Livro: Piketty - O Capital no Século XXI - Introdução
Livro: Piketty - O Capital no Século XXI
Pgs. 1-45
"Introdução"
1 - “As distinções sociais só podem se fundamentar na utilidade comum.” Artigo I, Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, França,1789. Começa se perguntando quem estava certo sobre desenvolvimento capitalista e desigualdade. Marx ou Kuznets?
2 - Logo na introdução aparece o que me parece que será a tese fundamental do livro: Quando a taxa de remuneração do capital ultrapassa a taxa de crescimento da produção e da renda, como ocorreu no século XIX e parece provável que volte a ocorrer no século XXI, o capitalismo produz automaticamente desigualdades insustentáveis, arbitrárias, que ameaçam de maneira radical os valores de meritocracia sobre os quais se fundam nossas sociedades democráticas.
3 - França pré-revolucionária e a explosão demográfica: A população francesa se expandiu em ritmo constante ao longo de todo o século XVIII, do final do reinado de Luís XIV até o de Luís XVI, aproximando-se dos trinta milhões de habitantes nos anos 1780. Tudo leva a crer que esse dinamismo demográfico, desconhecido nos séculos anteriores, de fato contribuiu para a estagnação dos salários no setor agrícola e para o aumento dos rendimentos associados à propriedade da terra nas décadas anteriores à conflagração de 1789. Sem fazer da demografia a única causa da Revolução Francesa, parece evidente que essa evolução só fez aumentar a impopularidade crescente da aristocracia e do regime político em vigor.
4 - Malthus publica seu ensaio em 1798. Queria o fim da assistência aos pobres e o controle de natalidade. Só é possível compreender por que as previsões malthusianas eram tão exageradas e sombrias caso se leve em conta o medo que tomou de assalto boa parte das elites europeias nos anos 1790.
5 - O que intrigava Ricardo: ...se o crescimento da população e da produção se prolonga, a terra tende a se tornar mais escassa em relação aos outros bens. De acordo com a lei da oferta e da demanda, o preço do bem escasso — a terra — deveria subir de modo contínuo, bem como os aluguéis pagos aos proprietários. No limite, os donos da terra receberiam uma parte cada vez mais significativa da renda nacional, e o restante da população, uma parte cada vez mais reduzida, destruindo o equilíbrio social. Ricardo via como única saída lógica e politicamente satisfatória a adoção de um imposto crescente sobre a renda territorial. Não conseguiu antever que a importância relativa da agricultura cairia continuamente com o exponencial crescimento das indústrias.
6 - A miséria industrial era igual ou mais extrema que a rural do Antigo Regime: Germinal, Oliver Twist e Os miseráveis não brotaram apenas da imaginação de seus autores, bem como as leis que proibiram o trabalho de crianças menores de oito anos nas fábricas — como na França em 1841 — ou menores de dez anos nas minas — como no Reino Unido em 1842. (...) Dos anos 1800-1810 aos anos 1850-1860, os salários dos operários estagnaram em níveis muito baixos — próximos ou mesmo inferiores aos do século XVIII e aos dos séculos anteriores. A partir daí, o capital parou de crescer sua participação relativa na divisão total do bolo e manteve-se um certo nível alto de desigualdade, mas não crescente. Com a I Guerra e outros choques, a lógica começou a ser de redução até. Enfim, as primeiras décadas do "mundo industrial" foi terreno fértil para as teorias socialistas.
7 - Coloca que Solow - crescimento equilibrado - e Kuznetz - e sua curva - estavam no "extremo-oposto", digamos assim, de Marx. No mínimo, todos seriam bastante beneficiados pelo crescimento capitalista. Bastava ter calma. Kuznetz teria sido, inclusive, o primeiro a se basear em amplo trabalho estatístico sobre desigualdade. Baseou-se em declarações de imposto de renda e documentos do tipo.
8 - Para medir a participação do grupo de renda mais alta na renda nacional, é preciso dispor das declarações de renda. Essa segunda fonte de informação se tornou disponível quando todos os países passaram a adotar a tributação progressiva sobre a renda, por volta da Primeira Guerra Mundial (1913 nos Estados Unidos, 1914 na França, 1909 no Reino Unido, 1922 na Índia e 1932 na Argentina).
9 - ...Kuznets constatou que uma forte redução da desigualdade de renda havia ocorrido nos Estados Unidos entre 1913 e 1948. Mais especificamente, na década de 1910, o décimo superior da distribuição, isto é, os 10% mais ricos entre os americanos, recebiam 45-50% da renda nacional anual. No final dos anos 1940, a participação na renda nacional dos 10% mais ricos havia caído para cerca de 30-35%. Essa queda de mais de dez pontos percentuais da renda nacional era considerável: equivalia, por exemplo, à metade do que recebiam os 50% mais pobres do país. 13 A redução da desigualdade era, portanto, nítida e incontestável, e essa revelação teve uma importância tremenda, com enorme repercussão nos debates econômicos do pós-guerra, tanto nas universidades quanto nas organizações internacionais.
10 - ...A ideia otimista da "curva" dele só viria em 1955. Ele até admitia o caráter acidental das reduções recentes, relacionadas aos "choques externos", mas continuava a leitura otimista mesmo assim. As intenções, porém, não parecem das mais puras. Para se assegurar de que todos tinham entendido bem do que se tratava, Kuznets preocupou-se em esclarecer que a intenção de suas previsões otimistas era simplesmente manter os países subdesenvolvidos “na órbita do mundo livre”. Em grande medida, portanto, a teoria da “curva de Kuznets” é produto da Guerra Fria.
11 - Em grande medida, meu trabalho consistiu em ampliar os limites geográficos e temporais do trabalho pioneiro de Kuznets na mensuração da evolução da desigualdade da renda nos Estados Unidos de 1913 a 1948. As fontes para as camadas médias e baixas foram as contas nacionais mesmo (imagino que, aqui nesta faixa, ele tenha se servido de PNADs da vida). Para cada país, tentamos usar os mesmos tipos de fontes, os mesmos métodos e os mesmos conceitos. Os décimos e os centésimos das rendas mais altas foram estimados a partir dos dados tributários retirados de declarações de renda (após vários ajustes para garantir a homogeneidade temporal e geográfica dos dados e conceitos). A renda nacional e a renda média nos foram dadas pelas contas nacionais, que por vezes tiveram de ser esmiuçadas e estendidas.
12 - ...Mais metodologia: ...da mesma forma que as declarações de renda nos permitem estudar as alterações no grau de desigualdade da renda, as declarações de patrimônio provenientes de impostos sobre fortunas e heranças nos fornecem informações sobre a evolução da desigualdade da riqueza.
13 - Conclusões que surgirão: nem tudo é economia "pura" (quase nada?). A história da distribuição da riqueza jamais deixou de ser profundamente política, o que impede sua restrição aos mecanismos puramente econômicos. Em particular, a redução da desigualdade que ocorreu nos países desenvolvidos entre 1900-1910 e 1950-1960 foi, antes de tudo, resultado das guerras e das políticas públicas adotadas para atenuar o impacto desses choques. A segunda conclusão dele tem a ver justamente com essa primeira. Não parece haver tendência "natural" a nada.
14 - Piketty faz um breve exame das forças. As principais forças que propelem a convergência são os processos de difusão do conhecimento e investimento na qualificação e na formação da mão de obra. Cita até uma possível "hipótese do capital humano crescente": ...É possível, por exemplo, supor que as tecnologias de produção tendem a exigir uma capacitação crescente do trabalhador, de tal modo que a participação do trabalho na renda deveria aumentar (enquanto a do capital deveria diminuir). (Achei meio "Kuznetz" esse otimismo)
15 - ...Piketty coloca que os dados recomendam bastante ceticismo sobre essa e outras hipóteses bonitinhas. Não há evidência de que a participação do trabalho na renda nacional tenha aumentado de modo substancial ao longo dos anos. O que se sabe é que o capital (não humano) é quase tão indispensável no século XXI quanto foi nos séculos XVIII e XIX — e que é possível que se torne ainda mais indispensável no futuro. Podemos também afirmar que, tal qual acontecia no passado, a desigualdade da riqueza ocorre, sobretudo, dentro de cada faixa etária, e veremos que a riqueza herdada é quase tão decisiva para o padrão de vida de uma família no século XXI quanto era na época em que Balzac escreveu O pai Goriot. No longo prazo, a força que de fato impulsiona o aumento da igualdade é a difusão do conhecimento e a disseminação da educação de qualidade.
16 - Agora a análise das "forças de divergência". A primeira: A "era dos executivos" teria gerada a curva em U, certamente sem aumento da "produtividade" ou "valor" dos mesmos, apenas preço do próprio salário que definem. Processo que estaria muito mais avançado nos EUA do que em outros países. A curva representada no Gráfico I.1 mostra a participação do décimo superior da hierarquia de distribuição de renda na renda nacional americana durante o período 1910-2010.
17 - A segunda grande força de divergência seria o "r > g". O Gráfico I.2 mostra a evolução da riqueza privada no Reino Unido, na França e na Alemanha (sob a forma de imóveis, ativos financeiros e patrimônio líquido), expressa em anos da renda nacional, para o período dos anos 1870-2010.
18 - (Em tempo... Algumas frases que ele solta sobre Marx me parecem uma leitura bem equivocada. Por exemplo: Minhas conclusões são menos apocalípticas do que as que resultam do princípio de acumulação infinita e divergência perpétua articulado por Marx (cuja teoria repousa implicitamente na hipótese de crescimento nulo da produtividade no longo prazo).
19 - Tanto para o Reino Unido quanto para a França, dispomos de diversas estimativas da riqueza nacional e de sua estrutura, o que nos permite remontar ao início do século XVIII. Sobre o período 1870-1914, afirma: Trata-se de um período ao mesmo tempo fascinante e prodigiosamente desigual. São os anos em que se inventam a lâmpada elétrica e as viagens transatlânticas (o Titanic partiu em 1912), o cinema e o rádio, o automóvel e os investimentos financeiros internacionais. Vale lembrar que os países ricos tiveram de esperar até o início do século XXI para retomar o nível de capitalização da bolsa de valores — como do Produto Interno Bruto (PIB) ou da renda nacional — que se tinha em Paris e Londres nos anos 1900-1910.
20 - Demografia França Vs EUA desde a época das revoluções francesa e americana: A dinâmica e a estrutura da desigualdade são muito diferentes em um país onde a população foi multiplicada por cem e em outro onde ela apenas dobrou. Exemplo-chave: Foi o forte crescimento demográfico do Novo Mundo que fez com que o peso das heranças nos Estados Unidos fosse sempre inferior ao da Europa. A cada tempo se formava um novo país.
21 - Excepcionalidade da França também em outro sentido: Embora a Revolução Inglesa de 1688 tenha dado início ao parlamentarismo moderno, ela conservou uma dinastia real, deixou inalterada a primazia sobre a propriedade da terra para os primogênitos até os anos 1920 e manteve os privilégios políticos da nobreza hereditária até o presente (a reforma da Câmara dos Lordes está em discussão até hoje, o que é, obviamente, um debate longo demais). Por outro lado, a Revolução Americana de 1776 instituiu o princípio republicano, porém deixou a escravidão prosperar durante mais um século, além de garantir a legalidade da discriminação racial durante quase dois séculos. De toda forma, Piketty alerta que a França continuou tão economicamente desigual quanto os outros países, de direitos políticos menos igualitários durante o século XIX.
22 - Não me interessa denunciar a desigualdade ou o capitalismo enquanto tal — sobretudo porque a desigualdade social não é um problema em si, desde que se justifique, desde que seja “fundada na utilidade comum”, como proclama o artigo primeiro da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.
23 - É contra a não-comunicação com as outras áreas. Este livro, creio eu, é ao mesmo tempo um livro de história e um tratado de economia.
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