Livro: Ha-Joon Chang - Economia: Modo de Usar - Capítulo 12 e Epílogo
Livro: Ha-Joon Chang - Economia: Modo de Usar
Pgs. 320-353
"CAPÍTULO 12: "Todas as coisas em prolífica abundância” - A DIMENSÃO INTERNACIONAL"
273 - Em 1792, George III da Grã-Bretanha mandou Earl Macartney para a China como seu enviado especial. Macartney tinha a missão de convencer o imperador chinês, Qianlong, a permitir que a Grã-Bretanha fizesse comércio livremente em toda a China, não apenas no Cantão (Guangzhou), que era então o único porto aberto a estrangeiros. Naquela época, a Grã-Bretanha estava tendo um grande déficit com a China (e aí, qual a novidade?) em grande parte devido ao recém-descoberto gosto pelo chá. Falhou. A China mandou como resposta que o livre-comércio com o Cantão era só um favor. "...nosso Império Celestial possui todas as coisas em prolífica abundância e não tem falta de qualquer produto dentro de suas fronteiras." Ainda falou em desnecessidade de importar "manufaturas de bárbaros".
274 - ...Como não obteve permissão nem mesmo para tentar convencer os clientes chineses a comprar mais de seus produtos manufaturados, a Grã-Bretanha decidiu aumentar suas exportações de ópio a partir da Índia. O crescente vício em ópio que resultou disso alarmou o governo chinês e levou-o a banir o comércio de ópio em 1799. Isso não funcionou, e então em 1838 o imperador Daoguang, neto de Qianlong, nomeou um novo “tsar das drogas”, Lin Zexu, para dar início a uma grande onda de repressão contra o contrabando de ópio. Como resposta, os britânicos deram início à Guerra do Ópio em 1840, em que a China foi esmagada. A vitoriosa Grã-Bretanha forçou a China a fazer livre-comércio, incluindo o ópio, com o Tratado de Nanquim, de 1842. Seguiu-se um século de invasões externas, de guerra civil e de humilhação nacional.
275 - Mobilidade de fatores entre setores (consequência da abertura) pode envolver grandes custos: ...há poucas máquinas de “uso geral” ou trabalhadores com “habilidades gerais” que podem ser empregados em várias indústrias. Ricardo e demais minimizam ou minimizaram o impacto disso, coloca. E a prometida "compensação" pelo Welfare State acabaria não rolando. (...) A defesa de que o comércio internacional é essencial nunca deve ser confundida com a ideia de que o livre-comércio é a melhor maneira de fazer comércio internacionalmente. Chang aqui já está falando, inclusive, de uma possível inibição ao desenvolvimento de capacidades produtivas (creio que sofisticadas).
276 - Países grandes como Brasil, Japão e EUA têm pouca dependência do comércio mundial. Beiram os 15% do PIB.
277 - No outro extremo, temos pequenas economias voltadas para o comércio como Hong Kong (206%) e Cingapura (198%). Essas economias não só fazem muito comércio por necessidade em função de seu pequeno tamanho. Elas também se especializam no comércio internacional em si, importando desse modo algumas coisas apenas para vendê-las a outros — isso é conhecido como “reexportação”.
278 - Muitos países têm uma taxa de dependência comercial muito acima da média (digamos, acima de 60%). Esse grupo inclui alguns pequenos países ricos (por exemplo, a Holanda e a Bélgica), vários países exportadores de petróleo (por exemplo, Angola e Arábia Saudita) e países em desenvolvimento que deliberadamente promoveram exportações de manufaturas por meio de medidas políticas (por exemplo, Malásia e Tailândia).
279 - O comércio internacional de serviços explodiu com as novas tecnologias? Pelo menos até 2013, não muito. O comércio de serviços como porcentagem do comércio mundial de fato cresceu de 17% no início dos anos 1980 (1980- 2) para cerca de 20% no início dos anos 1990. No entanto, desde então, esse índice tem flutuado mais ou menos nessa faixa. O que ocorreu, durante a segunda metade do Século XX, foi o forte crescimento do comércio mundial de manufaturados. Grande maioria, superando 50%.
280 - Balanço de pagamentos: "receita de investimentos" são tipo os dividendos que recebo de um ETF se trouxesse pra cá:
281 - Mesmo depois de somar dados de comércio, de receitas e de transferências correntes, um país pode ainda ter um déficit de conta-corrente. Nesse caso, ou ele tem de emprestar dinheiro (ou seja, contrair dívidas) ou vender ativos que possui.
282 - A balança de capital é dividida em “transferências de capital” (principalmente perdões de dívidas por países estrangeiros, ou, por outro lado, o seu país perdoando dívidas de outros países) e a “aquisição/disponibilidade de ativos não financeiros”, como a venda e a compra de patentes. (...) A balança financeira é composta em especial da carteira de investimentos, dos investimentos diretos (estrangeiros), de outros investimentos e de reservas.
283 - Balança financeira: Entre os “outros investimentos” estão a compra a crédito (empresas que emprestam dinheiro para seus compradores ao deixar que eles paguem posteriormente suas compras) e empréstimos (em especial empréstimos bancários). As “reservas” incluem as moedas estrangeiras e o ouro que o banco central de um país possui. Comumente se fala disso com o nome de reserva de moeda estrangeira.
284 - ...Um déficit comercial que cresce rapidamente devido a, digamos, um grande fracasso na colheita ou a uma liberalização comercial súbita de grande escala pode fazer com que um país acumule dívida estrangeira e venda seu patrimônio. A geração de um grande superávit comercial devido a, digamos, um crescimento na demanda do principal mineral exportado pode permitir que um país compre ativos no exterior, criando assim um déficit na balança de capital.
285 - ...Em algumas ocasiões, pode ser a balança de capital que influencia a dinâmica. Um país pode ter um aumento súbito no fluxo de sua carteira de investimentos porque ele de repente se tornou um destino “atraente” de investimentos graças, digamos, à recente eleição de um presidente pró-negócios que promete muitas reformas. Ou ele pode experimentar um grande crescimento no investimento estrangeiro direto porque, por exemplo, foi descoberta uma grande reserva de petróleo. Mas quando essas coisas acontecem a demanda pela moeda do país cresce, já que as pessoas precisam dela para comprar ativos do país. Isso levará a um aumento no valor cambial da moeda, fazendo com que suas exportações se tornem pouco competitivas e aumentando assim o déficit comercial.
286 - Em 2010, o Haiti teve um déficit comercial equivalente a 50% do PIB, mas o déficit de conta-corrente foi equivalente a apenas 3%. Isso foi possível porque houve uma grande quantia de transferências correntes, como ajuda estrangeira (equivalente a 27% do PIB) e remessas (equivalentes a 20% do PIB).
287 - Importância crescente dos IED: ...Entre 1970 e meados dos anos 1980, os fluxos anuais de investimentos estrangeiros diretos (medidos em termos de influxos) foram equivalentes a cerca de 0,5% do PIB mundial. Desde então, o crescimento desse índice acelerou se comparado ao crescimento do PIB mundial, até o ponto em que chegou a ser equivalente a 1,5% do PIB mundial em 1997. Então houve outra aceleração do fluxo de investimento direto estrangeiro, e a proporção chegou a cerca de 2,7% do PIB mundial em média entre 1998 e 2012, embora com grandes flutuações. Ele traz novas práticas de gestão e por vezes até novas tecnologias. Ou seja, não é mero fluxo de grana, como muitos outros.
288 - ...Também há a influência que ocorre por meio da cadeia de fornecedores. Quando compram de fornecedores locais, as filiais das empresas transnacionais exigem padrões mais altos na qualidade dos produtos e na gestão da entrega do que seus equivalentes locais. Os fornecedores locais precisarão melhorar suas práticas se quiserem manter as filiais das transnacionais como suas clientes. E há os efeitos decorrentes de empregados das filiais que saem da empresa para trabalhar em outras ou mesmo para criar seu próprio negócio. Fala-se em efeitos spillover. Nem sempre podem acontecer e depende também da intenção e interação da empresa com as nacionais.
289 - Conta uma das manobras tributárias das grandes empresas transnacionais no Reino Unido: Essas empresas minimizaram suas obrigações tributárias em países como a Grã-Bretanha inflando os custos de suas subsidiárias britânicas, fazendo com que suas subsidiárias em outros países cobrassem “sobrepreço” (ou seja, cobrassem mais do que teriam feito em mercados abertos) das subsidiárias britânicas pelos seus serviços. Esses países tinham alíquotas de impostos de pessoa jurídica menores do que a alíquota britânica (por exemplo, a Irlanda, a Suíça ou a Holanda), ou mesmo são paraísos fiscais, ou seja, países que atraem empresas estrangeiras para criar “empresas de papel” ao cobrar impostos de pessoa jurídica muito baixos ou mesmo ao não cobrá-los (por exemplo, Bermudas e Bahamas).
290 - ...Quando empresas transnacionais fazem evasão fiscal por meio de preços de transferência, elas usam insumos produtivos coletivos financiados pela receita dos impostos, como infraestrutura, educação e pesquisa e desenvolvimento, mas não pagam por eles.
291 - Mais "contras": Outro possível efeito é que as subsidiárias das transnacionais podem “excluir” empresas locais (de seu próprio setor e de outros setores) no mercado de crédito. Isso pode não ser necessariamente uma coisa ruim se elas forem mais atraentes para os que emprestam dinheiro graças a sua maior eficiência. Mas elas podem ter acesso mais fácil ao crédito, mesmo quando são menos eficientes, porque são, bem, subsidiárias de transnacionais. Elas são vistas, de maneira correta, como sendo implicitamente bancadas por suas empresas-mãe, que são bem mais dignas de crédito do que qualquer empresa local em um país em desenvolvimento pode aspirar a ser. Se esse for o caso, as subsidiárias de transnacionais que estão usando o mercado de crédito local podem significar que os empréstimos estão indo para usos menos eficientes.
292 - Pode-se frear o desenvolvimento interno de capacidades também. É por isso que muitos dos países ricos hoje — em especial países como Japão, Coreia, Taiwan e Finlândia — restringem estritamente empresas transnacionais até que as suas próprias empresas tenham capacidade de competir no mercado internacional. Chang lembra que os primeiros automóveis japoneses, por exemplo, foram um fracasso. Enquanto isso, a GM ´produzia enormemente mais e melhor.
293 - ...Muitos países estabeleceram regras sobre quais setores podem receber investimentos estrangeiros diretos. Eles exigiram que as empresas transnacionais tenham um sócio local de investimento (conhecida como cláusula de joint-venture). Eles criaram regras sobre a parcela da joint-venture que pode ser de propriedade do investidor estrangeiro; a possibilidade de o acionista estrangeiro ser majoritário foi praticamente banida em setores importantes. Muitos governos exigiram que a transnacional que está fazendo o investimento transfira suas tecnologias para a sócia local da joint-venture (cláusula de transferência de tecnologia) ou que trabalhadores locais sejam treinados. Hoje em dia, muitas medidas do tipo seriam consideradas "ilegais" segundo as regras de livre-comércio mundial.
294 - Nem tudo é "restrição": Alguns outros países, como Cingapura e Irlanda, usaram “iscas” para atrair investimentos em setores que eles consideravam importantes para seu desenvolvimento econômico nacional. Entre as “iscas” estavam subsídios para transnacionais que fizessem investimentos em setores “prioritários”, oferecimento de infraestrutura customizada e formação de engenheiros e de trabalhadores capacitados que fossem necessários em setores específicos.
295 - Japão e IED: Apesar de produzir 12% do PIB mundial nesse período, o país recebeu apenas 0,7% do investimento direto estrangeiro mundial, graças à regulação draconiana que manteve até pouco tempo.
296 - Países e IED: Os Estados Unidos ficaram com apenas 15% do investimento estrangeiro direto mundial apesar de responder por 23,1% do PIB mundial durante o período. No caso da França, os números correspondentes foram de 3% contra 4,3%, enquanto no caso do Brasil, foram de 2,8% e 3%. Em termos de países super-representados, a Bélgica e Hong Kong se destacam; eles ficaram respectivamente com 6% e 4,1% do investimento estrangeiro direto do mundo apesar de responderem por apenas 0,8% e 0,4% do PIB mundial. O Reino Unido (6,8% versus 4%) também estava bastante super-representado, seguido da China (11% versus 8,5%).
297 - Vê uma tendência de crescimento do IED brownfield (ou seja, fusões, aquisições...), levando a maior concentração em poucas empresas em inúmeros setores-chave da economia mundial.
298 - Chang lembra que muitos defendem livre-mercado só para as empresas. Mobilidade do capital. Os trabalhadores que enfrentem os rigores das leis antiimigração.
299 - Imigrantes: Eles podem ocupar vagas em geral, como no caso dos trabalhadores turcos na Alemanha Ocidental dos anos 1960 e 1970, quando o Wirtschaftswunder (milagre econômico) criou escassez de trabalhadores em toda parte. Mas o mais comum é que eles venham a preencher vagas em segmentos específicos do trabalho de mercado — ou trabalhos “sujos, perigosos e humilhantes” ou trabalhos altamente especializados no Vale do Silício. Em resumo, os imigrantes vêm porque são necessários.
300 - Especialmente em tempos de dificuldades econômicas, como nos anos 1930 ou nos tempos atuais, trabalhadores nativos descontentes, manipulados por políticos populistas de direita, passam a acreditar que seus problemas são em grande medida causados pelos imigrantes. Mas causas muito mais importantes dos salários estagnados e das piores condições de trabalho estão no campo da estratégia corporativa e da política econômica governamental: maximização do valor das ações por parte das corporações, o que exige apertar o cinto dos trabalhadores, políticas macroeconômicas ruins que criam níveis desnecessários de desemprego, sistemas inadequados de capacitação profissional que tornam os trabalhadores pouco competitivos e assim por diante.
301 - O trabalho "não-qualificado" tem muito mais dificuldades pra emigrar. Isso em função de os países que recebem imigrantes desejarem pessoas com qualificações e porque a emigração custar a dinheiro, que esses trabalhadores não têm (por exemplo, custos de pesquisa, taxas de inscrição em processos seletivos, passagens aéreas). Por isso é muito comum que as pessoas “erradas” emigrem — trabalhadores qualificados. Isso é conhecido como fuga de cérebros.
302 - Em termos proporcionais, isso significou que a quantidade de imigrantes nos países ricos aumentou de 7,8% da população em 1990 para 11,4% em 2010. Esse aumento é substancial, mas dificilmente pode ser considerado o terremoto de que às vezes se fala.
303 - Alguns países pequenos recebem porcentagens de dois dígitos - em relação ao PIB - de remessas internacionais (o valor total mundial era de 300 bilhões, o triplo da ajuda internacional de países, por exemplo). Isso aumenta o poder de consumo local, mas também pode ter lado negativo: ...altas quantidades de remessas alimentaram bolhas financeiras, como ficou famoso no caso do esquema de pirâmide da Albânia, que entrou em colapso em 1997. Um aumento súbito no influxo de moeda estrangeira sob a forma de remessas também pode enfraquecer a competitividade das exportações do país ao aumentar de maneira abrupta o valor de sua moeda, tornando as exportações dessa maneira relativamente mais caras em termos de moedas estrangeiras.
304 - Durante a Era de Ouro do capitalismo (1945-73), a economia mundial era muito menos globalizada do que na era de Ouro liberal (1870-1913).
Pgs. 354-363
"EPÍLOGO - E agora? COMO PODEMOS USAR A ECONOMIA PARA TORNAR NOSSO MUNDO MELHOR?"
305 - Dizer que a economia é uma disputa política não significa que “qualquer coisa vale”. Algumas teorias são melhores que outras, dependendo da situação que se está analisando. Mas isso significa que você nunca deve acreditar em nenhum economista que afirme oferecer uma análise “científica”, isenta de valores.
306 - Números são menos objetivos do que se pensa. Retoma as polêmicas na mensuração do PIB e lembra que a definição-padrão de desemprego subestima o verdadeiro tamanho do desemprego ao excluir trabalhadores desestimulados nos países ricos e os subempregados nos países em desenvolvimento (ver o capítulo 10).
307 - Relembra que o mercado não organiza toda a economia: Muitas atividades econômicas são organizadas por meio de diretivas internas dentro de empresas, enquanto o governo tem influência sobre grandes porções da economia — e até mesmo as comanda. (...) Herbert Simon, o fundador da escola behaviorista, certa vez estimou que apenas cerca de 20% das atividades econômicas dos Estados Unidos são organizadas por meio do mercado.
308 - Duzentos anos atrás, muitos norte-americanos imaginavam que era totalmente irrealista defender a abolição da escravatura; há cem anos, o governo britânico punha mulheres na prisão por pedirem o direito a voto; cinquenta anos atrás, muitos dos fundadores das nações que hoje estão em desenvolvimento estavam sendo caçados pelos britânicos e pelos franceses como se fossem “terroristas”.
FIM!
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