livro: Ha-Joon Chang - Maus Samaritanos, O Mito Do Livre-Comércio e a História Secreta do Capitalismo
Pgs. 152-175
"CAPÍTULO 5: "HOMENS EXPLORANDO HOMENS - Negócios privados são bons, negócios públicos são ruins?"
78 - Chang se coloca contrariamente ao socialismo real aqui: Os comunistas poderiam estar certos ao dizerem que a concorrência livre de restrições pode levar a perdas sociais, mas eliminar toda a concorrência por meio do planejamento central total e da propriedade universal do Estado resultou em custos enormes, por matar o dinamismo econômico. A falta de concorrência e a regulamentação no comunismo também desencadearam o conformismo, a burocracia e a corrupção.
79 - Afirma que nossa desconfiança em relação à propriedade pública vem de "coisas" como a "tragédia dos comuns". Chang parece ver exagero nessa premissa. Há vários direitos de propriedade comunais que funcionam bem. Muitas comunidades rurais de todo o mundo tem direitos de propriedade comunal que regulam efetivamente o uso de recursos comuns (por exemplo, a produção de madeira e a pesca) para evitar sua superexploração.
80 - Todos nós somos donos das empresas públicas. Proprietários. Mas e na prática? A dificuldade de o principal controlar o comportamento do agente é conhecida como o "problema do agente-principal" e os custos resultantes (isto é, a redução dos lucros por conta da má gestão) são conhecidos como o "custo de agência". O problema do agente-principal está no centro do argumento neoliberal contra as empresas públicas. Se o gestor diz que fez tudo certo, mas tudo deu errado por motivos fora do seu controle, os proprietários (nós) terão dificuldade de provar que ele está mentindo. E também não há incentivos para que façam isso. Ao menos de modo individual.
81 - ...Ademais, qual o risco - a espada de Dâmocles - da empresa pública? Kornai identificou esse mesmo problema - orçamento, na prática, "ilimitado" - nas "empresas do socialismo". Esses "empreendimentos doentes" da Índia que nunca vão à falência são o exemplo mais frequentemente citado do problema da restrição orçamentária ilimitada em relação aos empreendimentos do Estado. Chang coloca que a questão parece ser mais a falta de punição (rebaixamento dos) aos gestores. Não precisaria haver ameaça de falência.
82 - Além disso, a propriedade estatal torna possível que os empreendimentos sobrevivam por meio do lobby político , e não pelo aumento da produtividade. Chang lembra que esse problema é o único exclusivo da gestão pública. Os outros dois afetam a grande gestão privada também.
83 - Até a questão do orçamento "ilimitado" se faz parcialmente presente, já que algumas empresas privadas são escolhidos como grandes ou representativas demais para falir. Isso não é novidade da crise de 2008. Nos anos 60 e 70, o declínio industrial inglês levou os governos dos Trabalhadores e Conservador a nacionalizarem suas empresas (a Rolls Royce, em 1971, sob os Conservadores, a British Steel, em 1967, a British Leyland, em 1977, e a British Aerospace, no mesmo ano sob os Trabalhadores). Ou, para citar outro exemplo, na Grécia, 43 empresas do setor privado falidas foram nacionalizadas entre 1983 e 1987, quando a economia passava por uma fase difícil. (...) No final dos anos 70, a indústria naval sueca falida foi recuperada, por meio de sua nacionalização, por seu primeiro governo de direita em 44 anos, embora esse tenha chegado ao poder com a finalidade de reduzir o tamanho do Estado. No início dos anos 80, a fabricante de automóveis Chrysler tinha problemas e foi recuperada pela administração republicana de Ronald Reagan, que, na ocasião, estava na vanguarda das reformas de mercado neoliberais. (...) Chile de Pinochet com os bancos de lá...
84 - Há várias empresas públicas em bom funcionamento na vida real. Muitas delas são empresas de nível de excelência mundial.
85 - Volta a mencionar Singapura, país com quase todas as terras estatais, construções de casas pelo Estado e uma série de participações majoritárias estatais nas empresas dos setores-chave do país.
86 - O setor público de Cingapura é duas vezes maior que o da Coréia, quando medido em termos de sua contribuição à produção nacional. Quando medido em termos de sua contribuição ao investimento nacional total, ele é cerca de três vezes maior. O setor público da Coréia é, por sua vez, cerca de duas vezes maior que o da Argentina e cinco vezes maior que o das Filipinas, em função de sua parcela na renda nacional. Ainda se acredita que ambos os países, Argentina e Filipinas, quebraram por conta da intervenção excessiva do Estado na economia, enquanto Coréia e Cingapura são países enaltecidos como histórias de sucesso do desenvolvimento econômico conduzido pelo setor privado. Cita, também, a POSCO, estatal que, em tese, tinha tudo pra dar errado e deu muito certo. Nem matéria-prima próxima tinha.
87 - A experiência de Taiwan com empreendimentos estatais foi ainda mais extraordinária. A ideologia econômica oficial de Taiwan é a chamada "Princípios das Três Pessoas", do dr. Sun Yat-Sen, fundador do Partido Nacionalista (Kuomintang) que projetou o milagre econômico de Taiwan.10 Esses princípios ditam que as indústrias-chave poderiam ser do Estado. Como resultado, Taiwan tem um grande setor público. Durante os anos 60 e 70, ele respondeu por 16% do produto nacional. Muito pouco foi privatizado até 1996. Mesmo após a "privatização" de muitos empreendimentos públicos em 1996, o governo de Taiwan ainda retém a participação do controle sobre eles (em média, 35,5%) e indica 60% dos diretores de seus quadros de controle. A estratégia de Taiwan foi deixar o setor privado crescer por meio da criação de um ambiente econômico bom (incluindo-se a oferta de insumos baratos e de boa qualidade pelos empreendimentos públicos) e não se importando muito com a privatização.
88 - Os sucessos econômicos de várias economias europeias como Áustria, Finlândia, França, Noruega e Itália após a Segunda Guerra Mundial foram alcançados com setores que tinham empresas públicas muito grandes pelo menos até os anos 80. Na Finlândia e, especialmente, na França, o setor público estava na vanguarda da modernização tecnológica. Até meados dos anos 80, as empresas públicas francesas eram extremamente relevantes em diversos setores, até que vieram as privatizações.
89 - Segundo Chang, o surgimento do neoliberalismo durante as duas últimas décadas tornou a propriedade pública tão impopular na mente pública que mesmo as empresas públicas de sucesso tentam desconectar sua imagem do Estado. A Singapore Airlines não divulga o fato de que é propriedade do Estado. A Renault, a POSCO e a Embraer — agora todas privatizadas — tentam omitir, até mesmo esconder o fato de que se tornaram empresa de nível mundial sob a propriedade estatal. A propriedade parcial do Estado é particularmente abafada. Por exemplo, poucas pessoas sabem que a província da Baixa Saxônia (Niedersachsen), com o controle de 18,6%, é o maior acionista da fabricante de carros alemã Volkswagen.
90 - Quanto menos desenvolvido o capital, menos ele quer se arriscar com projetos de longo prazo de maturação. No século XVIII, no reinado de Frederico, o Grande (1740-86), a Prússia implantou uma quantidade de "fábricas-modelo" em indústrias como a têxtil (sobretudo do linho), metais, armamentos, porcelana, seda e refinamento de açúcar. Rivalizando a Prússia em seu modelo, o Estado japonês de Meiji estabeleceu fábricas-modelo de propriedade do Estado em várias indústrias no início do século XIX. (...) O governo japonês privatizou esses empreendimentos logo após serem estabelecidos, mas alguns continuavam sendo fortemente subsidiados mesmo após a privatização — em especial, as fábricas da indústria naval.
91 - Todas as razões para se ter uma empresa pública podem ser, e têm sido, conduzidas por esquemas em que os empreendimentos privados operam sob algumas combinações de regulamentação do governo e ou esquemas de impostos e subsídios. Por exemplo, o governo pode financiar (por intermédio de um banco do governo, por exemplo) ou subsidiar (sem contar com a receita tributária) os empreendimentos privados assumindo um investimento arriscado e de longo prazo que pode ser benéfico ao desenvolvimento econômico do país, mas que o mercado de capitais não está disposto a financiar. Ou o governo pode licenciar empresas do setor privado para operar em indústrias de monopólio natural e regular os preços que elas podem cobrar, assim como a quantidade que produzem. Chang coloca que regulação eficiente e subsídios nem sempre são possíveis ou mesmo melhor opção. Traz alguns casos isolados.
92 - Relação privatização/eficiência é uma fraude? Normalmente os governos "reestruturam" a empresa para atrair atenção do setor privado e vender por preço maior. Pois bem... há evidência de que os ganhos de produtividade dos empreendimentos privatizados normalmente ocorrem antes da privatização por meio da reestruturação antecipatória, sugerindo que a reestruturação é mais importante que a privatização. Veja Chang (2006).
93 - Chang coloca que muitos países privatizam "no sufoco", o que é pior ainda, devido ao preço. Além disso, dadas as flutuações do mercado de ações, é importante privatizar apenas quando as condições do mercado de ações são boas. Nesse sentido, é uma má ideia estabelecer um prazo limite rígido para a privatização, fator em que o FMI normalmente insiste e que alguns governos também adotam voluntariamente.
94 - E a corrupção? o fato lamentável é que um governo que não consegue controlar ou eliminar a corrupção em suas empresas estatais não desenvolverá, de uma hora para outra, a capacidade de evitá-la quando as estiver privatizando. Cita a privatização russa como exemplo ruim.
95 - ...Quando as empresas estatais são monopólios naturais, a privatização sem o regimento regulatório apropriado por parte do governo pode substituir os monopólios ineficientes mas restritos (politicamente) por monopólios privados ineficientes e irrestritos. Por exemplo, a venda do sistema de água de Cochabamba na Bolívia para a empresa americana Bechtel, em 1999, resultou na multiplicação pelo triplo do preço das taxas de água, o que resultou em tumultos que foram controlados durante a renacionalização da empresa. A privatização da Telmex seria o grande exemplo negativo, segundo estudo do próprio Banco Mundial.
96 - Os empreendimentos públicos que não são monopólios naturais podem concorrer facilmente com as empresas do setor privado, tanto no mercado interno quanto no mercado de exportações. Pode-se ver isso em vários casos de gestão de empresas públicas. Por exemplo, na França, a Renault (totalmente de propriedade do Estado até 1996 hoje conta com 30% de controle por parte do Estado) deparou-se com a concorrência direta da empresa privada Peugeot-Citroën, e também com produtores estrangeiros. Mesmo quando eram monopólios virtuais em seus mercados domésticos, empresas públicas como Embraer e POSCO tinham a exigência de exportar e, portanto, tinham de concorrer internacionalmente.
97 - ...Em 1991, a Coréia do Sul abriu uma nova empresa pública, a Dacom, especializada em chamadas internacionais, cuja concorrência com a empresa pública monopolista já existente, a Korea Telecom, contribuiu muito para o aumento da eficiência e a qualidade do serviço nos anos 90.
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