Livro: Paul Singer - Aprender Economia - Capítulo 3

                                        

Livro: Fernandes (Auth.) - Formação Econômica Do Brasil (...).



Pgs. 74-101


"CAPÍTULO 3: "REPARTIÇÃO DA RENDA"


34 - Entre um censo e outro, o IBGE realiza anualmente um levantamento de amostra menor, mas ainda assim representativa, de domicílios: a chamada PNAD — Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, na qual também informações sobre a renda das pessoas e das famílias são obtidas. De modo que é possível ter-se uma ideia aproximada de como a distribuição da renda evolui no Brasil, ano a ano


35 - ...Há os erros conhecidos de subdeclaração dos ricos e super dos pobres e etc. Os mais ricos esquecem de computar na sua renda mensal rendimentos recebidos apenas uma ou duas vezes por ano, com juros, dividendos etc. Além disso, temem que o fisco os atinja se confessarem rendas muito elevadas. Comparando-se a renda dos mais ricos, declarada aos censos e PNADs, com a confessada ao Imposto de Renda, onde a omissão é menor por haver controle das fontes pagadoras, verifica-se que a segunda é bem mais elevada que a primeira. (...) Por outro lado, muitos pobres têm vergonha da situação e declaram rendimento maior. Mas, como o tamanho do erro presum velmente não muda de um levantamento a outro, comparando-se os resultados é possível averiguar se a renda se concentrou ou não, se a pobreza absoluta ou relativa cresceu etc.


36 - Explica, na prática, a teoria da curva de Kuznetz: ...um país totalmente não desenvolvido é essencialmente agrário com uma população de camponeses, quase todos com renda muito baixa — os ricos são poucos e não muito ricos, o que dá uma repartição pouco concentrada. Com o desenvolvimento, parte da população migra às cidades, onde alguns se tornam empresários, outros burocratas, técnicos etc. com renda bem mais elevada. A renda global cresce e se torna mais concentrada, pois a maioria continua no campo, com renda muito baixa. Nesta fase, que pode durar várias décadas, os benefícios do desenvolvimento seriam usufruídos apenas pelos 5 ou 10% mais ricos da população. Finalmente, no estágio mais avançado da industrialização, o desenvolvimento acabaria por alcançar o resto da população, tornando-se a renda novamente menos concentrada.


37 - Singer contesta a necessidade de concentração: ...Na América Latina, na maior parte dos países (Brasil, México, Colômbia) a industrialização foi efetivamente acompanhada por concentração da renda, mas o mesmo já não aconteceu em países asiáticos, como Coréia do Sul e Taiwan, nos quais houve reformas agrárias e o desenvolvimento não acarretou maior concentração da renda. Também nos países em que revoluções proletário-camponesas foram vitoriosas (China, Cuba, Iugoslávia), a desigualdade na repartição da renda foi bastante reduzida, graças às mudanças estruturais levadas a cabo. (...) Na verdade, pode haver desenvolvimento com boa ou má distribuição da renda. Quando ela é boa, o Estado se apossa de grande parte do excedente, impedindo que ele seja desperdiçado em consumo de luxo e o fornecendo às empresas para fins de acumulação.


38 - Capital humano, segundo os neoclássicos, é investir em si mesmo, digamos assim. Adia-se a entrada no mercado de trabalho para ser melhor remunerado quando entrar. Singer também contesta essa visão: ...os altos ordenados correspondem a posições de autoridade muito mais do que à produtividade, como erroneamente faz crer a teoria do capital humano. Coloca que o administrador de "hoje" (1980) faz basicamente a mesma coisa que o de vinte anos atrás (1960), mas com diploma agora.


39 - Definindo capitalismo: O capitalismo é, por definição, o modo de produção em que os meios de produção — as fábricas, as fazendas, as lojas, os cinemas etc. — são propriedade particular de uma minoria da população, o que força a maioria a vender a esses proprietários sua capacidade de trabalhar. (...) O proletariado se define negativamente, como sendo composto por todos aqueles que não têm meios próprios de sobrevivência. Coloca os gestores como trabalhadores só na aparência. Na verdade, integram a "burguesia moderna". Não se pode miais dizer que é a propriedade jurídica dos meios de produção que identifica hoje a burguesia.


40 - Singer prefere dividir a burguesia: O acesso à burguesia empresarial se dá, via de regra, por herança de fortuna familiar, embora haja casos de pequenos empreendedores, oriundos do proletariado ou da pequena burguesia, e que conseguiram prosperar. O acesso à burguesia gerencial se faz por cooptação sendo, hoje, condição quase indispensável para o início da carreira diploma universitário ou mesmo estudos pós-graduadosUma vez na carreira, o indivíduo vai sendo promovido ou não, por decisão dos superiores, de acordo com o modelo das Forças Armadas. Quanto mais elevados os cargos, menor é o seu número, formando o conhecido modelo piramidal da hierarquia. Mais á frente, dirá inclusive que "a estrutura de classes no capitalismo moderno tem portanto seu eixo principal não na propriedade jurídica, mas na posse real dos meios de produção".


41 - O que á pequena burguesia? Camponeses, artesãos e comerciantes se encaixam nisso, segundo Singer. Tal (sub)classe seria ...composta por produtores diretos que utilizam seus próprios meios de produção. Embora esta classe sempre esteja presente na sociedade capitalista, ela não integra o modo de produção capitalista mas forma um outro modo de produção: a produção simples de mercadorias. A pequena burguesia constitui uma classe numerosa que, em estágios baixos de desenvolvimento capitalista, pode até ser maior que o proletariado.


42 - Mais: ...A diferença básica entre o pequeno burguês e o proletário não é o nível de renda — em geral o camponês ganha menos que um trabalhador da indústria — mas "há" independência em relação ao capital. O proletário pode ganhar mais, porém só enquanto tem emprego. Se o perde, deixa de ganharO pequeno burguês, enquanto puder reter a posse dos seus meios de produção, sempre tem assegurada uma pequena renda, suficiente para o seu sustento. Quando esta renda cai abaixo do mínimo vital, o pequeno burguês se proletariza, isto é, passa a depender do trabalho assalariado para sobreviver. É a proletarização. 


43 - Exército industrial de reserva à época: ...Constituem o subproletariado, entre outros, os “bóias-frias” , na agricultura, os “peões” , na construção civil, as empregadas domésticas. São, em geral, trabalhadores de pouca qualificação e que aceitam qualquer trabalho para poder comer.


44 - Quem é autônomo no trabalho mas depende da burguesia gerencial no plano financeiro comercial ou mesmo técnico — como é frequente acontecer com pequenos produtores que necessitam de crédito bancário e vendem sua produção a grandes intermediários comerciais ou grandes indústrias — pertence à pequena burguesia, cuja independência é, portanto, bastante relativa.


45 - Salários, para Singer, de maneira alguma têm a ver somente com a produtividade. Na verdade, do jeito que ele fala, parecem ter nada ou quase nada a ver. Cita as variações das diferenças como prova. Exemplo: A coisa muda de figura quando os sindicatos de trabalhadores têm força para obrigar as empresas a negociar a escala de salários. Como a grande maioria dos trabalhadores se encontra nos patamares mais baixos desta escala, os sindicatos tendem a lutar pela elevação do piso salarial, e como o valor a ser repartido entre burguesia e proletariado é finito, o aumento dos salários menores implica uma redução dos ordenados mais altos. É o que aconteceu nos países industrializados da Europa e da América do Norte, principalmente por ocasião da 1ª e da 2ª Guerras Mundiais (...). A escassez de mão-de-obra e os sacrifícios exigidos pelas guerras ocasionaram fortes mobilizações operárias, sobretudo nos primeiros anos desses conflitos, das quais resultaram nítida elevação dos salários dos trabalhadores manuais e queda relativa das remunerações do pessoal de direçãoHoje, nesses países, os trabalhadores menos qualificados e mais mal pagos não ganham menos do que mil dólares, ou seja, umas dez vezes nosso salário mínimo.


46 - Numa sociedade estratificada, como a capitalista, os diversos grupos sociais — de sexo, idade, nível socioeconômico — se diferenciam precisamente pelo consumo, sobretudo pelos rituais de consumo social, como os ritos de passagem (batizados, formaturas, casamentos, funerais) e as comemorações (aniversários, Natal, 1º de Maio). Os grupos de maior poder aquisitivo usam formas caras de consumo para excluírem do seu meio os menos aquinhoados. Os excluídos ficam privados não só do convívio social com gente de prestígio, mas também da participação em grupos informais em que se trocam informações, recomendações e outros serviços vitais para o acesso a posições de poder e altos ganhos. No fundo, as decisões de cooptação para escalões elevados das diversas hierarquias políticas e administrativas são tomadas a partir do relacionamento informal em grupos sociais de consumo.


47 - Ainda sobre o consumo: O que está por detrás dessa incessante renovação do consumo é a grande empresa industrial e de serviços, quase sempre multinacional, que sistematicamente inventa e lança novos produtos e novas modas, com o objetivo de obter ganhos monopolísticos. O crescimento da produção, no capitalismo, se dá assim — não só se produz mais das mesmas coisas mas também se produzem coisas novas ou as coisas antigas redesenhadas, servindo a novos propósitos.


48 - Ditadura de 64: A concentração da renda no Brasil, depois de 1964, só se explica pela ação repressiva do Estado, cuja política salarial e trabalhista visava impedir totalmente a barganha coletiva dos salários por parte dos órgãos representativos dos assalariados. O governo fixava as porcentagens de reajustamento salarial, muitas vezes abaixo do aumento do custo de vida, e qualquer tentativa de resistência dos trabalhadores era duramente reprimida. (...) Com a instauração do regime militar, os sindicatos foram expurgados dos seus dirigentes mais autênticos e submetidos ao estrito controle do Estado. Assim, os salários dependem também de como será a ação estatal. Nunca é somente o mercado ou a produtividade marginal. 


49 - Ainda os gestores: Juridicamente, os ordenados do pessoal dirigente não são considerados lucros mas despesas, porém economicamente não há dúvida de que fazem parte do excedenteAliás, é comum que as diretorias de grandes empresas tenham, além do ordenado mensal, uma gratificação ou bônus anual, que é proporcional aos lucros. Esse bônus tem por função criar uma identidade de interesses entre os proprietários jurídicos do capital e a burguesia gerencial.


50 - O lucro: O tamanho do lucro líquido é um elemento vital para a acumulação. O lucro líquido não é a única fonte para a acumulação de capital, mas é a mais importante. Uma empresa pode também expandir seu capital emitindo mais ações ou tomando dinheiro emprestado. Mas, se ela não for lucrativa, isto é, se o seu lucro líquido não for bastante grande em relação ao capital investido nela, ninguém quererá subscrever (isto é, comprar) as novas ações nem lhe emprestar dinheiro a longo prazo.


51 - Voltando ao Estado: Não obstante, dentro dos limites do capitalismo, o Estado pode favorecer o proletariado, ao abrir um certo espaço de atuação para os sindicatos e partidos da classe operária, ou pode favorecer o capital, fechando este espaço. É a diferença entre um Estado burguês democrático e um Estado burguês ditatorial. E é claro que esta diferença é significativa para o proletariado, inclusive porque tem conseqüências no campo econômico.


52 - Na verdade, a visão de classes sociais de Singer me pareceu ainda mais complexa que a de Marx: ...Em grandes empresas modernas e burocratizadas, a sua aplicação é mais difícil. Está claro que a diretoria manda e que a grande massa de operários, escriturários, técnicos etc. se limita a obedecer. E no meio destes dois extremos? Aí encontramos uma extensa gama de posições intermediárias, de cargos em que as pessoas recebem e dão ordens e portanto participam simultaneamente da burguesia e do proletariadoÉ claro que esta indefinição de classe é apenas aparente, embora ela não possa ser resolvida por critérios abstratos. Ela se resolve, de fato, na prática da luta de classes. Quando explode uma luta que contrapõe as duas classes (uma greve, por exemplo) uma parte da hierarquia intermediária se enfileira ao lado dos trabalhadores e a outra se coloca ao lado dos patrões.


53 - Por fim, diz que "classe média" é coisa da sociologia funcionalista, baseada em Weber. Resta finalmente chamar a atenção para o fato de que, do ponto de vista econômico, assim como político, o que se considera “ classe média” é um conjunto social extremamente heterogêneo e, portanto, como categoria analítica, tem pouco significado.


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