Livro: Ha-Joon Chang - Maus Samaritanos - Capítulo 1
Livro: Ha-Joon Chang - Maus Samaritanos, O Mito Do Livre-Comércio e a História Secreta do Capitalismo
Pgs. 39-65
"CAPÍTULO 1: "O LEXUS E A OLIVEIRA REVISITADOS - Os mitos e os fatos da globalização"
24 - Toyota e o desastroso "Toyopet" em 1958: ...Se a empresa não podia fazer carros bons depois de 25 anos de tentativas, não haveria futuro para ela. O governo dera ao fabricante do carro total oportunidade para seu êxito. Ele garantiu bons lucros para a empresa no país por meio de tarifas altas e controles draconianos do investimento estrangeiro sobre a indústria automobilística. Menos de 10 anos antes, o governo dera dinheiro público para salvar a empresa da falência iminente. Naquela época, os críticos argumentaram que os carros estrangeiros deveriam ser importados livremente e os fabricantes de automóveis estrangeiros, que haviam sido retirados do mercado há 20 anos, deveriam se restabelecer novamente no mercado coreano.
25 - ...A Toyota começou como fabricante de máquinas têxteis (Toyoda Automatic Loom) e passou para a produção de carros em 1933. O governo japonês retirou a General Motors e a Ford em 1939 e viabilizou a Toyota com dinheiro do Banco do Japão em 1949. Hoje, os carros japoneses são considerados tão "naturais" como o salmão escocês ou o vinho francês, mas, há menos de 50 anos, a maioria das pessoas — inclusive os japoneses — pensava que a indústria automobilística japonesa simplesmente não deveria existir.
26 - Em 1961, a renda per capita do Japão era de $402, próximo da do Chile ($377), Argentina ($378) e África do Sul ($396). Os dados são de C. Kindleberger (1965), Economic Development (McGraw-Hill, Nova York).
27 - Substituição de importações: A estratégia foi adotada por vários países latino-americanos nos anos 30. Naquela época, a maioria dos outros países em desenvolvimento não estava em posição de praticar a estratégia da ISI, uma vez que eram colônias ou sujeitos aos "tratados desiguais", que os privavam do direito de estabelecer as próprias tarifas (veja a seguir). A estratégia ISI foi adotada pela maioria dos outros países em desenvolvimento após eles terem conquistado sua independência entre meados dos anos 40 e meados dos anos 60.
28 - Relembra a Guerra do Ópio. A exportação da mercadoria ilegal era pra sanar o déficit comercial com a China (devido ao gosto inglês pelo chá).Com a repressão ao comércio da droga, veio a declaração de Guerra. Hong Kong se tornou colônia da Inglaterra após o Tratado de Nanking, em 1842, como resultado da Guerra do Ópio.
29 - Tratados desiguais: Além da Inglaterra, os praticantes do livre-comércio durante esse período eram, em sua maioria, países mais fracos que foram forçados a aplicá-lo, em vez de adotá-lo voluntaria mente, como resultado da regra colonial dos "tratados desiguais" (como o Tratado de Nanking), que, dentre outras coisas, impedia-lhes o direito de estabelecer tarifas e impunham-lhes tarifas determinadas extremamente baixas (entre 3% e 5%). Tailândia, Pérsia, Império Otomano, Brasil... Todos por um bom tempo.
30 - Chang coloca que a "história oficial" da globalização quase sempre ignora esses tratados. (...) Em seu estudo controverso, "In Praise of Empires", o economista indiano Deepak Lal nunca menciona a regra do colonialismo e os tratados desiguais ao falar do livre-comércio.
31 - Coloca que alguns livros afirmam que todo esse "imperialismo do livre-comércio" foi bom pra todos os envolvidos, mas é algo meio difícil de se sustentar. Após terem conquistado a independência, o crescimento acelerou-se significativamente nos países asiáticos em desenvolvimento. Nos africanos também, mostra.
32 - América Latina: É particularmente interessante observar que os países da América Latina, os quais, àquele tempo, haviam recuperado a autonomia sobre as tarifas e praticavam tarifas entre as mais altas do mundo, cresceram tanto quanto os Estados Unidos nesse período. (...) A média das tarifas na América Latina estava entre 17% (México ent re 1870 e 1899) e 47% (Colômbia entre 1900 e 1913). (...). Entre 1820 e 1870, quando eles estavam sujeitos aos tratados desiguais, a renda per capita ficou estagnada na América Latina (com uma taxa de crescimento de -0,03% ao ano). A taxa de crescimento da renda per capita anual na América Latina aumentou para 1,8% entre 1870 e 1913, época em que a maioria dos países na região adquiriu autonomia tarifária, mas mesmo essa referência não foi parâmetro se comparada aos 3,11% de taxa de crescimento da renda per capita que o continente atingiu durante os anos 60 e 70. Os dados do crescimento da renda da América Latina são de Maddison (2003).
33 - Houve um período breve entre as décadas de 1860 e 1870, em que algo próximo do livre-comércio existia na Europa, especialmente com as tarifas zero na Inglaterra. No entanto, essa situação não durou muito. A partir da década de 1880, a maioria dos países europeus aumentou as barreiras de proteção novamente, em parte para proteger seus fazendeiros dos alimentos baratos importados do Novo Mundo e, em parte, para promover suas indústrias "pesada e química", como a do aço, a química e a de máquinas, que então surgiam. Chang relembra que, em 1932, mesmo a Inglaterra voltou a sucumbir ao protecionismo, digamos.
34 - O "caminho único" da globalização envolvia abandonar a ideia de escolher e desenvolver indústrias próprias em ramos especiais: O direito à "proteção assimétrica" que os países em desenvolvimento conseguiram assegurar no GATT, em 1964, é citado como "uma corda para enforcar a própria economia!" e descrito no artigo conhecido de Jeffrey Sachs e Andrew Warner.16 Gustavo Franco, o ex-presidente do Banco Central do Brasil (1997-99), tocou o mesmo ponto de forma mais sucinta e direta quando disse que o objetivo das politicas econômicas nos anos 90 era "desfazer 40 anos de estupidez" e que a única escolha era ou ser "neoliberal ou 'neo-idiota'".
35 - Taiwan adotou uma estratégia muito similar à da Coréia, embora tenha usado empresas públicas de forma mais extensiva e de ter sido mais amigável com os investidores estrangeiros do que foi a Coréia. Cingapura teve livre-comércio e acreditou muito nos investimentos estrangeiros, mas, mesmo assim, não estava em conformidade com outros aspectos do ideal neoliberal. Apesar de aceitar bem os investidores estrangeiros, usou subsídios de forma considerável para atrair corporações transnacionais de indústrias que considerava estratégicas, especialmente na forma de investimentos do governo em infra-estrutura e educação focados em determinadas indústrias. Além disso, Cingapura é um dos maiores Estados com empresas públicas no mundo, incluindo o Housing Development Board, que responde pela construção de 85% das casas (quase todas as terras são de propriedade do governo).
36 - Coloca Hong Kong como exceção que prova a regra, mas assevera que nunca se tratou de um Estado realmente independente. Até 1997, Hong Kong era colônia da Inglaterra usada como plataforma para os interesses comerciais e financeiros dos ingleses na Ásia. Hoje, o país é o centro financeiro da economia chinesa. Esses fatos tornaram menos necessário para Hong Kong ter uma base industrial independente, embora o país produzisse duas vezes mais produtos manufaturados per capita do que a Coréia até a metade da década de 1980, quando começou sua absorção plena na China. Mas mesmo Hong Kong não era uma economia totalmente de livre mercado. O mais importante é que todas as terras eram do governo, com vistas ao controle da situação das habitações.
37 - Assim como os Estados Unidos na metade do século XIX, ou do Japão e da Coréia na metade do século XX, a China usou tarifas elevadas para construir sua base industrial. Até a década de 1990, a tarifa média da China era superior a 30%.
38 - Índia: conforme algumas pesquisas recentes revelam, a aceleração do crescimento da Índia começou realmente na década de 1980, não dando crédito à simples história de "a maior abertura acelera o crescimento". Além disso, mesmo após a liberalização do comércio no início da década de 1990, as tarifas médias sobre as manufaturas na Índia se mantiveram acima de 30% (ainda hoje, elas são 25%).
39 - Chile de Pinochet foi um sucesso neoliberal? Pelo menos os primeiros quinze anos não. Longe disso. A renda per capita do Chile (em dólares de 1990, assim como todos os dados que seguem) era $5.293 em 1970, quando Salvador Allende ... chegou ao poder. Apesar da imprensa perseguidora, Allende entrou para a história oficial do capitalismo, pois a renda per capita no Chile cresceu muito durante sua presidência — ela era $5.663 em 1971 e $5.492 em 1972. Após o golpe, a renda per capita do Chile caiu, atingindo o mínimo de $4.323 em 1975. A partir de 1976, ela começou a aumentar novamente e chegou ao máximo de $5.956 em 1981, principalmente graças à bolha financeira. Após o crash financeiro, ela caiu novamente para $4.898 em 1983 e recuperou o nível anterior ao golpe apenas em 1987, quando chegou a $5.590. Os dados são de Maddison (2003), Tabela 4C.
40 - ...Apenas quando o neoliberalismo do Chile se tornou mais pragmático após a crise, o país passou a melhorar. Por exemplo, o governo favoreceu os exportadores com muita ajuda em marketing no comércio internacional e P&D. (E, de fato, o Chile tem crescido cada vez menos especialmente de 2013 pra cá...)
41 - Ao analisar o acordo da Coréia com o FMI em 1997, um observador ultrajado comentou: "Muitas características do plano do FMI são reprises das políticas que o Japão e os Estados Unidos tentaram por longo tempo que a Coréia adotasse. (...) Embora a maior concorrência promovida pelas importações de produtos manufaturados e a maior propriedade estrangeira pudessem ajudar a economia coreana, os coreanos e outros consideravam isso um abuso do poder do FMI para forçar a Coréia em seu momento de fraqueza a aceitar as políticas comerciais e de investimentos que haviam sido rejeitadas anteriormente.
42 - Critica que FMI e Banco Mundial sejam meio que "um dólar/um voto". EUA acabam tendo, por exemplo, sozinhos, poder de veto em muitas decisões que exigem alta margem. Já OMC, apesar de tudo, é mais democrática. Uma vez que eles têm a vantagem numérica, os países em desenvolvimento têm muito mais representação na OMC do que no FMI e no Banco Mundial. De toda forma, Chang coloca que os países ricos dão um jeito de mandar. "Subornando" com pacotes de auxílio financeiro... Escalando e pagando equipes muito mais numerosas/preparadas nas rodadas de comércio, etc.
43 - Globalização econômica ou financeira são reféns da tecnologia? Claro que não. Se fosse a tecnologia que determinasse a extensão da globalização, seria impossível explicar como o mundo era muito menos globalizado na década de 1970 (quando dispúnhamos de todas as tecnologias modernas de transporte e comunicações, exceto a internet) do que na década de 1870 (quando contávamos com navios a vapor e linhas telegráficas).
(OBS: Capítulos II e III deste livro eu já fichei em algum outro ano. Estão no Blog)
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