Livro: Ha-Joon Chang - Economia: Modo de Usar - Capítulo 5
Livro: Ha-Joon Chang - Economia: Modo de Usar
Pgs. 137-159
"CAPÍTULO 5: "Os personagens do drama - QUEM SÃO OS ATORES ECONÔMICOS?"
118 - Na epígrafe, a frase de Thatcher sobre não existir "essa coisa de sociedade" e essa outra de Jim Hightower: "As empresas não precisam mais pressionar o governo. Elas são o governo."
119 - Apresenta a fábula da liberdade individual como "a importante" (ou única...): Não há nenhuma autoridade superior — seja rei, papa ou o ministro do Planejamento — que possa dizer o que as pessoas devem desejar e produzir. Nessa base, muitos economistas do livre mercado já argumentaram que existe um vínculo inseparável entre a liberdade de escolha do consumidor individual e sua liberdade política mais ampla. A crítica seminal de Friedrich von Hayek ao socialismo, O caminho da servidão, e a defesa ardente de Milton Friedman do sistema de livre mercado, Livre para escolher, são exemplos conhecidos.
120 - ...Na verdade, muitos que creem na visão individualista prefeririam sacrificar a liberdade política para defender a liberdade econômica (por essa razão Hayek elogiou a ditadura de Pinochet no Chile).
121 - A "era das corporações", digamos assim. As corporações, e não os indivíduos, são os mais importantes tomadores de decisões econômicas. (...) Estima-se que de 30% a 50% do comércio internacional de bens manufaturados é na verdade comércio intrafirma, ou seja, transferência de insumos e produtos dentro da mesma empresa multinacional (MNC) ou transnacional (TNC), com atividades em vários países. Se a fábrica de motores da Toyota em Chonburi, na Tailândia, “vende” seus produtos para as montadoras da Toyota no Japão ou no Paquistão, isso pode ser considerado como uma exportação da Tailândia para esses países, mas essas não são transações de mercado genuínas. Os preços dos produtos comercializados assim são ditados pela sede da empresa no Japão, não pelas forças competitivas do mercado.
122 - Mark Zuckerberg, que é dono de 28% do Facebook, é um acionista majoritário. A família Wallenberg da Suécia é a acionista majoritária na Saab (40%), Electrolux (30%) e Ericsson (20%). (...) A maior parte das grandes empresas não tem um acionista controlador.
123 - ...A propriedade dispersa significa que os administradores profissionais têm o controle efetivo sobre a maior parte das grandes empresas do mundo, apesar de não possuírem uma participação significativa nelas.
124 - Além das atividades sindicais (que vamos explorar abaixo), os trabalhadores em alguns países europeus, como Alemanha e Suécia, influenciam o que suas empresas fazem por meio da representação formal no conselho empresarial. Em particular na Alemanha, as grandes empresas têm uma estrutura de dois níveis.
125 - Também os governos costumam ter grande participação em gestões de grandes corporações. A Stora Enso, a maior fabricante mundial de papel e celulose, é 25% de propriedade do governo finlandês. O Commerzbank, o segundo maior banco da Alemanha, também é 25% de propriedade do governo alemão. E a lista poderia continuar.
126 - A Volkswagen, fabricante de automóveis alemã, mostra bem a complexidade da tomada de decisões empresariais na época moderna. Ela tem um dono majoritário, a família Porsche-Piech. Do ponto de vista legal, essa família pode impor qualquer decisão que queira tomar, avançando como um rolo compressor. Mas não é assim que as coisas são feitas na Volkswagen. Tal como em outras grandes empresas alemãs, ela tem o sistema de dois níveis, em que os trabalhadores têm uma forte representação. Além disso, a empresa é 20% de propriedade do governo — ou, mais precisamente, o governo estadual (Land) da Baixa Saxônia (Niedersachsen). Como resultado, as decisões na Volkswagen são alcançadas através de processos muito complicados de negociação, envolvendo acionistas, gestores profissionais, trabalhadores e a população em geral (através da participação do governo).
127 - Outras formas relevantes de organização: A espanhola Mondragon Cooperative Corporation (MCC) tem cerca de 70 mil sócios-empregados trabalhando em mais de cem cooperativas e faturamento anual de vendas de cerca de 19 bilhões de dólares (dados de 2010).75 É a sétima maior empresa da Espanha, tanto em vendas como em emprego. É também a maior cooperativa do mundo. Outra cooperativa de trabalhadores famosa é a John Lewis Partnership da Grã-Bretanha, dona das lojas de departamento John Lewis e dos supermercados Waitrose (sexta maior rede de supermercados do Reino Unido). É de tamanho semelhante à Mondragon — mais de 80 mil sócios e um volume de negócios de aproximadamente 14 bilhões de dólares (em 2011). (...) Os exemplos mais comuns de cooperativas de produtores independentes trabalhando seletivamente em conjunto são as cooperativas de laticínios, em que cada agricultor possui suas vacas, mas toda a produção de leite e produtos lácteos (manteiga, queijo etc.) é processada e vendida em conjunto.
128 - ...Nesses casos, não se trata de "uma ação, um voto", mas de "uma pessoa, um voto" mesmo. Assim, surgem muitas diferenças na prática. O grupo da cooperativa Mondragon é famoso por ter a regra salarial na qual o sócio que ocupa o cargo administrativo mais alto só pode ter uma remuneração de três a nove vezes maior do que o salário mínimo pago a um sócio que trabalha na linha de frente, com a proporção exata a ser decidida por votação dos sócios de cada cooperativa. Algumas cooperativas fazem até rotação de funções!
129 - A visão sobre sindicatos também tem mudado: Quando a montadora sueca Volvo comprou o braço de equipamentos pesados para a construção da Samsung, no rescaldo da crise financeira asiática de 1997, diz-se que ela pediu aos trabalhadores que criassem um sindicato (a Samsung tinha — e ainda tem — uma infame política “sem sindicatos”). Os gestores suecos não sabiam como gerir uma empresa sem um sindicato com quem dialogar!
130 - Em vários países europeus — Suécia, Finlândia, Noruega, Islândia, Áustria, Alemanha, Irlanda e Holanda — os sindicatos são reconhecidos explicitamente como parceiros fundamentais na tomada de decisões em nível nacional. Nesses países eles estão envolvidos na elaboração de políticas não apenas nas áreas “óbvias”, como salários, condições de trabalho e treinamento, mas também políticas de bem-estar social, controle da inflação e reestruturação industrial
131 - ...Cerca de 70% dos trabalhadores na Islândia, Finlândia e Suécia pertencem a sindicatos; nos Estados Unidos a proporção é de aproximadamente 11%, para colocar em perspectiva. No entanto, a taxa de sindicalização (conhecida como “densidade sindical”) não explica de todo esses arranjos. Por exemplo, há uma proporção maior de trabalhadores sindicalizados na Itália (cerca de 35%) ou na Grã-Bretanha (cerca de 25%) do que na Alemanha e na Holanda (ambas com menos de 20%), mas os sindicatos italiano e britânico têm uma influência muito menor na formulação de políticas nacionais do que seus equivalentes alemão e holandês.
132 - Governos: podem empregar até 25% ou mais da mão-de-obra de um país. Ainda, alguns países reservam grande papel às estatais. Estas geralmente geram 10% da produção nacional, mas pode passar de 15% em países como Cingapura e Taiwan. O governo também afeta o comportamento de outros agentes econômicos ao criar, fechar e regular mercados. Como exemplos temos, respectivamente, a criação do mercado de créditos de carbono, a abolição da escravatura e as diversas leis sobre horas e condições de trabalho.
133 - EUA e os bancos multilaterais: ...Mais importante ainda, os Estados Unidos têm o poder de veto de facto no Banco Mundial e no FMI, pois suas decisões mais relevantes exigem por maioria de 85%, e os Estados Unidos possuem 18% das ações.
134 - ...Já os pacotes de socorro da zona do Euro (UE) são decididos pelo "congresso" europeu mesmo. Mais ou menos proporcional. No Conselho da União Europeia, a Alemanha tem dez vezes mais votos do que Malta (29 votos contra três), mas tem uma população mais de duzentas vezes maior (82 milhões contra 0,4 milhão).
135 - Sobre outros organismos internacionais, como a OIT: ...Por exemplo, praticamente nenhum dos países que recebem imigrantes assinou a convenção da OIT de proteção aos direitos dos trabalhadores migrantes. (...) Sem dinheiro e poder de estabelecer regras, as causas dessas organizações são promovidas com muito menos vigor do que os objetivos do FMI, do Banco Mundial e da OMC.
136 - O "indivíduo" egoísta-racional existe? E os múltiplos-eu? Muitas vezes vemos a mesma pessoa se comportando de forma completamente diferente em circunstâncias diferentes. Um homem pode ser muito egoísta na hora de compartilhar o trabalho doméstico com sua esposa, mas numa guerra pode estar disposto a sacrificar a vida pelos seus camaradas. Lembra que o conflito entre "eus" pode ser tão grande que Ulisses pediu para ser amarrado ao mastro do navio para não ser seduzido pelas sereias. Por fim, Chang problematiza a ideia de gostos e preferências naturais/soberanas. Nossas inclinações são socializadas. Sociedade e indivíduos se influenciam mutuamente.
137 - ...As preferências individuais — e não apenas dos consumidores, mas também dos contribuintes, operários e eleitores — podem ser manipuladas deliberadamente, e muitas vezes o são. Os indivíduos não são entidades “soberanas”, tal como retratados nas teorias econômicas individualistas.
138 - Com base na crítica feita por Herbert Simon, posiciona-se contra a "racionalidade olímpica": ...Esse tipo de defesa não é convincente nos dias de hoje, quando uma teoria econômica que assume a hiper-racionalidade, conhecida como Hipótese dos Mercados Eficientes (HME), desempenhou um papel fundamental no surgimento da crise financeira mundial de 2008, ao fazer os políticos responsáveis acreditarem que os mercados financeiros não necessitam de regulamentação.
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