Livro: Ha-Joon Chang - Maus Samaritanos - Capítulo 4

                                                              

Livro: Ha-Joon Chang - Maus Samaritanos, O Mito Do Livre-Comércio e a História Secreta do Capitalismo



Pgs. 124-151


(OBS: Capítulos 2 e 3 deste livro eu já fichei em algum outro ano. Estão no Blog)


"CAPÍTULO 4: "OS FINLANDESES E O ELEFANTE - Devemos regulamentar os investimentos estrangeiros?"


44 - Fatos que eu não sabia sobre a Finlândia: Eles falam uma língua que está mais relacionada aos coreanos e aos japoneses do que com a língua de seus vizinhos suecos ou russos. A Finlândia foi colônia sueca por 600 anos e colônia russa por 100 anos.


45 - Século XX: O país introduziu uma série de leis nos anos 30 que classificaram oficialmente todos os empreendimentos com mais de 20% de propriedade estrangeira como — segure a respiração — "perigosos". Assim como o Japão, a Finlândia teve muito pouco IED na sua trajetória.


46 - ...A lei finlandesa foi flexibilizada em 1987, e o teto de propriedade estrangeira aumentou para 40%, mas todos os investimentos estrangeiros ainda tinham de ser aprovados pelo Ministério do Comércio e Indústria. A liberalização geral dos investimentos estrangeiros não ocorreu até 1993, como parte dos preparativos para a adesão do país à União Europeia em 1995.


47 - O investimento estrangeiro não serve só para superar possíveis hiatos nacionais de poupança. A teoria vai além. Ele melhora a eficiência econômica por permitir que o capital seja destinado a projetos com retornos mais altos, em escala global. Os fluxos de capital entre as fronteiras também são vistos como promotores das "melhores práticas" na política de governo e em governança corporativa.


48 - Dívida dos países emergentes: Entre 1975 e 1982, os títulos somavam apenas em torno de 5% das dívidas privadas líquidas totais contratadas pelos países em desenvolvimento. Essa soma chegou a 30% entre 1990 e 1998, e para aproximadamente 70% entre 1999 e 2005. Os dados são do Banco Mundial, Global Development Finance, volumes de 1999 e 2005.


49 - Fluxos externos podem gerar transtornos, especialmente em ocasiões de "efeito manada". O mercado de capitais da Nigéria, o segundo maior da África subsaariana, é menos de um cinco mil avos do mercado de ações dos Estados Unidos. O mercado de ações de Gana corresponde a apenas 0,006% do mercado dos Estados Unidos. O que seria uma gota no oceano dos ativos dos países ricos pode afundar os mercados financeiros dos países em desenvolvimento.


50 - Abertura do mercado de capitais em emergentes: De acordo com um estudo realizado por dois historiadores econômicos de destaque, entre 1945 e 1971, quando as finanças globais não estavam liberalizadas, os países em desenvolvimento não sofreram crise bancária, mas houve 16 crises cambiais e uma "crise gêmea" (crises cambial e bancária simultâneas). Entre 1973 e 1997, contudo, houve 17 crises bancárias, 57 crises cambiais e 21 crises gêmeas no mundo em desenvolvimento. Assim, Chang coloca que até o FMI pisou no freio quanto a essa recomendação/exigência: Agora, ele aceita que a "abertura prematura da conta de capital pode ferir o país, por tornar a estrutura de influxos desfavorável e o país vulnerável a paradas ou reversões repentinas dos fluxos". Para o órgão, teria que ter "boas instituições" antes.


51 - IED é o único que salva então? Mais ou menos. Para grande parte dos países emergentes, os fluxos desse tipo se tornaram mais voláteis que os fluxos de ações ou os fluxos de dívidas.(!)


52 - ...No caso extremo, a maioria dos investimentos estrangeiros diretos que vieram pode voltar por esses canais, acrescentando pouco à posição de reserva cambial do país receptor.


53 - Os investimentos estrangeiros diretos não são necessariamente uma fonte estável de moeda estrangeira e também podem trazer impacto negativo para a posição cambial do país devedor. Os investimentos estrangeiros diretos podem trazer moeda estrangeira, mas também podem gerar demandas adicionais (por exemplo, importação de insumos e obtenção de emprést imos estrangeiros). É claro que eles podem gerar moeda estrangeira adicional por meio das exportações, mas isso não ocorre necessariamente. Essa é a razão para muitos países vi rem impondo controle sobre os ganhos de moeda estrangeira e sobre os gastos das empresas estrangeiras que fazem o investimento (por exemplo, quanto deveriam exportar ou quanto de insumos têm de comprar localmente).


54 - Volta a mencionar os dribles tributários dessas empresas estrangeiras através da super e subestimação de preços. As empresas podem reduzir muito suas obrigações tributárias ao deslocar a maioria de seus lucros para uma empresa no papel registrada em um teto de paraíso tributário. (...) Todas as empresas precisam usar recursos produtivos providos pelo governo com o dinheiro dos que pagam impostos (por exemplo, rodovias, rede de telecomunicações, trabalhadores que recebem educação e treinamento financiados pelo setor público). Então, se a subsidiária da empresa multinacional não está pagando sua "parcela" do imposto, está de fato pegando carona no país receptor.


55 - ...Ademais, boa quantidade de investimento estrangeiro direto é feita pelos estrangeiros que compram uma empresa local já existente — ou um investimento brownfield. Já são mais da metade dos IED. Se combinar isso com os dribles tributários, temos um problema fiscal.


56 - ...Mais: ...o investimento brownfield pode levar a um  aumento da capacidade produtiva. Isso porque ele pode trazer consigo novas técnicas gerenciais ou engenheiros de qualidade superior. O problema é que não há garantia de que isso venha a acontecer. (...) Em alguns casos, o investimento estrangeiro direto brownfield é feito com a intenção explícita de não se fazer muito para melhorar a capacidade produtiva da empresa adquirida — o investidor estrangeiro direto compra a empresa que ele pensa que é subvalorizada pelo mercado, especialmente em tempos de crise financeira, e a opera como ela era até encontrar um comprador adequado. Isso ocorreria especialmente nos casos de investimentos estrangeiros diretos por fundos de investimento coletivos, os quais por vezes sequer sabem como adicionar ao negócio.


57 - Possibilidades positivas (podem também não acontecer): O empreendimento contrata trabalhadores locais (que podem  aprender novas habilidades), compra insumos dos produtores locais (que podem assimilar novas tecnologias no processo) e tem alguns "efeitos demonstração" nas empresas domésticas (ao mostrar novas técnicas de gestão ou gerar conhecimento sobre mercados distantes). Esses efeitos, conhecidos como "efeitos secundários", são adições reais à capacidade produtiva da nação no longo prazo e não devem ser desprezados.


58 - ...Imprevisibilidade na ocorrência desses efeitos: Essa é a razão de os governos terem tentado aumentá-los ao impor exigências de performance — exigindo, por exemplo, transferência de tecnologia, o consumo local de insumos ou exportações. (...) As medidas incluem: exigências para as joint ventures, que aumentam as chances de transferência de tecnologia para o sócio local; condições explícitas sobre a transferência de tecnologia; exigências locais de consumo, que obrigam as empresas multinacionais a transferir alguma tecnologia para o fornecedor; e exigências de exportação, que obrigam as empresas multinacionais a usar tecnologia atualizada para serem competitivas no mercado mundial. Sem contar a perda de uma chance de crescimento de uma nacional.


59 - Sanjaya Lall, economista de Oxford e um dos principais estudiosos das empresas multinacionais, tratou esse aspecto muito bem: "Mais investimentos diretos estrangeiros, na margem, podem trazer benefícios líquidos para o país que os recebe, mas a questão da escolha entre estratégias diferentes sobre o papel do investimento estrangeiro direto no desenvolvimento de longo prazo permanece."


60 - EUA e credores estrangeiros tinham uma relação tensa na primeira metade do Século XIX. Alguns autores estadunidenses consideravam que o país estava humilhado e de joelhos. Houve "troco". Em 1842, os  Estados Unidos se tornaram párias no mercado de capitais internacional, quando 11 governos de Estado deixaram de pagar os empréstimos estrangeiros (principalmente os ingleses).


61 - Andrew Jackson em 1832: "Se precisávamos de um banco ele deve ser puramente americano". 


62 - EUA sempre foram dos maiores devedores. Em 1914, a situação - dívida externa líquida - era essa: ...No entanto, mesmo após subtrair seu empréstimo, os Estados Unidos ainda tinham uma posição  de empréstimos líquidos de $3,6 bilhões, que eram basicamente o mesmo que os da Rússia e do Canadá. Veja Wilkins, (1989).


63 - Chang cita inúmeras leis dos EUA que criavam limites ou até proibiam investimentos estrangeiros em diversos setores durante o Século XIX naquele país. Iam até aos detalhes pequenos. ...Em 1878, uma lei que tratava a exploração de madeira foi aprovada, permitindo que apenas os residentes nos Estados  Unidos pudessem cortar madeira em terras públicas.


64 - ...Vários estados tributavam as empresas estrangeiras mais pesadamente do que as americanas. Estado de Nova Iorque inclusive protegeu a sua "indústria financeira" nascente. Entre outros exemplos, a lei bancária de 1914 proibiu o estabelecimento das filiais dos bancos estrangeiros


65 - Apesar de seus controles extensivos e severos sobre o investimento estrangeiro, os Estados Unidos foram os maiores receptores de investimentos estrangeiros durante o século XIX e início do século XX — assim como a regulamentação severa das empresas multinacionais na China não evita o elevado número de investimentos estrangeiros diretos que tem sido feitos naquele país nas décadas recentes.


66 - Coloca que o Japão de boa parte do Século XX foi ainda mais draconinano. Especialmente antes de 1963, a propriedade estrangeira era limitada a 49%, enquanto em várias "indústrias vitais" os investimentos estrangeiros diretos foram todos proibidos. Havia tanta restrição que realmente o IED no Japão acabou sendo bem baixo.


67 - A Coréia e a Tailândia normalmente são vistas como pioneiras em favor da política de investimentos estrangeiros diretos graças a seu passado de sucesso com as zonas exportadoras, área em que as empresas estrangeiras investidoras eram pouco regulamentadas. Mas,  fora dessas zonas, elas impunham de fato muitas restrições aos investidores estrangeiros. (...) Eles também divulgaram as tecnologias trazidas pelas empresas multinacionais e impuser am exigências às exportações. Até os anos 90, a Coréia não recebia parcelas grandes de IED.


68 - Outros países ricos tinham restrições bem mais amenas, mas existiam. Mesmo o governo do Reino Unido, que era tido como um investidor estrangeiro amigável, usou uma quantidade de "compromissos" e "restrições voluntárias" em relação ao fornecimento local de componentes, volumes de produção e exportações. (...) Há relatos de que o governo britânico também "fez pressão" (sobre a Ford e a GM) para obter um melhor resultado da balança comercial. 


69 - Diferente de Hong Kong, que teve uma política liberal de investimentos  estrangeiros diretos, Cingapura tem adotado uma abordagem bastante focada. A Irlanda começou a prosperar genuinamente apenas quando mudou de uma abordagem indiscriminada a respeito dos investimentos estrangeiros diretos ("quanto mais, melhor") para uma estratégia focada que visava atrair os investimentos diretos em setores como o de eletrônicos, farmacêutico, de software e de serviços financeiros. Ela também usou amplamente exigências de performance. (...) De acordo com o relatório do US Department of Commerce de 1981, The Use of Investment Incentives and Performance Requirements by Foreign Governments, 20% das empresas multinacionais americanas que operavam na Irlanda relataram a imposição da exigência de performance, ao contrário dos 2 a 7% em outros países avançados.


70 - Tentando chutar a escada: Por intermédio da Organização Mundial do Comércio, eles introduziram o Acordo TRIMS (Trade-related Investment Measures), que proíbe, por exemplo, exigências locais de consumo, exigências às exportações ou exigências sobre o equilíbrio cambial.


71 - Transnacionalização do capital pero no muchoA maioria das empresas internacionalizadas produz menos de um terço de sua produção no exterior, enquanto a razão no caso das empresas japonesas fica abaixo de 10%. (Ao menos na época do livro). Nestlé era uma exceção. Só 5% na Suiça. Houve realocação de atividades "centrais" (como pesquisa e desenvolvimento) para outros países, mas isso ocorre normalmente em outros países desenvolvidos, e com um viés extremamente "regional". (...) Na maioria das empresas, os principais tomadores de decisões ainda são cidadãos de seu país de origem. Mais uma vez, há casos como o de Carlos Ghosn, o brasileiro-libanês que foi responsável pela Renault francesa e pela Nissan japonesa. Mas, de fato, ele é uma exceção. 


72 - Regulamentação "nacional-desenvolvimentista" ainda pode ser útil. Os tratados mostram. Seguindo a lógica de mercado tão apreciada pela ortodoxia neoliberal, por que não deixar simplesmente os países escolherem a abordagem que querem e permitir que os investidores estrangeiros punam ou recompensem sua escolha de investir apenas nos países amigáveis aos investidores estrangeiros? O fato de os países ricos quererem impor todas essas restrições sobre os países em desenvolvimento por meio dos acordos internacionais revela que a regulamentação dos investimentos estrangeiros diretos ainda não é inútil, ao contrário do que os Maus Samaritanos dizem.


73 - Mais "Transnacionalização do capital pero no mucho": ...em várias outras indústrias, as empresas não podem deslocar-se com facilidade por vários motivos — a existência de insumos não-transportáveis (como, por exemplo, os recursos minerais, a força de trabalho local com qualificações específicas), a atração do mercado doméstico (a China é um bom exemplo) ou a cadeia de suprimento que eles construíram durante os anos (por exemplo, a subcontratação de redes para os fabricantes de carros japoneses na Tailândia e na Malásia).


74 - Regulamentação não é o fator decisivo e a China mostra isso. O país está recebendo em torno de 10% dos investimentos estrangeiros diretos mundiais porque oferece um mercado grande e que cresce rapidamente, uma boa força de trabalho e uma boa infraestrutura (rodovias, portos). O mesmo argumento pode ser usado para os Estados Unidos do século XIX. O potencial de mercado do país receptor conta demais segundo as pesquisas, afirma. Os investimentos estrangeiros não causam desenvolvimento econômico, como quer a teoria, mas sim o seguem.


75 - Os investimentos estrangeiros diretos podem ser uma barganha de Fausto. No curto prazo, eles podem trazer benefícios, mas, no longo prazo, podem ser de fato ruins para o desenvolvimento econômico


76 - A Nokia foi fundada como empresa exploradora de madeira em 1865. (...) Mesmo até 1967, quando a fusão entre a Nokia, a FRW e a FCW aconteceu, os eletrônicos correspondiam a apenas 3% das vendas líquidas do grupo Nokia. Seu braço de eletrônicos perdeu dinheiro em seus primeiros 17 anos, tendo conseguido seu primeiro lucro em 1977.


77 - Chang afirma: Em parte, graças à regulamentação dos investimentos estrangeiros, esses países tem se tornado mais ricos, mais bem-educados e tecnologicamente muito mais dinâmicos; dessa forma, têm se tornado um local de maior atração dos investimentos do que seriam sem essas regulamentações.


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