Livro: Celso Furtado - Formação Econômica do Brasil (2003) - Capítulos 15 a 17
Livro: Celso Furtado - Formação Econômica do Brasil (2003)
Pgs. 119-122
"CAPÍTULO 15: "REGRESSÃO ECONÔMICA E EXPANSÃO DA ÁREA DE SUBSISTÊNCIA"
95 - A decadência do ciclo do ouro: À medida que se reduzia a produção, as maiores empresas se iam descapitalizando e desagregando. A reposição da mão de obra escrava já não se podia fazer, e muitos empresários de lavras, com o tempo, se foram reduzindo a simples faiscadores. Dessa forma, a decadência se processava através de uma lenta diminuição do capital aplicado no setor minerador. A ilusão de que uma nova descoberta poderia vir a qualquer momento induzia o empresário a persistir na lenta destruição de seu ativo, em vez de transferir algum saldo liquidável para outra atividade econômica. Todo o sistema se ia assim atrofiando, perdendo vitalidade, para finalmente desagregar-se numa economia de subsistência.
96 - Compara com a situação da Austrália do Século XIX, que tinha acesso a desenvolvimento técnico mais avançado. Na Austrália, três quartos de século depois, o desemprego causado pelo colapso da produção de ouro constituiu o ponto de partida da política protecionista que tornou possível a precoce industrialização desse país. A necessidade de absorver o enorme excedente de mão de obra que se foi criando à medida que diminuiu a produção de ouro — problema tanto mais grave quanto os setores lanífero e agrícola haviam introduzido técnicas poupadoras de mão de obra no período anterior para poder subsistir contribuiu para formar no Estado de Victoria uma consciência clara de que só a industrialização poderia resolver o problema estrutural da região. Tivesse o país permanecido sob a influência exclusiva dos grupos exportadores de lã, e a predominância das ideias liberais teria impedido qualquer política de industrialização por essa época.
97 - Voltando à decadência brasileira: A perda maior foi para aqueles que tinham invertido grandes capitais em escravos e viam a rentabilidade destes baixar dia a dia. O sistema se descapitalizava lentamente, mas guardava sua estrutura. Ao contrário do que ocorria no caso da economia açucareira — que defendia até certo ponto sua rentabilidade conservando uma produção relativamente elevada —, na mineração a rentabilidade tendia a zero e a desagregação das empresas produtivas era total. A economia de subsistência foi tomando conta de novo.
98 - Furtado chega a afirmar sobre essa decadência do ciclo do ouro que "em nenhuma parte do continente americano houve um caso de involução tão rápida e tão completa de um sistema econômico constituído por população principalmente de origem europeia".
Pgs. 123-130
QUARTA PARTE - ECONOMIA DE TRANSIÇÃO PARA O TRABALHO ASSALARIADO - SÉCULO XIX
"CAPÍTULO 16: "O MARANHÃO E A FALSA EUFORIA DO FIM DA ÉPOCA COLONIAL"
99 - O último quartel do século XVIII constitui uma nova etapa de dificuldades para a colônia. As exportações, que em torno de 1760 se haviam aproximado de 5 milhões de libras, pouco excedem em média, nos últimos 25 anos do século, os 3 milhões. (...) Enquanto isso a população havia subido a algo mais de 3 milhões de habitantes. A renda per capita, ao terminar o século, provavelmente não seria superior a 50 dólares de poder aquisitivo atual — admitida uma população livre de 2 milhões —, sendo esse provavelmente o nível de renda mais baixo que haja conhecido o Brasil em todo o período colonial. Observação importante, porém, num rodapé: Este dado constitui uma simples indicação, pois o conceito mesmo de renda só com muita reserva se pode aplicar a uma economia em que grande parte do produto não se integra no setor monetário. A economia de subsistência era gigante.
100 - No norte estavam os dois centros autônomos do Maranhão e do Pará. Este último vivia exclusivamente da economia extrativa florestal organizada pelos jesuítas com base na exploração da mão de obra indígena. O sistema jesuítico, cuja produtividade aparentemente chegou a ser elevada mas sobre o qual não se dispõe de muitas informações — a Ordem não pagava impostos nem publicava estatísticas —, entrou em decadência com a perseguição que sofreu na época de Pombal. O Maranhão ainda tinha certa integração pela pecuária.
101 - Maranhão teve ajuda nesse período por sinal. Os colonos do Maranhão eram adversários tradicionais dos jesuítas na luta pela escravização dos índios. Pombal ajudou-os criando uma companhia de comércio altamente capitalizada que deveria financiar o desenvolvimento da região, tradicionalmente a mais pobre do Brasil (Ao ajudar os colonos, Pombal não os apoiou em seus propósitos de escravização dos índios. Coube, na verdade, a esse estadista, eliminar de vez as formas abertas e disfarçadas de escravidão do indígena em terras brasileiras. A ajuda financeira permitiu a importação em grande escala de mão de obra africana, o que modificou totalmente a fisionomia étnica da região.). Começou-se a produzir arroz e algodão lá (o contexto era bom pra isso) e os portos, em vez de um ou dois navios por ano passaram a "ver" cento e cinquenta. Excluído o núcleo maranhense, todo o resto da economia colonial atravessou uma etapa de séria prostração nos últimos decênios do século.
102 - Enfim, as únicas "bonanças" desse período: Em 1789 entrou em colapso a grande colônia açucareira francesa — que era Haiti. Nesse pequeno território estavam concentrados quase meio milhão de escravos que se revoltaram é destruíram grande parte da riqueza ali acumulada, modificando a situação do mercado do açúcar. Abre-se, assim, para a região açucareira do Brasil, nova etapa de prosperidade. O valor das exportações de açúcar, com efeito, mais que duplica na etapa das guerras napoleônicas. A atividade industrial na Inglaterra é intensa durante esses anos de guerra, e a procura de algodão cresce fortemente. Seguindo o Maranhão, o Nordeste dedica recursos à produção desse artigo. Porém, eram elevações temporárias de preços, resultantes de ebulições políticas nos EUA, França, Haiti etc.
Pgs. 131-138
"CAPÍTULO 17: "PASSIVO COLONIAL, CRISE FINANCEIRA E INSTABILIDADE POLÍTICA"
103 - A abertura dos portos em 1808 não chegou a ser um baque para os ingleses. Vêm em seguida os tratados de 1810 que transformam a Inglaterra em potência privilegiada, com direitos de extraterritorialidade e tarifas preferenciais extremamente baixas, tratados esses que constituirão, em toda a primeira metade do século, uma séria limitação à autonomia do governo brasileiro no setor econômico.
104 - Reflete sobre a permanência da unidade do território brasileiro no processo de separação de Portugal: Se a independência houvesse resultado de uma luta prolongada, dificilmente ter-se-ia preservado a unidade territorial, pois nenhuma das regiões do país dispunha de suficiente ascendência sobre as demais para impor a unidade. Os interesses regionais constituíam uma realidade muito mais palpável que a unidade nacional, a qual só começou realmente a existir quando se transferiu para o Rio o governo português. A luta ingente e inútil de Bolívar, para manter a unidade de Nova Granada, constitui um exemplo do difícil que é impor uma ideia que não encontra correspondência na realidade dos interesses dominantes.
105 - Brasil do Século XIX acabou não tendo o potencial transformador que havia na América do Norte, por exemplo. Não existindo na colônia sequer uma classe comerciante de importância — o grande comércio era monopólio da Metrópole —, resultava que a única classe com expressão era a dos grandes senhores agrícolas.
106 - O desaparecimento do entreposto lusitano logo se traduziu em baixa de preços nas mercadorias importadas, maior abundância de suprimentos, facilidades de crédito mais amplas e outras óbvias vantagens para a classe de grandes agricultores.
107 - Os grandes privilégios ingleses de 1810 e 1827 - que, por sinal, causavam sérios problemas fiscais, visto que não queriam os senhores compensar o problema taxando as exportações e reduzindo o próprio lucro - vieram meio que a troco econômico de nada (apenas reconhecimento politico, ao que lembro). ...os ingleses não se preocuparam em abrir mercados aos produtos brasileiros, os quais competiam com os de suas dependências antilhanas. Aplicada unilateralmente, a ideologia liberal passou a criar sérias dificuldades à economia brasileira, exatamente na etapa em que a classe de grandes agricultores começava a governar o país. A economia patinava e surgiam várias revoltas regionais/separatistas em inúmeros estados (no colégio estudamos as de mais longa duração).
108 - Furtado reconhece dois fatores no pleito inglês pela abolição: O governo britânico, escudado em sólidas razões morais e impulsado pelos interesses antilhanos que viam na persistência da escravatura brasileira o principal fator de depressão do mercado do açúcar, usou inutilmente todos os meios a seu alcance para terminar com o tráfico transatlântico de escravos.
109 - Contexto como um todo era complicado: Os preços do açúcar caem persistentemente na primeira metade do século e os do algodão ainda mais acentuadamente. Na Bahia e em Pernambuco, e ainda mais no Maranhão, a renda per capita deve haver declinado substancialmente durante esse período. Na região sul do país as dificuldades econômicas se acumularam como reflexo da decadência da economia do ouro, principal mercado para o gado produzido no sul.
110 - Nos anos 30 do Século XIX, o café começa a ganhar muita força, vindo em resgate da economia brasileira como um todo, digamos assim.
111 - Cisplatina: A experiência dos anos 20 — primeiro decênio de vida independente — é ilustrativa e explica grande parte das dificuldades dos dois decênios subsequentes. Nesse período o governo central não consegue arrecadar recursos, através do sistema fiscal, para cobrir sequer metade dos seus gastos agravados com a guerra na Banda Oriental
112 - Entre 1624 e 1829 o governo do Brasil conseguiu alguns empréstimos externos, se bem que em condições extremamente onerosas, no montante real de 4,8 milhões de libras. Esses recursos foram, entretanto, totalmente absorvidos nos gastos diretos da independência, inclusive parte da indenização de 2 milhões de libras paga a Portugal.
113 - Política fiscal e revoltas: A forma de financiar o déficit do governo central com emissões de moeda-papel e a elevação relativa dos preços dos produtos importados — provocada pela desvalorização externa da moeda — incidiam particularmente sobre a população urbana. A grande classe de senhores agrícolas, que em boa medida se autoabasteciam em seus domínios e cujos gastos monetários o sistema de trabalho escravo amortecia, era relativamente pouco afetada pelos efeitos das emissões de moeda-papel. Esses efeitos se concentravam sobre as populações urbanas de pequenos comerciantes, empregados públicos e do comércio, militares, etc. Com efeito, a inflação acarretou um empobrecimento dessas classes, o que explica o caráter principalmente urbano das revoltas da época e o acirramento do ódio contra os portugueses, os quais sendo comerciantes eram responsabilizados pelos males que acabrunhavam o povo.
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