Livro: Paul Singer - Aprender Economia - Capítulo 6

                                           

Livro: Paul Singer - Aprender Economia



Pgs. 157-183


"CAPÍTULO 6: "O SOCIALISMO"


94 - O socialismo seria algo além da igualdade (abolição das classes sociais): ...primeiro, a economia não estaria mais sujeita a crises, a desemprego, a desperdício de recursos, porque ela seria planejada, havendo um controle consciente por parte da coletividade sobre o processo social de produção e distribuição, e, portanto, o indivíduo não seria mais dominado pelas forças imprevisíveis do mercado.


95 - Há 20 anos (1960 mais ou menos), muitos aceitavam a tese de que só através de uma revolução que socializasse ou estatizasse os meios de produção é que os países que não fizeram a revolução industrial original poderiam sair do atraso e do subdesenvolvimento. Esta tese se baseava no contraste entre a rápida industrialização da União Soviética, a partir dos anos 30, e a aparente estagnação dos países com economias coloniais da América Latina, Ásia e África assim como do sul da Europa. Isso hoje não tem sentido. Ademais... Em vários países, a coletivização forçada da agricultura não levou ao aumento da produtividade neste setor.


96 - Faz a crítica da suposta eliminação da desigualdade. Ficou parcialmente na promessa. Outras desigualdades, cujo caráter (se é de classe ou não) está aberto à discussão, começaram a surgir. Há uma camada dirigente que vive melhor. O resto da população mantém um padrão de vida médio, não muito ruim, mas basicamente se encontra à margem das decisões. Os trabalhadores comuns têm emprego garantido, mas sem possibilidade de reivindicar ou de fazer greves. Estas, quando ocorrem, são duramente reprimidas. (...) O sistema político desses países é muito menos democrático do que o que se alcançou em alguns países capitalistas mais adiantados. (...) Os dirigentes sindicais não são livremente escolhidos e portanto não defendem os direitos do trabalhador, que foram arduamente conquistados nos países capitalistas, como o da negociação coletiva e sobretudo de greve.


97 - Sem oposição consentida, sem liberdade de pensamento, de imprensa, de reunião etc. e com listas únicas de candidatos às eleições, estes regimes oferecem ao cidadão menos e não mais liberdade e igualdade.


98 - Diz que, antigamente, usava-se a desculpa do cerco capitalista para as medidas autoritárias. Em 1980, isso já não era exatamente assim e... apesar do levantamento do cerco capitalista, não há nenhum sinal de uma progressiva abertura democrática nesses países.


99 - Os burocratas dirigentes não só percebem ordenados mais elevados e usufruem vários tipos de mordomias (casas de campo, carros com motorista, lojas especiais), mas conseguem assegurar para seus filhos vagas na universidade e, portanto, acesso privilegiado à carreira burocrática. Por isso mesmo, não crê que seja possível se falar num horizonte de transição: A competição por novas formas de consumo (imitadas do capitalismo) nas economias centralmente planejadas mantém a camada dirigente em situação de privilégio material, para cuja defesa o aparelho repressivo do Estado é imprescindível. Por isso, a ditadura burocrática se mantém com toda severidade, mesmo nos países mais desenvolvidos do “ socialismo real” , como a URSS, a Alemanha Oriental e a Tchecoslováquia


100 - ...Singer chega a dizer isto aqui: Para os trabalhadores dos países em que o capitalismo já desenvolveu superlativamente as forças produtivas, tais regimes representam um retrocesso histórico, já que nesses suas conquistas fundamentais — sufrágio universal, partidos e sindicatos independentes do Estado, direito de greve etc. — seriam perdidas. É o que já compreenderam os principais partidos comunistas da Europa Ocidental (e de outros países adiantados), cujos programas não tomam mais a URSS como modelo do socialismo, mas prometem preservar, uma vez no poder, a democracia representativa, o pluripartidarismo etc.


101 - China do início da modernização de Deng: Assim, por exemplo, quando a China proclama as “quatro modernizações” como sendo o seu objetivo supremo, o que ela de fato faz é importar fábricas, usinas, redes de transporte e comunicações etc. dos países capitalistas. Mas, ao fazer isso, a China (assim como as demais economias centralmente planejadas) importa também a forma de organizar a produção do capitalismo. Se neste se verifica uma separação radical entre trabalho intelectual (direção, planejamento, coordenação) e trabalho manual (atividades de rotina, de controle ou execução), a mesma separação será introduzida ou reforçada (se já existe) na economia chinesa. Ou seja, Singer não vê a prometida revolução dos modos de produção. É a mesma tecnologia e pressupõe uma burguesia gerencial. Para melhor submeter os trabalhadores, o capital concentra todo conhecimento nos seus delegados diretos: gerentes, programadores, pessoal de chefia, assessores técnicos, financeiros, legais etc. Aos proletários resta um trabalho cada vez mais rotineiro, repetitivo, embrutecedor. Obviamente tudo isso se verifica também nas fábricas que empresas capitalistas vendem e instalam em economias centralmente planejadas. Na indústria automobilística que a FIAT montou na URSS, por exemplo, persiste a mesma hierarquia de funções e de mando que caracteriza a FIAT italiana.


102 - ...O argumento de que a indústria soviética não é capitalista porque pertence ao Estado é válido somente no sentido de que ela não tem seu funcionamento condicionado pelos altos e baixos do mercado mas pelas vicissitudes da execução do plano. Do ponto de vista dos seus trabalhadores, entretanto, esta diferença é pouco significativa.


103 - Sindicatos avançados: A burguesia gerencial, para estimular a competição entre os trabalhadores, trata de multiplicar os níveis de salários. O proletariado mostra-se contrário à diferenciação salarial, lutando pela elevação dos salários mais baixos, não só por uma questão de justiça — afinal todos trabalhadores precisam viver — mas também para reforçar a sua unidade. (...) No limite, é claro, os trabalhadores almejam todo poder de decisão na empresa, o que só será factível quando todos eles estiverem capacitados a realizar trabalho intelectual.


104 - Marcando posição já em 1980... Parabéns a Singer: Outro movimento que merece registro é o da libertação dos homossexuais, que ainda são vítimas de todo tipo de preconceito e discriminação. A mensagem deste movimento é que, numa sociedade livre e igualitária, o comportamento sexual de cada um é assunto estritamente privado, não podendo servir de motivo ou pretexto para perseguições ou qualquer tratamento diferenciado. Crê que o socialismo deve incorporar todas as lutas contra discriminações e opressões. Cita vários movimentos.


105 - ...Parecia otimista com isso tudo: As lutas por participação tendem portanto a se unificar, criando laços de solidariedade entre si, que assumem cada vez mais caráter internacional. O mesmo também ocorre com a repressão destas lutas, que tende a se generalizar e a se internacionalizar.


106 - Debate co-gestão e controle operário/autogestão. As diferenças. Na Iugoslávia, onde as empresas não têm proprietários privados, os trabalhadores escolhem todos os diretores das empresas. Então é socialismo e autogestão? Acontece que a divisão entre trabalho intelectual e trabalho manual não mudou nas empresas co-geridas. Os trabalhadores “ manuais” não têm as informações nem o preparo técnico para participar na tomada destas decisões, sendo obrigados a confiar em especialistas. Em outras palavras, para que suas empresas se saiam bem na concorrência, os trabalhadores se veem obrigados a escolher como diretores pessoas aptas para o trabalho “intelectual”: administradores profissionais, engenheiros, economistas etc. (...) O choque entre os trabalhadores e “ seus” diretores é inevitável e de fato se verifica, tanto na Alemanha como na Iugoslávia. (...) Para que haja participação real dos trabalhadores na direção das empresas, é preciso quebrar o monopólio de conhecimentos dos que fazem o trabalho intelectual. (...) Mas isso requer, no limite, que não haja mais dirigentes nem dirigidos nas empresas e que aqueles que num momento estão discutindo com o banqueiro ou com o distribuidor dos produtos em outro estarão operando um torno ou guiando um caminhão. (...) Este “ banqueiro” não poderá deixar de ser também um trabalhador produtivo — da indústria, da agricultura, do transporte etc. — que desempenha simultaneamente funções políticas de planejamento e coordenação.


107 - A ideia seria de um rodízio nos cargos direções, vinculados às decisões da base, digamos assim. Sendo que o diretor rotativo não deixaria de fazer atividades produtivas.


108 - Estamos chegando a uma etapa da luta pelo socialismo em que o objetivo final terá de ser a síntese de múltiplas lutas. Não cabe mais uma visão monolítica do socialismo, como projeto de uma única classe, representada no plano político por um único partido. Até há poucos anos, as lutas dos diversos segmentos oprimidos da população eram vistas como subordinadas à luta maior do proletariado, a única que continha em si as condições de êxito das demais. Este monolitismo de classe era justificado pela ideia de que só a classe operária era capaz de formar um partido revolucionário, o qual um dia tomaria o poder e — de um golpe só — esmagaria a classe dominante e seu Estado, realizando a libertação do trabalhador, da mulher, do negro, do homossexual etc. Esta visão monolítica, a experiência do “ socialismo real” ajudou a enterrar de uma vez.


109 - Vanguardas e cooptação: O que leva à cooptação não é, como poderia parecer, o fato destes partidos participarem da disputa do poder político e, em consequência, do exercício parcial do mesmo, mas o hiato que se abre entre direção e base, fazendo com que a primeira atue “ em nome” de amplas massas, com as quais não convive e nem tem muito em comum.


110 - ...Em sua estrutura interna, estas instituições tendem a espelhar a estrutura social que pretendem abolir: à sua testa se encontram intelectuais, alguns de origem burguesa, outros de origem operária, cuja função é usar a cabeça, formulando o programa, a estratégia e a linha tática da organização, a cada momento redigindo resoluções e artigos, fazendo discursos, emitindo diretrizes; em sua base se encontram os membros comuns, que se limitam a pagar uma contribuição, a participar de reuniões da célula ou núcleo local, em que se distribuem tarefas “ manuais” como pichar muros, distribuir panfletos, vender jornais ou rifas e assim por diante.


111 - A grande conclusão a tirar disso é que, para se julgar a potencialidade socialista de um partido ou movimento, importa menos o que ele proclama ou apresenta em seu programa — que não passa de uma promessa — do que o seu modo concreto de existir e funcionar, a forma de relacionamento entre as pessoas que atuam dentro dele, o grau em que as bases efetivamente participam na adoção de decisões importantes. Esta é, aliás, uma proposição elementar do marxismo: se queremos entender uma instituição social, é preciso atentar para o que ela de fato é e não para o que ela pretende ser. Uma organização que de fato luta por uma sociedade livre e igual, isto é, sem classes já tem que prefigurar esta sociedade em seu funcionamento atual.


112 - Planejamento centralizado ou "anarquia" de mercado? (...) é fácil para cada lado puxar a brasa para sua sardinha. Comparando a China com a índia, a conclusão favorece o planejamento centralizado. Já a comparação entre a Polônia e o Japão favorece o capitalismo. Coloca que, ao menos nos estágios iniciais, o planejamento central parece um avanço. O mais importante é que se assegura ao conjunto da população, em pouco tempo, um mínimo bastante razoável de nutrição, habitação, vestuário, educação e saúde.


113 - ...Quando o país já alcançou um grau médio de industrialização, como ocorreu com muitas nações da Europa Oriental a partir dos anos 60, o planejamento centralizado começa a falhar e sua capacidade de desenvolver a economia passa a ser bem inferior ao capitalismo. Tanto é assim, que as reformas econômicas propostas e, em parte, implementadas em alguns países, como a Iugoslávia e a Hungria, vão no sentido de substituir decisões administrativas por mecanismos de mercado, estabelecendo competição entre as empresas, que são estimuladas a procurar maior eficiência através da maximização de sua lucratividade. A essência da questão parece estar nas necessidades dos consumidores, que, em estágios mais altos de desenvolvimento, não são mais de maior quantidade de produtos mas de maior variedade e melhor qualidade dos mesmos. E isso é muito difícil de atender mediante o planejamento centralizado porque depende da habilidade e da motivação do produtor na empresa.


114 - URSS e camadas privilegiadas: Esta camada é economicamente privilegiada, embora os desníveis de renda nas economias centralmente planejadas sejam, em geral, menores do que nas economias capitalistas. Na URSS, por exemplo, a relação entre o menor e o maior salário, em cada empresa, é de 1 para 7. Acontece que também há desigualdade entre as empresas, de modo que a relação entre o menor e o maior salário pago no país chega a 1 para 30. (...) Atualmente, a ascensão às posições de mando e de prestígio requer, no mínimo, diploma universitário. O número de vagas no ensino superior é limitado e bem menor que o de postulantes. As vagas são preenchidas mediante exames bastante competitivos. Tendem a entrar na universidade os que provêm de lares intelectualizados e que tiveram acesso às melhores escolas secundárias etc. No Brasil, como todos sabemos, a situação não é muito diferente.


115 - Pluripartidarismo é coisa de sociedade com classes? Singer coloca que não, visto que é comum que partidos - burgueses e proletários - disputem a mesma classe. O fundamental é que o socialismo não é o fim da história, cujo movimento se dá por contradições. Mesmo depois de abolidas as classes, é provável que persistam divergências por exemplo em relação a quais tarefas domésticas devem ser socializadas e quais não (os filhos devem ser criados pelos pais ou por especialistas? A família nuclear — pais e filhos — deve passar seu tempo livre junta em casa ou comer em refeitórios públicos etc.) ou em relação ao tamanho das cidades e à qualidade da vida urbana (a metrópole oferece oportunidades culturais únicas, mas dificulta a vida comunitária, que pode florescer em vilas e cidades pequenas). Para que tais divergências — e muitas outras poderão surgir — sejam resolvidas democraticamente, ou seja, depois de um debate livre e de modo que prevaleça a maioria, permitindo-se à minoria manter suas posições, o pluripartidarismo parece ser essencial.


116 - Socialismo do trabalho não-alienado: O que se pretende com o socialismo é superar esta alienação, é criar condições para que cada trabalhador possa dar o máximo na produção, tanto em esforço como em inteligência, sem correr perigo de que outros — os não-produtores — se aproveitem disso. Estas condições são as do pleno domínio do processo produtivo pelo trabalhador. No "socialismo real", a burocracia substituiu a classe capitalista na opressão. Foi isso que aconteceu com todas as pseudotomadas do poder pela classe trabalhadora — na Rússia, na Iugoslávia, na China, em Cuba etc. — independentemente das intenções subjetivas dos dirigentes revolucionários.


117 - Singer quis inverter a lógica dominante nos partidos e organizações de esquerda: O que a experiência histórica dos últimos seis ou sete decênios, tanto nos países capitalistas adiantados como nos países que tiveram revoluções, ensina ê que a ideia de que a tomada do poder de Estado deve preceder a tomada do poder nas fábricas, escolas etc. é falsa. Quase poder-se-ia dizer que a tomada do poder de Estado antes que o poder tenha sido conquistado pela classe trabalhadora nos locais de produção é impossível, porque não há como a classe trabalhadora poder assegurar sua representação em nível de governo enquanto o trabalho continuar alienado nas empresas.


118 - ...Então, se as coisas são assim, o que cabe fazer no plano político, aos que lutam pelo socialismo? Obviamente lutar pelo poder de Estado, tendo como objetivo básico neutralizá-lo, ou seja, impedir que ele reprima as lutas revolucionárias que os trabalhadores e demais oprimidos têm de travar no seio das empresas, escolas, hospitais, bairros e assim por diante. Já é clássico o lema de que “a libertação da classe operária tem de ser obra da própria classe operária” . Isto significa que nenhuma “vanguarda”, instalada no poder de Estado, pode (mesmo que queira) libertar a classe operária de cima para baixo. O que esta vanguarda pode fazer, para ajudar o processo, é promover a democratização do aparelho de Estado, instituindo formas de participação popular no poder de Estado e descentralizando-o ao máximo. (...) Descentralizar as funções governamentais, transferindo poder de decisão aos municípios e distritos e dando mais autonomia às autarquias e empresas públicas e, ao mesmo tempo, abrindo estes centros de poder local à participação dos cidadãos comuns, tem por efeito capacitar o conjunto dos trabalhadores a tomar decisões no nível comunitário.



FIM!


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