Livro: Piketty - O Capital no Século XXI - Capítulo 6
Livro: Piketty - O Capital no Século XXI
Pgs. 261-304
"CAPÍTULO 6: "A divisão capital-trabalho no século XXI"
222 - O retorno do capital r parece ter atenuado a evolução da quantidade de capital β: a remuneração do capital r é mais alta nos períodos em que a quantidade β é mais baixa, e vice-versa, o que parece natural. (...) Mais precisamente: constata-se, tanto no Reino Unido quanto na França, que a participação do capital era da ordem de 35-40% da renda nacional no fim do século XVIII e no século XIX, antes de cair para 20-25% em meados do século XX e mais tarde subir a 25-30% no fim do século XX e início do século XXI (ver os Gráficos 6.1-6.2). Isso corresponde a uma taxa média de retorno do capital por volta de 5-6% nos séculos XVIII e XIX, antes de subir para 7-8% em meados do século XX, caindo para 4-5% no fim do século XX e início do século XXI (ver Gráficos 6.3-6.4).
223 - ...Na prática, a taxa de remuneração varia muito de acordo com o tipo de ativo e o tamanho do patrimônio individual (em geral, é mais fácil obter um bom rendimento quando se parte de um nível de capital elevado), amplificando ao mesmo tempo a desigualdade, como veremos na Terceira Parte. A depender do ativo, também, liquidez e risco mudam o rendimento médio do mesmo. Vai aos exemplos: ...com frequência ultrapassa os 7-8%, enquanto o dos ativos menos arriscados é bem mais fraco — da ordem de 4-5% para as terras agrícolas nos séculos XVIII e XIX e até 3-4% para os ativos imobiliários no início do século XXI. Para os pequenos patrimônios detidos como depósitos bancários ou cadernetas de poupança, a taxa de rendimento real costuma ser próxima de 1-2%, ou até negativa, quando a inflação supera a exígua taxa nominal de juros que os remunera.
224 - Obs. Importante: Os juros da dívida pública, que não fazem parte da renda nacional (tratase de uma transferência pura) e remuneram um capital que não faz parte do capital nacional (uma vez que a dívida pública entra como um ativo para os detentores privados e como um passivo para o Estado), não foram levados em conta nos Gráficos 6.1-6.4. Se fossem incluídos, a participação do capital seria um pouco mais alta, em geral da ordem de um a dois pontos (e até quatro a cinco pontos nos períodos em que a dívida pública foi particularmente alta).
225 - Retorno real - não nominal - do capital (no próximo ponto há explicação sobre o que é o "retorno puro"):
226 - Cada um passa um tempo — às vezes muito tempo — gerindo sua própria carteira e seus próprios negócios e determinando quais são os investimentos mais lucrativos. Isso pode parecer, em certos casos, um verdadeiro trabalho empresarial ou um trabalho de “homem de negócios”. (...) É, sem dúvida, bastante difícil — e, em parte, arbitrário — calcular o valor desse trabalho informal com precisão, o que explica seu esquecimento nas contas nacionais. Em princípio, deve-se medir o tempo dedicado a essa atividade e lhe atribuir um valor horário, baseando-se, por exemplo, na remuneração de um trabalho equivalente no setor financeiro ou imobiliário formal. Em períodos especiais, de forte crescimento, por exemplo, várias oportunidades surgem e o trabalho de gestão informal aumenta. Daí a variação dos "gaps" nos gráficos.
227 - O caso do pequeno proprietário: Hoje, em torno de 10% da produção interna dos países ricos são realizados por trabalhadores não assalariados de empresas de propriedade individual, o que corresponde mais ou menos à participação dos não assalariados na população economicamente ativa. Os trabalhadores não assalariados são reagrupados em pequenas empresas prestadoras de serviços (comerciantes, artesãos, proprietários de restaurantes etc.) e estão presentes no seio das profissões liberais (médicos, advogados etc.). Durante muito tempo, isso dizia respeito a um grande número de exploradores agrícolas, que hoje desapareceram. Na contabilidade dessas empresas individuais, em geral é impossível isolar a remuneração do capital: por exemplo, os benefícios de um radiologista remuneram tanto o seu trabalho quanto os equipamentos às vezes bastante caros que ele teve de adquirir. O mesmo vale para o dono de um hotel ou um fazendeiro. É por esse motivo que se fala em “rendas mistas”: as rendas dos trabalhadores não assalariados são, ao mesmo tempo, a renda do trabalho e a do capital. (...) Para repartir as rendas mistas entre capital e trabalho, utilizamos a mesma distribuição média capital-trabalho que para o resto da economia. Essa é a solução menos arbitrária, e ela parece fornecer resultados próximos dos obtidos com os outros dois métodos geralmente utilizados.
228 - ...Para o período atual, essas observações fazem pouca diferença: levando em conta o baixo peso das rendas mistas, a margem de erro sobre a verdadeira participação do capital não é maior do que 1% ou 2% da renda nacional. Para os períodos mais antigos, e em particular para os séculos XVIII e XIX, quando as receitas mistas poderiam representar mais da metade da renda nacional, o grau de incerteza é potencialmente mais significativo. É por isso que as estimativas da participação do capital disponíveis para os séculos XVIII e XIX não podem ser consideradas mais do que meras aproximações. Empresas individuais já foram 50% da produção no Século XIX.
229 - Juros: A taxa de juros sobre a dívida pública no Reino Unido e na França nos séculos XVIII e XIX era da ordem de 4-5%. Às vezes, ela podia cair para 3% (como durante a desaceleração econômica do fim do século XIX). Em contrapartida, alcançou 5-6% ou até mais durante os períodos de fortes tensões políticas, quando a credibilidade orçamentária do regime foi questionada — por exemplo, nas décadas que precederam a Revolução Francesa ou durante o período revolucionário.
230 - Voltando aos retornos "puros": Em primeiro lugar, os níveis ilustrados nos Gráficos 6.3-6.4 correspondem a rendimentos antes de qualquer tributação. (...) Quando todos os impostos são considerados, a taxa média de tributação que pesa sobre as rendas do capital hoje é da ordem de 30% na maior parte dos países ricos. Aí está o primeiro fator que estabelece uma diferença importante entre o rendimento econômico puro do capital e o rendimento efetivo que se reverte para as pessoas envolvidas.
231 - Países ricos: Se somarmos as cadernetas de poupança, não alcançamos mais do que 30% da renda nacional, ou pouco mais de 5% dos patrimônios.
232 - Do ponto de vista do rendimento médio, é bem mais importante salientar que o valor anual das rendas de aluguéis de moradias — a metade dos patrimônios — representa, geralmente, 3-4% do preço dos bens. (...) o rendimento da locação pode alcançar 5% nos imóveis de menor porte.
233 - A maioria esmagadora dos ativos detidos mesmo pelas famílias não sofrem risco inflacionário. Ativos reais - como imobiliários e ações - tendem a acompanhar ou superar a inflação. Os nominais é que podem se dar mal (poupança e título não-indexado).
234 - ...Nos modelos mais complexos e realistas, a taxa de rendimento do capital depende do poder de negociação e barganha entre as partes envolvidas e pode, de acordo com a situação e o setor, ser mais alta ou mais baixa do que a produtividade marginal do capital (especialmente porque a produtividade marginal do capital é difícil de medir com exatidão).
235 - Uma época em que já se tem tudo o que é necessário? Em teoria, nada impede que se imagine uma sociedade em que a relação capital / renda β seja muito elevada, mas o rendimento do capital r seja rigorosamente nulo. Nesse caso, a participação do capital na renda nacional α = r × β seria, também, rigorosamente nula. Nessa sociedade, a totalidade da renda nacional e da produção iria para o trabalho. De toda forma, defende que sempre existiu "capital". Antes do industrial, já havia a "poupança" para "investir" na habitação e Piketty vê capital nisso.
236 - Negociando um capital que permite aumentar a produtividade em 5%: Numa situação de concorrência perfeita, trata-se de uma taxa de rendimento anual que o detentor do capital — o proprietário de terras ou de ferramentas — deveria obter do trabalhador agrícola. Se ele tentar obter mais do que 5%, o trabalhador vai alugar terras e ferramentas de outro capitalista. E, se o trabalhador quiser pagar menos do que 5%, a terra e as ferramentas serão oferecidas a outro trabalhador. Evidentemente, pode haver situações em que o proprietário é monopolista, sendo o único capaz de alugar suas terras e ferramentas ou mesmo de oferecer trabalho (nesse caso, ele constitui também um “monopsônio”). Nesse caso, o proprietário está em condições de exigir uma taxa de rendimento superior à produtividade marginal do capital.
237 - Economia imaginária com função de produção de elasticidade infinita (capital-trabalho): Em contrapartida, uma elasticidade de substituição infinita significa que a produtividade marginal do capital e do trabalho é totalmente independente da quantidade de trabalho e capital disponível. Em particular, o rendimento do capital é fixo e não depende da quantidade de capital: é sempre possível acumular capital e aumentar a produção numa porcentagem fixa, por exemplo, de 5% ou 10% ao ano por unidade de capital adicional. Nesse caso, é possível pensar numa economia toda robotizada na qual a produção pode aumentar de modo indefinido enquanto o capital trabalha exclusivamente sozinho.
238 - O caso intermediário de uma elasticidade de substituição exatamente igual a um corresponde à função de produção conhecida como “Cobb-Douglas”. A participação capital/trabalho na renda seria sempre a mesma praticamente. O ponto sobre o qual devemos insistir aqui, porém, é que a realidade histórica é mais complexa do que a ideia de completa estabilidade da divisão capital-trabalho pode sugerir. A hipótese Cobb-Douglas às vezes é uma boa aproximação para certos subperíodos ou para alguns setores e constitui, em todos os casos, um ponto de partida útil para reflexão.
239 - ...Estudos antigos constatavam e proclamavam a suposta estabilidade das participações: De acordo com os cálculos de Bowley, as rendas do capital representam, ao longo de todo o período, em torno de 37% da renda nacional, e as rendas do trabalho, em torno de 63%. Ver Bowley, A. The Change in the Distribution of National Income, 1880-1913. Oxford: Clarendon Press, 1920. Essas estimativas são coerentes com as que encontramos para esse subperíodo.
240 ...Interessante, ainda na esteira dessa obra: Em contrapartida, os economistas marxistas têm a tendência de querer demonstrar, custe o que custar, que a participação do capital se expande sempre e que os salários ficam estagnados, mesmo que isso exija que se torture um pouco os dados. Em 1899, Eduard Bernstein, que teve a ousadia de argumentar que os salários aumentariam e que a classe operária teria muito a ganhar se contribuísse com o regime em vigor (ele estava prestes a se tornar vice-presidente do Reichstag), foi rechaçado como candidato no congresso do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD) reunido em Hanôver. Em 1937, o jovem historiador e economista alemão Jurgen Kuczynski, que nos anos 1950-1960 se tornaria um prestigiado professor de história econômica na Universidade de Humboldt na Berlim Oriental e publicaria, entre 1960 e 1972, uma monumental história universal dos salários em 38 volumes, atacou Bowley e os economistas burgueses. Kuczynski defendeu a tese de uma deterioração contínua da participação do trabalho desde o início do capitalismo industrial até os anos 1930, o que foi verdade para a primeira metade do século XIX — ou até para os primeiros dois terços do século. Contudo, a tese é exagerada quando se considera todo o período.
241 - ...Keynes se juntou aos economistas burgueses, caracterizando a estabilidade da divisão capital-trabalho como a “regularidade mais bem estabelecida de toda a ciência econômica”. A afirmativa era precipitada, para dizer o mínimo, uma vez que Key nes se baseou em apenas um punhado de dados sobre a indústria manufatureira britânica nos anos 1920-1930, período insuficiente para estabelecer uma regularidade universal.
242 - ...A tese da estabilidade universal foi questionada, e nos anos 2000 vários relatórios oficiais publicados pela OCDE e pelo FMI vieram alertar para esse fenômeno (prova de que a questão se tornara séria).
243 - Críticas à "hipótese Cobb-Douglas": ...a elasticidade de substituição entre trabalho e capital parece superar um: uma alta da relação capital / renda β parece conduzir a um leve aumento da participação do capital α na renda nacional, e vice-versa. O capital vai ganhando usos diversificados. Com base nos dados históricos, é possível estimar uma elasticidade entre 1,3 e 1,6. (...) Por certo, é provável que o rendimento do capital r caia à medida que a relação capital / renda β aumente. No entanto, com base na experiência histórica, o mais provável é que o efeito volume se sobreponha ao efeito preço, isto é, que o efeito acumulação compense a queda do rendimento do capital.
244 - Expansão do capital: Deve-se, todavia, sublinhar que essa evolução é compatível não só com uma elasticidade de substituição superior a um, mas também com uma melhoria do poder de barganha do capital face ao trabalho ao longo das últimas décadas, num contexto de crescente mobilidade do capital e de concorrência entre os países pelos investimentos. É provável que os dois efeitos tenham se reforçado durante as últimas décadas.
245 - No início do Século XIX tudo isso era diferente, pois a terra e a agricultura ainda predominavam no capital. Os dados históricos de que dispomos sugerem claramente que a elasticidade de substituição era menor do que um nessas sociedades tradicionais. Em particular, essa é a única maneira de explicar por que os Estados Unidos, a despeito de um volume de terras bem maior do que o observado na Europa, se caracterizavam, nos séculos XVIII e XIX, por um valor da terra menor (tal qual medido pela relação capital / renda), bem como por níveis de renda fundiária (e da participação do capital na renda nacional) mais baixos do que no Velho Continente. Aqui o efeito preço se sobrepõe ao volume. Isso deriva da própria lógica já discutida aqui: para que substituições capital-trabalho relevantes possam existir, o capital precisa tomar diferentes formas. Para determinada forma do capital — no caso, as terras agrícolas —, é inevitável que o efeito preço se sobreponha ao efeito volume depois de certo ponto.
246 - Sociedades do capital humano com importância crescente? Parece plausível interpretar desse modo a queda da participação do capital observada no longuíssimo prazo, de 35-40% nos anos 1800-1810 para 25-30% nos anos 2000-2010, e a alta correspondente da participação do trabalho, de 60-65% para 70-75%. Piketty pede calma, porém, na conclusão de que o trabalho ganhou certa importância relativa frente ao capital. É possível que a participação do capital cresça nas próximas décadas e volte aos níveis do início do século XIX.
247 - ...Talvez seja essa a lição mais importante de nossa pesquisa no atual estágio: a tecnologia moderna utiliza sempre muito capital, e a diversidade dos usos do capital leva a uma acumulação substancial sem que o rendimento afunde totalmente. Nessas condições, não há qualquer razão natural para que a participação do capital diminua no longuíssimo prazo, mesmo se a tecnologia se transformar de modo mais favorável ao trabalho.
248 - ...Às vezes se imagina que o capital teria desaparecido, que teríamos passado, como que por mágica, de uma civilização fundada sobre o capital, sobre heranças e filiação, a outra baseada no capital humano e no mérito. Os acionistas parrudos teriam sido substituídos por gerentes talentosos, pela simples bênção da mudança tecnológica.
249 - No Reino Unido, cujos dados são mais completos, os trabalhos históricos disponíveis, sobretudo os de Robert Allen (que batizou de “Engel’s pause” a longa estagnação salarial), sugerem que a participação do capital se expandiu em dez pontos percentuais da renda nacional, passando de cerca de 35-40% ao fim do século XVIII e no início do século XIX para 45-50% em meados do século XIX, momento em que o Manifesto comunista era redigido e em que Marx se dedicava à escrita de O capital. De acordo com os dados disponíveis, parecia que essa elevação era mais ou menos compensada por uma queda comparável da participação do capital ao longo dos anos 1870-1900, depois por uma ligeira alta em 1900-1910, de modo que, ao final, a participação do capital no período revolucionário e napoleônico não era muito diferente do nível que prevalecia na Belle Époque (ver o Gráfico 6.1). Interpreta-se como um movimento natural dos caprichos das tecnologias. Porém, creio que o acirramento das lutas deve ter tido seu papel.
250 - Os dados disponíveis para o século XVIII e para o período da Revolução Francesa sugerem, igualmente, uma alta da participação da renda da terra nas décadas que antecederam a Revolução (o que é coerente com as observações de Arthur Young sobre a miséria dos camponeses franceses) e fortes aumentos salariais entre 1789 e 1815 (que parecem ser explicados pela redistribuição da terra e pela mobilização de mão de obra ligada aos conflitos militares). Visto da Restauração e da Monarquia de Julho, o período revolucionário e napoleônico deixaria boas lembranças para as classes populares.
251 - Lucros e aluguéis na França:
252 - (Volta a falar de Marx e novamente não concordo com a interpretação dele sobre o pensamento do autor alemão. Agora, de fato, se a produtividade trava, a mera acumulação de capital tem limite e levaria a uma estagnação politicamente complicada. Só que isso não quer dizer necessariamente que Marx recusava o crescimento da produtividade por um longuíssimo período indeterminado. Os próprios marxistas divergem sobre como interpretar o fim "automático" - nunca é - do capitalismo em Marx).
253 - Piketty meio que acusa Marx de não ver um crescimento duradouro da produtividade dos fatores. Na falta disso, os capitalistas cavam suas próprias covas: ou se aniquilam ao tentar lutar desesperadamente contra a queda da taxa de rendimento (por exemplo, provocando guerras para obter melhores investimentos nas colônias, como na crise marroquina entre a França e a Alemanha em 1905 e 1911) ou forçam a mão de obra a aceitar uma parcela cada vez menor da renda nacional, o que resulta na revolução proletária e na expropriação generalizada. Em qualquer caso, o capitalismo está fadado a padecer devido a suas próprias contradições internas.
254 - Harrod, em 1939, considerou que a relação capital / renda β era rigorosamente fixa e imposta pela tecnologia disponível (como no caso de uma função de produção com coeficientes fixos, sem qualquer substituição possível entre trabalho e capital), de modo que a taxa de crescimento era determinada apenas pela poupança. (...) Em 1948, Domar desenvolveu uma visão mais otimista e flexível do que a de Harrod para a lei g = s/β, insistindo que a taxa de poupança e a relação capital / renda poderiam se ajustar. No entanto, foi somente em 1956 que Solow introduziu a função de produção com fatores substituíveis que permitiriam inverter a equação e escrevê-la β = s/g: no longo prazo, a relação capital / renda se ajusta à taxa de poupança e ao crescimento estrutural da economia, e não o contrário. A controvérsia persistiu, todavia, nos anos 1950-1960 entre os economistas, sobretudo os que estavam em Cambridge, Massachusetts, nos Estados Unidos (em particular, Solow e Samuelson, que defendiam a função de produção com fatores substituíveis), e aqueles que trabalhavam em Cambridge, no Reino Unido (por exemplo, Robinson, Kaldor e Pasinetti). Estes — não sem alguma confusão — viam no modelo de Solow a afirmativa de que o crescimento era sempre equilibrado, negando a importância das flutuações keynesianas de curto prazo. Foi apenas a partir dos anos 1970-1980 que o modelo dito “neoclássico” de crescimento de Solow se impôs definitivamente. (Muito pouco explicado, mas ok...)
255 - ...Parece-me que a virulência — e o caráter um tanto estéril — dessa controvérsia das duas Cambridges explica-se pelo fato de que os dois lados não dispunham de dados históricos satisfatórios que permitissem tornar os termos do debate mais precisos
256 - Perspectivas: No panorama global, é possível que a relação capital / renda alcance ou mesmo supere esse nível ao longo do século XXI. Se a taxa de poupança se mantiver em torno de 10% e se a taxa de crescimento se estabilizar em 1,5% no longuíssimo prazo — levando em consideração a estagnação demográfica e a desaceleração do progresso tecnológico —, o estoque mundial de capital atingirá, logicamente, o equivalente a seis a sete anos de renda. E, se o crescimento cair a 1%, o estoque de capital poderá chegar a dez anos de renda. (Isso se a poupança não cair junto né?)
257 - ...Outra previsão: Há inúmeros usos para o capital no longo prazo, o que pode ser resumido pela observação de que a elasticidade de substituição entre capital e trabalho é, sem dúvida, maior do que um em períodos prolongados. O mais provável é que a queda da renda seja mais fraca do que a elevação da razão capital / renda, de modo que a participação do capital irá aumentar. Com uma razão capital / renda da ordem de sete a oito anos e uma taxa de rendimento mundial do capital em torno de 4-5%, a participação do capital poderia se situar ao redor de 30-40% da renda global, ou perto dos níveis observados nos séculos XVIII e XIX — quiçá até mesmo ultrapassar esse valor.
258 - Bem cético sobre o destino da tecnologia levar ao triunfo do "capital humano" sobre as demais formas de capital: A marcha em direção à racionalidade econômica e tecnológica não implica, necessariamente, uma marcha rumo à racionalidade democrática e à meritocracia. A razão central é simples: a tecnologia, assim como o mercado, não tem limite ou moral. A evolução tecnológica decerto aumentou a necessidade de cada vez mais qualificações e competências humanas. Todavia, ela também aumentou as necessidades de edifícios, moradias, escritórios, equipamentos de todos os tipos, patentes e, por fim, o valor total de todos esses elementos não humanos — imobiliários, profissionais, industriais, financeiros — expandiu-se mais rapidamente do que a produção e a renda nacional durante períodos prolongados. Do mesmo modo, o volume de rendas que remuneram essas diferentes formas de capital cresceu mais rápido do que o montante de rendas do trabalho. Se desejarmos, de fato, fundar uma ordem social mais justa e racional, baseada na utilidade comum, não basta contar com os caprichos da tecnologia.
.
Comentários
Postar um comentário