Livro: Sánchez-Ancochea, Diego - The Costs of Inequality in Latin America - Capítulo 5

                                                     

Livro:  Sánchez-Ancochea, Diego - The Costs of Inequality in Latin America



Pgs. 109-138


"CAPÍTULO 5: "THE SOCIAL COSTS OF INEQUALITY"


91 - Desigualdade e violência: "A desigualdade gera um sentimento de injustiça entre as pessoas desfavorecidas, que acabam buscando compensação por outros meios", explica o economista do Banco Mundial Herman Winkler. Há não só a segregação espacial: Também leva à fragmentação dos serviços sociais: os ricos, a classe média e os pobres raramente compartilham os mesmos hospitais e escolas.



92 - Os latino-americanos também desconfiam muito de líderes políticos, partidos e instituições públicas. Alguns exemplos são particularmente extremos: apenas 19% dos venezuelanos confiam na polícia – um número menor do que em países problemáticos como Afeganistão e Síria (32% em ambos os casos). 


93 - Coesão social: Em sociedades violentas, os grupos de baixa renda sofrem desproporcionalmente, tanto emocional quanto financeiramente. Em sociedades segregadas, há grandes lacunas educacionais entre ricos e pobres e poucas redes sociais entre classes. Em sociedades desconfiadas, as oportunidades de construir coalizões entre os pobres e a classe média – necessárias para expandir os programas sociais redistributivos – são severamente prejudicadas.


94 - A taxa de homicídios da América Latina é três vezes maior do que a média global (21,5 contra 7,0 medidos por 100.000 pessoas) e 43 das 50 cidades mais violentas do mundo estão na América Latina. 5 Não são apenas assassinatos: com 426 por 100 mil pessoas — quatro vezes mais do que a média mundial —, a América do Sul também lidera o ranking de roubos registrados .



95 - Janice Perlman fala de uma passagem paradoxal do "mito da marginalidade" para a "realidade da marginalidade". Quando ela começou suas entrevistas, no final dos anos 1960, os moradores das favelas tinham acabado de se mudar do campo para a cidade e ainda estavam esperançosos sobre seu futuro. Três décadas depois, seus filhos tinham renda mais alta e melhor acesso à educação e à saúde, mas estavam frustrados com a falta de perspectivas de emprego, a discriminação diária que sofriam e a ameaça generalizada de violência. A esperança foi substituída pelo desencanto, e a violência foi usada como resposta ao descontentamento.


96 - Pesquisa com gangues na América Central: "Já roubei tudo! Eu sou ladrão profissional, que é um pouco mais elegante que "delinquente", mas eu sempre roubei de quem tem dinheiro, roubar do pobre é mal (Caixo). (...) Olha, as únicas pessoas que eu roubo são pessoas com dinheiro, porque roubar de igual não seria certo. Peguei correntes dos pintinhos de Monte Maria, Belga e outras escolas particulares (Sivio). Isso são fim dos anos 80 para os 90. Depois a coisa ficou mais violenta. (...) Essa transformação de gangues em maras é um fenômeno complexo com múltiplas raízes nacionais e internacionais. A decisão dos EUA de repatriar todos os criminosos sem cidadania americana para seu país de origem foi significativa. No início dos anos 2000, 46.000 condenados e mais de 160.000 imigrantes indocumentados foram deportados para El Salvador, Guatemala e Honduras. A maioria havia sido criada nas maras de Los Angeles e imediatamente tentou reproduzir as mesmas estruturas em seus "novos" países. Seu trabalho foi facilitado pela abundância de armas após longas guerras civis.


97 - Fora da América Central, a marginalidade e a exclusão também estão por trás da violência juvenil . Por exemplo, o Primeiro Comando da Capital (PCC), inicialmente um grupo de autoproteção para jovens presos em São Paulo e agora uma grande organização criminosa com mais de 11 mil integrantes, é resultado das disparidades raciais e de renda do Brasil.


98 - A estratégia da elite? Adotar o criminoso pobre como inimigo social: Um anúncio da Polícia Nacional Civil da Guatemala seguiu essa estratégia à risca: (...) Quem somos? Somos a maioria, trabalhador, empresário, dona de casa, atleta, vendedor de chicletes, somos aqueles que dirigem no último Mercedes Benz e aqueles que pegam o ônibus ou andam na rua. Somos as pessoas que fazem algo construtivo e positivo pelo nosso país e pelas nossas famílias e que todos os dias enfrentam o caos e a violência causados pelos mareros, essas gangues juvenis. Somos pessoas humildes, pessoas normais que trabalham para alcançar o que é difícil, mas não impossível de alcançar: a PAZ.


99 - Mortes pela polícia, encarceramentos sem julgamento e tortura se tornaram respostas populares do governo. (...) Renata Neder, da Anistia Internacional no Brasil, denuncia o fato de que "a juventude negra que vive na periferia é sujeita a matar. A favela é um território inimigo a ser conquistado. É uma lógica de guerra... Se a polícia parasse de matar, teríamos entre 20% e 25% de redução nos homicídios.


100 - Na América Central, as políticas de punho de ferro como forma de combater as gangues foram introduzidas pela primeira vez em El Salvador em 2003. As medidas iniciais incluíam a prisão automática de qualquer indivíduo a partir dos 12 anos com tatuagens relacionadas a gangues ou outros sinais óbvios de gangues. Como resultado, mais de 20.000 membros de gangues foram presos entre julho de 2003 e agosto de 2004. Embora essas medidas tenham sido posteriormente declaradas inconstitucionais, El Salvador continuou sua guerra violenta contra as gangues, adicionando combustível ao fogo das mortes. Guatemala e Honduras adotaram políticas semelhantes – com resultados igualmente ruins – em vários momentos nos últimos anos.


101 - Feminicídio e discriminação de gênero: A maioria dos governos ainda não leva a violência de gênero suficientemente a sério: no Brasil, por exemplo, mais da metade dos juízes e policiais não a consideram problemática. A desigualdade desempenha um papel importante através de múltiplos canais. Indiretamente, contribui para a fraqueza do Estado – como vimos em vários pontos deste livro. Diretamente, leva à criação de áreas de pobreza e exclusão onde a violência de gênero é mais comum. Por sua vez, a violência mais ampla contra as mulheres contribui ainda mais para a desigualdade, enfraquecendo sua força política e reduzindo as oportunidades de coalizões sociais intragênero.


102 - É claro que a segregação urbana é um problema em todo o mundo, de Chicago a Londres e Paris. No entanto, em muitas dessas cidades, ainda há uma classe média maior e mais espaços de interação. Um estudante mexicano de classe alta explica a diferença entre algumas dessas cidades e as da América Latina melhor do que qualquer estatística que eu pudesse fornecer: " (...) Morei por um tempo no Canadá, e não foi a mesma coisa. Algo muito engraçado aconteceu comigo uma vez: eu estava estudando inglês em uma escola, e um dia um monte de nós estava conversando do lado de fora do prédio e havia um cara varrendo a rua... Naquela noite o encontramos no bar que fomos e conversamos com ele e tudo! Essas coisas simplesmente não acontecem aqui. Eu nunca vi isso no México, conhecer o cara que varre a rua em um bar, o mesmo bar que eu vou com meus amigos."


103 - O transporte público também é desigual: mesmo nas cidades com a melhor infraestrutura de transporte, como Buenos Aires ou Bogotá, os ônibus estão lotados e desconfortáveis e todos que podem pagar dirigem seu próprio carro.


104 - Um sistema educacional que funcione bem é um motor de coesão social e justiça: crianças de diferentes raças, origens e níveis de renda compartilham as mesmas salas de aula, constroem laços ao longo da vida e aprendem a respeitar umas às outras. Um sistema educacional dividido e desigual não apenas segrega, mas também alimenta divisões sociais: a classe média alta e os ricos unem forças, esquecendo o resto. 


105 - ...Ainda a questão da coesão social como um todo: ...a desigualdade e a segregação levam à desconfiança à medida que as pessoas desconfiam do "outro": os ricos passam a ver os grupos de baixa renda como "preguiçosos" e "criminosos", enquanto os pobres consideram a elite como "esnobe" e "abusiva". (...) mais de 60% dos brasileiros, mais de 50% dos bolivianos e peruanos e mais de 40% dos panamenhos, venezuelanos, dominicanos, mexicanos, salvadorenhos, e os guatemaltecos não confiam nas pessoas de suas próprias comunidades. As porcentagens equivalentes para os EUA – não o país mais confiável do mundo – e Canadá são de apenas 20% e 11%, respectivamente.


106 - Desconfiança nas favelas: Por exemplo, o estudo de Perlman mostra como as pessoas nas favelas se tornaram mais desconfiadas e menos comprometidas com a comunidade. Enquanto em 1969 mais de três quartos das pessoas que ela entrevistou achavam que a comunidade era "muito unida" ou "razoavelmente unida", 35 anos depois, 55% das pessoas acreditavam que a comunidade "carecia de unidade". Seus informantes "sentem-se presos entre os traficantes e a política e não confiam em nenhum dos dois... Eles sentem que a polícia faz mais mal e presta menos ajuda do que os traficantes, mas veem ambos como desrespeitosos com a vida na comunidade."


107 - O ceticismo em relação às instituições políticas é ainda maior. Governo, partidos políticos e polícia competem entre si pelo prêmio de "menos confiáveis": apenas 35% dos latino-americanos têm pelo menos alguma confiança na polícia, 28% nas instituições eleitorais, 24% nos tribunais, 22% no governo, 21% no Congresso e 13% no sistema partidário. Alguns países se saem particularmente mal: apenas 5% dos salvadorenhos e 6% dos brasileiros confiam em partidos políticos – provavelmente apenas os filiados partidários e alguns mais!


108 - A escala do tráfico de escravos era tão grande que, no início dos anos 1800, mais de 60% de todos os brasileiros, panamenhos e venezuelanos eram afrodescendentes.


109 - No Brasil, o racismo e a maquiagem do mesmo se expressaram, entre outras formas, inicialmente na tentativa de embranquecimento da população via atração de imigrantes e, depois, pela exaltação da mestiçagem. No Brasil, sociólogos falaram sobre o sucesso do país em criar uma " democracia racial". Para eles, a mistura entre escravos, indígenas e brancos resultou em crescente harmonia e tolerância. Romancistas, músicos e artistas celebraram a fusão sociocultural única do Brasil e a consequente compreensão racial. Alguns até a usaram para explicar o sucesso dos jogadores brasileiros. (...) Não há dúvida de que na América Latina houve mais mistura racial do que nos EUA, por exemplo. Infelizmente, porém, o projeto da mestiçagem muitas vezes contribuiu para esconder a discriminação e o racismo. 


110 - Herança social relativo aos indígenas e afrodescendentes: Em países como Bolívia, Guatemala, Honduras ou Nicarágua, três em cada cinco são pobres. No Panamá, a taxa de pobreza dos indígenas é de 90%, em comparação com 30% para o resto da população. No Brasil, a renda per capita dos descendentes de europeus é mais que o dobro da dos afrodescendentes. Mesmo no Uruguai relativamente equitativo, a chance de estar abaixo da linha de pobreza é mais do que duas vezes maior para os afrodescendentes do que para a população branca


111 - Em toda a região, indígenas e afrodescendentes frequentam escolas piores e passam menos tempo na educação. No México, muitas vezes considerado uma "sociedade pós-racial", cujo presidente definiu a mestiçagem como "o futuro da humanidade", aqueles de pele branca completam, em média, dez anos de educação, em comparação com 6,5 anos para aqueles de pele mais parda. A cor da pele é mais importante do que a região, o setor econômico (urbano versus rural) ou o gênero para explicar a riqueza e as lacunas educacionais.


112 - A Guatemala é um dos exemplos mais dramáticos. Após décadas de uma violenta e custosa guerra civil, o governo e a guerrilha assinaram um acordo de paz em 1996. Três anos depois, o governo organizou um referendo para reunir apoio para elementos-chave do acordo, incluindo impostos mais altos, alguma redistribuição de terras e a modernização do Estado. Temendo a redistribuição e um Estado mais forte, a elite empresarial – uma das mais conservadoras da região – gastou milhões de dólares na campanha do "não". Eles usaram táticas de susto e alarmismo, alertando sobre a ameaça do poder indígena e da violência étnica. Com o objetivo de proteger toda a sua riqueza, a elite avançou um argumento racista atrás do outro: que a Guatemala se tornaria um Estado indígena, que os não indígenas seriam marginalizados, que o referendo aumentaria os direitos de uma minoria em detrimento de todos os outros. Infelizmente, sua estratégia foi um sucesso total: apenas 18,5% do eleitorado foi às urnas e o "não" prevaleceu por uma margem de 55% a 45%. Mais recentemente, na Bolívia, o governo interino que derrubou Evo Morales em 2019 (ver capítulos 3 e 6) foi acusado de usar símbolos racistas e tentar criar divisões sociais em benefício próprio. (...) Em países como a Guatemala e a Bolívia, os pobres indígenas e não indígenas muitas vezes se viram com desconfiança


113 - Se os filhos dos pobres e da classe média não brincam juntos ou frequentam as mesmas escolas, como vão pressionar por políticas semelhantes? Se as classes médias vão para as escolas privadas, por que vão lutar por melhores escolas públicas? (...) Muitas vezes veem os pobres como trapaceiros e, como resultado, não apoiam programas redistributivos. Infelizmente, isso desencadeia outro círculo vicioso: a desigualdade leva à baixa confiança que, por sua vez, impede os cidadãos de apoiar políticas redistributivas, resultando em ainda mais desigualdade.


114 - Cita a Escandinávia como projeto alternativo: Durante muitos anos, os pobres e a classe média participaram conjuntamente dos sindicatos e votaram em partidos social-democratas que promovem políticas pró-equidade. Essas coalizões sociais têm estado por trás da pressão por altos salários e programas sociais generosos que redistribuem renda e oportunidades dos ricos para o resto da sociedade. Em vez de círculos viciosos, esses países se beneficiaram de círculos virtuosos, pois a baixa desigualdade contribuiu para uma maior colaboração entre a classe média e os pobres, levando, por sua vez, a mais redistribuição.


115 - A violência, que assusta a classe média, costuma ser, na verdade, bem segmentada: "A percepção em muitas cidades de que todos estão igualmente em risco é totalmente errada (...) Em Bogotá, apenas 2% dos endereços de rua são onde ocorrem 98% dos homicídios." Em toda a América Latina, metade de todos os homicídios ocorre em apenas 1,6% das ruas. Ademais, os pobres têm menos condições de se defender. No Brasil há quatro seguranças privados para cada policial, na Guatemala a proporção é de cinco para um e em Honduras é de sete para um. (...) Como resultado, os pobres têm mais estresse e são menos produtivos, enquanto suas comunidades têm menos investimento e menos oportunidades econômicas do que as mais ricas. A desigualdade alimenta a violência que desencadeia mais desigualdade – no último dos círculos viciosos discutidos neste livro.


116 - Violência nos EUA: A taxa de homicídios dos EUA é quase o dobro da média da OCDE, 11 vezes maior do que na Europa continental e 27 vezes maior do que no Japão. 82 As disparidades de renda são uma das forças por trás desse resultado negativo: muitos homicídios são perpetrados por jovens americanos do sexo masculino que enfrentam oportunidades econômicas cada vez menores e sentem que a economia está manipulada em favor dos ricos.


117 - ...Fora dos centros das cidades, subúrbios isolados com condomínios fechados e casas independentes se estendem por quilômetros e quilômetros. Como o sociólogo Robert Putman observou notoriamente no início dos anos 2000 – após duas décadas de crescente desigualdade – os americanos agora estão "jogando boliche sozinhos", vivendo vidas solitárias e encontrando poucas oportunidades de se misturar com outras classes.


118  -...A confiança também é baixa nos EUA. Diminuiu constantemente à medida que a concentração de renda se acelerou: a porcentagem de americanos que confiam nos outros passou de 77% em 1964 para apenas 38% em 2014. A falta de confiança nos vizinhos e nas instituições foi um dos fatores por trás da surpreendente ascensão de Trump ao poder: seus apoiadores desconfiavam da mídia, da elite liberal e de pessoas diferentes deles


119 - Coloca que a Europa está em situação bem melhor, mas há preocupações também. Da Espanha à Itália e até mesmo à Suécia, a segmentação social está aumentando à medida que as famílias de classe média buscam novas maneiras de se distinguir dos pobres. Cita, ainda, o crescimento da xenofobia contra refugiados e imigrantes. (...) Copagamentos escolares, seguros de saúde privados e fundos de pensão tornaram-se mais populares à medida que as pessoas adotam valores individualistas.


120 - ..."O perigo", alerta o professor Juan Oliva, ex-presidente da Associação Espanhola de Economia da Saúde, "é que desenvolvemos duas velocidades de acesso à saúde, uma via rápida para quem tem seguro privado e outra lenta para quem não tem. A saúde pública [ainda] é uma instituição sólida, mas se mais cidadãos a abandonarem, ela quebrará e se deteriorará."


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