Livro: Piketty - O Capital no Século XXI - Capítulo 13

                            

Livro: Piketty - O Capital no Século XXI



QUARTA PARTE - REGULAR O CAPITAL NO SÉCULO XXI


Pgs. 587-611


"CAPÍTULO 13: "Um Estado social para o século XXI"


533 - Começa exaltando a "utopia" do imposto progressivo global.


534 - Crise de 08 foi grave, mas ainda bem abaixo da de 1929: Entre 1929 e 1935, o nível de produção dos grandes países desenvolvidos caiu 25%, o desemprego aumentou na mesma proporção e o mundo inteiro só saiu dessa “Grande Depressão” ao entrar na Segunda Guerra Mundial. Mesmo que os patamares de 2007 só tenham sido recuperados em 2013, ...a queda da produção, mesmo no momento mais grave da recessão, em 2009, não ultrapassou 5% na maior parte dos países ricos. Atribui isso tudo especialmente à competência dos bancos centrais atuais em prover liquidez. Chama a política de 29 de "liquidacionista".


535 - O lado bom? Mudanças drásticas teriam vindas daí. Roosevelt não elevou em poucos anos a margem superior da taxa de imposto federal para mais de 80% para as rendas muito mais altas, enquanto essa taxa era de apenas 25% sob o governo Hoover? Em comparação, no momento em que escrevo este texto, Washington ainda se pergunta se o governo Obama conseguirá em seu segundo mandato elevar a taxa superior deixada por Bush (de cerca de 35%) acima dos valores alcançados no mandato de Clinton nos anos 1990 (em torno de 40%).


536 - Gastos militares e orçamentos:  As despesas militares representam geralmente pelo menos 2-3% da renda nacional e podem se elevar muito mais em um país particularmente ativo do ponto de vista militar (mais de 4% da renda nacional nos Estados Unidos atualmente), ou em países que sentem que sua segurança e suas propriedades privadas estão sob ameaça (mais de 10% da renda nacional na Arábia Saudita ou nos países do golfo Pérsico). (...) Os orçamentos com educação e saúde geralmente não ultrapassam 1-2% da renda nacional no século XIX



537 - ...Notaremos que o peso das arrecadações obrigatórias é expresso aqui proporcionalmente à renda nacional (ou seja, geralmente cerca de 90% do PIB, uma vez deduzidos os 10% correspondentes à depreciação do capital), o que me parece mais justificável, na medida em que a depreciação não é renda para uma pessoa (ver o Capítulo 1). Se exprimíssemos as arrecadações em proporção do PIB, então as participações obtidas seriam, por definição, da ordem de 10% menores (por exemplo, 45% do PIB em vez de 50% da renda nacional).


538 - ...As diferenças de alguns pontos entre os países podem se dever a diferenças meramente estatísticas. As de cinco a dez pontos correspondem a diferenças reais e substanciais no papel desempenhado pelo poder público em cada país. (...) Para nos concentrarmos nas tendências de longo prazo, representamos as médias decenais.


539 - O Japão se situa ligeiramente abaixo dos Estados Unidos (32-33% da renda nacional). O Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia estão mais próximos do nível do Reino Unido (35-40%).


540 - Do ponto de vista do peso fiscal e orçamentário, o que é bem relevante, o poder público nunca desempenhou um papel econômico tão importante como nas últimas décadas. Não há tendência de baixa perceptível, ao contrário do que às vezes ouvimos. Coloca que seria até esperado alguma crescente pelo envelhecimento (despesas médicas) da população.


541 - As despesas públicas com educação e saúde representam entre 10% e 15% da renda nacional em todos os países desenvolvidos neste início de século XXI.


542 - Se adicionarmos os custos dos seguros privados, o sistema de saúde americano é de longe o mais caro do mundo (perto de 20% da renda nacional, contra 10-12% na Europa), mesmo que uma parte importante da população não esteja coberta e que os indicadores sanitários sejam bastante piores do que na Europa. Quaisquer que sejam seus defeitos, não há dúvidas de que o sistema público universal de seguro-saúde oferece uma melhor relação custo-benefício do que o sistema americano.


543 - As rendas de substituição e de transferência representam em geral entre 10% e 15% (às vezes, perto de 20%) da renda nacional na maior parte dos países ricos neste início de século XXI. Aposentadorias, seguro-desemprego, renda mínima... Aqui há transferência do dinheiro arrecadado com impostos, não redução da renda disponível. O aumento das despesas públicas de educação e de saúde reduz a renda disponível (monetária) dos domicílios, o que explica por que a renda disponível passou de 90% da renda nacional no início do século XX para cerca de 70-80% neste início de século XXI


544 - Diferenças nos sistemas previdenciários: Na prática, as aposentadorias representam de longe a maior parte (entre dois terços e três quartos) do total da renda de substituição e de transferência. Observamos ainda variações significativas entre os países. Na Europa continental, as pensões para a aposentadoria com frequência ultrapassam 12- 13% da renda nacional (com a Itália e a França no topo, à frente da Alemanha e da Suécia). Nos Estados Unidos e no Reino Unido, o sistema público de aposentadoria é muito mais limitado para salários médios e elevados (a taxa de substituição, ou seja, o montante da aposentadoria expresso em proporção dos salários previamente obtidos, cai bem mais rápido no momento em que o salário ultrapassa o salário médio), e as pensões representam apenas 6-7% da renda nacional. (...) Nós designamos classicamente como “beveridgiano” esse sistema de tetos (tendo como caso extremo uma aposentadoria quase fixa para todos, como no Reino Unido), em oposição ao sistema de aposentadoria do tipo “bismarckiano”, “escandinavo” ou “latino”, onde as aposentadorias são quase proporcionais aos salários para a grande maioria da população (até a quase totalidade na França, onde o teto é excepcionalmente alto: oito vezes o salário médio, contra duas a três vezes na maior parte dos países).


545 - ...o fato é que são esses sistemas de aposentadoria pública que permitem a todos os países desenvolvidos erradicar a pobreza na terceira idade, que ainda era endêmica até os anos 1950-1960. Junto com o acesso à educação e à saúde, as aposentadorias públicas são a terceira revolução social fundamental financiada pela revolução fiscal do século XX


546 - ...Em comparação às aposentadorias, os seguros-desemprego representam somas muito menores (tipicamente, 1-2% da renda nacional), o que significa que, em média, o tempo que se passa desempregado é menor que o tempo de aposentadoria


547 - Quanto aos programas de renda mínima, coloca que nem chega a 1% tanto nos EUA como na Europa, mas são bastante criticados. EUA: Outra particularidade é o uso de programas de auxílio em vale-alimentação como o Food Stamps (cujo objetivo é garantir que os beneficiários consumam alimentos, em vez de usar o dinheiro com bebida ou outros vícios), o que é pouco coerente com a visão liberal frequentemente associada aos Estados Unidos. Isso é uma prova do grau dos preconceitos americanos em relação aos mais pobres, que parece mais extremo do que na Europa, sem dúvida porque eles são reforçados, em parte, por preconceitos raciais


548 - Se somarmos as despesas públicas de educação e de saúde (10-15% da renda nacional) e as rendas de substituição e de transferência (também em torno de 10-15% da renda nacional, ou às vezes perto de 20%), chegaremos a uma massa total de despesas sociais (em sentido amplo) entre 25% e 35% da renda nacional, o que corresponde, em todos os países ricos, à quase totalidade da alta da participação das arrecadações obrigatórias do século XX. Cita que, de certa forma, esses direitos sociais são tão somente a realização tardia do que já era previsto desde as primeiras declarações da nossa era: ...Declaração da Independência americana de 1776... e ...Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da França de 1789.


549 - Coloca que impostos não são um mal nem um bem em si mesmos: Na escala europeia, são os países mais ricos e mais produtivos que têm os impostos mais elevados (entre 50% e 60% da renda nacional na Suécia e na Dinamarca), enquanto os países mais pobres e menos desenvolvidos têm os menores impostos (pouco mais de 30% da renda nacional na Bulgária e na Romênia).


550 - Piketty também coloca que o cenário para crescimento do Estado Social antes era bem mais propício (a Era de Ouro e tal...): Quando as rendas aumentam a uma taxa de 5% ao ano, não é muito difícil aceitar que uma parte desse crescimento seja afetada a cada ano pela progressão das taxas de arrecadação e de despesas públicas (e que estas últimas avancem mais rápido do que o crescimento médio), sobretudo num contexto em que as necessidades em termos de educação, saúde e aposentadoria sejam evidentes, dados os fundos bastante limitados em 1930 ou 1950.


551 - ...No total, a educação e a saúde representam mais de 20% do emprego e do PIB nas economias desenvolvidas, mais do que todos os setores industriais reunidos — um valor considerável.


552 - Educação não permitiu reduzir desigualdade das rendas do trabalho já que todos os níveis de qualificações avançaram. Entretanto, permitiu intensificar mobilidade social? De acordo com os dados disponíveis, a resposta parece ser negativa: a correlação intergeracional entre diplomas e rendas do trabalho, que mede a reprodução das hierarquias no tempo, não parece manifestar uma tendência de baixa no longo prazo e parece até mesmo manifestar uma tendência de aumento mais recente.


553 - ...Os resultados de mobilidade social, porém, variam entre os países: ...a reprodução intergeracional é mais baixa nos países nórdicos e mais elevada nos Estados Unidos (com um coeficiente de correlação duas ou três vezes mais alto nos Estados Unidos do que na Suécia). A França, a Alemanha e o Reino Unido parecem estar numa situação intermediária, com menos mobilidade do que nos países do norte da Europa, porém com mais do que nos Estados Unidos. Cai a lenda antiga da "terra das oportunidades", mas...  Sem dúvida, a sociedade dos colonizadores americanos tinha mais mobilidade no início do século XIX.


554 - Meritocracia "pero no mucho":...Ao confrontar as diferentes fontes disponíveis, podemos estimar que a renda média dos pais dos alunos de Harvard hoje é da ordem de 450.000 dólares, ou seja, mais ou menos a renda média dos 2% mais ricos dos lares americano. A capacidade de os pais ofertarem doações às universidades parece ser um critério relevante também, especula. É necessário também destacar a ausência completa de transparência nos procedimentos de seleção. Isso contrasta com a maioria dos países europeus, nos quais as mensalidades são baixas ou inexistentes. A Baviera e a Baixa-Saxônia decidiram, no início de 2013, pela abolição das matrículas universitárias de 500 euros por semestre e passaram a praticar, como no resto da Alemanha, a gratuidade total. Nos países nórdicos, as matrículas não ultrapassam algumas centenas de euros, como na França.


555 - ...Há nuances: Na prática, o sistema francês das grandes écoles leva a um maior gasto público com estudantes vindos de meios sociais mais favorecidos e uma despesa pública menor para os estudantes das outras universidades, provenientes de meios sociais mais modestos. Nas escolas públicas de base também há exemplos dessa lógica perversa. 


556 - ...De acordo com os dados disponíveis, parece que a renda média dos pais de estudantes da Sciences Po seria hoje da ordem de 90.000 euros, o que corresponde mais ou menos à renda média dos 10% mais ricos dos lares franceses. O recrutamento é, assim, cinco vezes mais amplo do que em Harvard, mas ainda é bastante restritivo.


557 - Segundo a famosa classificação de Xangai, os Estados Unidos contam com 53 universidades entre as cem melhores universidades do mundo em 2012-2013, contra 31 na Europa (das quais nove no Reino Unido). A classificação inverte-se, no entanto, para as quinhentas melhores universidades mundiais (150 para os Estados Unidos, contra 202 na Europa, das quais 38 no Reino Unido). Isso reflete a considerável desigualdade que existe dentro das oitocentas universidades americanas (ver o Capítulo 12).


558 - Coloca em xeque os sistemas previdenciários de repartição (solidariedade intergeracional). Funcionou sem problemas quando a produtividade crescia fortemente, mas agora já não se sabe. Não seriam melhor os de repartição? As cotas devem ser investidas, e não imediatamente revertidas aos aposentados e, dessa maneira, poderão se recapitalizar em mais de 4% ao ano para financiar nossas aposentadorias daqui a algumas décadas. Transição, porém, seria complicada. Ademais, o sistema de capitalização exibe mais volatilidade.


559 - Lembremos que essa volatilidade é a razão pela qual a repartição foi introduzida depois da Segunda Guerra Mundial: todos os que investiram suas contribuições de aposentadoria nos mercados financeiros nos anos 1920-1930 ficaram arruinados, e ninguém desejava tentar implantar novamente os sistemas obrigatórios de aposentadoria por capitalização que foram postos em prática em vários países antes da guerra (por exemplo, no contexto das leis de 1910 e 1928 na França).


560 - Impostos e países pobres (neoliberalismo?): Na África Subsaariana e no Sul da Ásia, a taxa de arrecadação média era ligeiramente inferior a 15% nos anos 1970 e no início dos anos 1980 e caiu para pouco mais de 10% nos anos 1990-2000. (...). No mínimo a liberalização comercial tem seu peso de culpa: Uma pesquisa recente bastante detalhada mostrou que a queda das receitas fiscais observada nos países mais pobres ao longo dos anos 1980-1990 é explicada em grande parte pelo desmoronamento das taxas alfandegárias, que nos anos 1970 contribuíam com cerca de 5% da renda nacional.


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