Livro: Fernandes (Auth.) - Formação Econômica Do Brasil (...) - Capítulos 3 e 4

                                      

Livro: Fernandes (Auth.) - Formação Econômica Do Brasil (...).



Pgs. 91-112


"CAPÍTULO 3: "Sérgio Buarque de Holanda: mentalidades, instituições informais e desenvolvimento"


83 - Aqui também partirá de um resumo de Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil). Destaca-se na trajetória de Portugal, diferente do resto da Europa, a instituição da cultura da personalidade, que valoriza de forma excessiva o autodesenvolvimento e a autonomia dos indivíduos frente à sociedade. (...)  Conforme pensa Sérgio Buarque, “em terra onde todos são barões não é possível acordo coletivo durável, a não ser por uma força exterior respeitável e temida” (p. 32)Valorizar o pessoal, aquilo que cada indivíduo constrói ao longo de sua vida, faz com que as relações de hierarquia e os privilégios hereditários sejam menos rígidos em Portugal do que na Europa Central, o que impacta também em instituições mais frouxas e desorganizadas. Porém, havia certa mobilidade social, o que era um traço moderno.


84 - ..Ainda segundo Holanda, a facilidade com que o rei conseguiu afirmar seu domínio parece ter dispensado qualquer futuro esforço para alterar a estrutura de seu reinado, que também se mostrava cômoda para os pequenos anseios da nobreza e da burguesia. A nobreza em Portugal nunca foi uma classe forte, e a ascensão da classe burguesa deu-se sem grandes perturbações, sem precisar se definir como oposição e enfraquecer o poder nobre ou real, nem instituir uma nova escala de valores e organização social.


85 - ...Ao fortalecer o valor dado ao indivíduo e ao livre-arbítrio, inibe-se a espontaneidade da formação de associações coletivas e da racionalização da vida, afirmando assim o cenário no qual o papel exercido pela figura externa do rei é imprescindível para garantir a unificação social. (...) A solidariedade, para os portugueses, é fruto de laços pessoais e de relações de interesses, portanto só existe entre família ou amigos. Pra piorar, ao contrário dos protestantes, desprezavam o trabalho manual. 


86 - As diferenças entre colonizações: À época das conquistas, a maneira mais efetiva e conveniente de ganhar dinheiro nas colônias era produzindo o que o mercado compraria, o que foi feito. As colônias do centro e norte da América do Norte só não participaram desse esquema, pois o clima e outras condições físicas peculiares não permitiram, e mesmo assim a agricultura de subsistência lá desenvolvida foi considerada um atraso à época. Mais: coloca que os portugueses contentaram-se em trabalhar com as técnicas indígenas, e apenas implantaram-nas em uma escala muito maior, de forma destruidora e insustentável.


87 - Os portugueses também se diferenciavam dos outros povos europeus por não terem nenhum sentimento de superioridade ou orgulho em relação à sua raça. E isto talvez seja fruto da miscigenação com negros africanos, que compunham parte notável da população de Portugal já no século XVI. (Creio que isso é um exagero ou mesmo um erro, tendo em vista as teorias que legitimavam a escravidão de raça x ou y)


88 - A peculiar estrutura rural brasileira ... era formada pela grande autonomia das fazendas e engenhos, que eram quase microestruturas do sistema e funcionavam como unidades independentes e autossuficientes. (...) O fato de estarem tão seguros e bem-sucedidos em sua posição de dominância permitiu inclusive que alguns aderissem aos empreendimentos de meados do século XIX que desenvolveram uma diversidade de novos negócios de cunho liberal. A fortuna dos tráficos, efetivamente proibido a partir de 1850, encontrava agora outros destinos.


89 - Barão de Mauá: Ele, que idealizou a criação do Banco do Brasil e é uma das primeiras referências de empreendedorismo brasileiro, encontrou barreiras na política quando quis defender os interesses de seus negócios. Isso porque os partidos políticos, nesta época no Brasil, eram considerados uma extensão da família e neles deveria vigorar os laços afetivos e biológicos mais do que os interesses e ideias particulares. O Barão de Mauá foi um dos primeiros a colocar seu interesse de mercado acima do que queria o partido, e por isso foi considerado desleal por seus compatriotas conservadores e patriarcais.


90 - As ideias políticas que aqui se prezavam caminhavam em igual oposição ao que pregava a Democracia liberal, par da Revolução Industrial, e mais ainda à República norte-americana, base do sucesso de seu capitalismo. As referências de poder e estrutura social no Brasil eram as grandes fazendas, onde reinavam o autoritarismo, o personalismo e a escravidão. A harmonia instaurada na governança patriarcal dos engenhos era almejada também para a governança estatal.


91 - Os habitantes das cidades são sempre relatados como inferiores, pois eram mecânicos, mercadores, pescadores, mulatos, pretos boçais e nus... não tinham nome nem dignidade para assumir cargos públicos como vereadores, e nem –ostentavam o status luxuoso de viver no campo. As cidades colonizadas pelos portugueses – e aí se nota a diferença da colonização holandesa – eram desertas, sujas e esquecidas. Mesmo a "América espanhola" era diferente. Essa diferença é simples de ser observada na disposição das ruas e traçados dos primeiros centros, que na América espanhola são retilíneos e modelados para melhor atender a seus fins (como nas cidades romanas), enquanto nos centros brasileiros apenas seguiam a irregularidade da paisagem natural agreste, sem nenhum sentido. Ademais, já no primeiro século de colonização, poucos anos após a fundação das cidades, os espanhóis já começaram a inaugurar universidades na República Dominicana (1538), no Peru (1551) e no México (1553) – todas anteriores às universidades norte-americanas – e inauguram outras 23 nos dois séculos seguintes.


92 - A coroa portuguesa queria a população brasileira presa à costa. Proibia distanciamento para o interior e mesmo migração entre as capitanias. Qualquer abalo a esses objetivos, inclusive o encarecimento e o retardamento dos custos de escoamento conforme se distanciava a produção do mar, seria intolerado pelo rei. (...) Deste cenário origina-se também a peculiaridade que São Paulo guardará em relação às cidades litorâneas, por desenvolver-se fora dos padrões coloniais, com menos contato com Portugal e mais com os nativos. A repercussão desse desenvolvimento local está nos primeiros sinais de forma própria adquirida em terras brasileiras e nas primeiras ações tomadas de forma autônoma e inclusive indo contra os interesses da metrópole.


93 - Será apenas no século XVIII que a coroa voltará sua atenção para o interior do Brasil, com a exploração do ouro em Minas Gerais, atração tamanha que elevará o estatuto com que a colônia era vista pela metrópole. No entanto, ao invés desse aumento de importância resultar em maiores investimentos, em energia para edificar algo de permanente, originou uma política puramente repressiva e policial, continuando a extrair “tudo quanto lhe fosse de imediato proveito”, mas agora negando o usufruto de seus bens até mesmo aos moradores locais. “É o que se verifica em particular na chamada Demarcação Diamantina (...). Os moradores, regidos por leis especiais, formavam como uma só família, governada despoticamente pelo intendente-geral” (p. 103).


94 - A falta de preocupação em estabelecer uma vida local, oriunda da nítida falta de amor pelo Brasil e vontade de voltar para Portugal, gerou consequências negativas no desenvolvimento local. Em primeiro lugar, não se construía aqui nada que fosse pensado para o futuro, muito menos o que pudesse competir com o que era produzido por Portugal. Em segundo lugar, a administração era frouxa, e não impunha nenhum planejamento lógico e ordenado dos povoamentos que iam construindo. Mas o contrário: “as casas se achavam dispostas segundo o capricho dos moradores (...) ficavam as casas em tal desalinho, que o primeiro governador geral do Brasil se queixava de não poder murar as duas vilas, pois isso acarretaria grandes trabalhos e muitos danos aos moradores” (p. 109). Enfim, associa os portugueses a desleixo e falta de planejamento, o que teria se irradiado por gerações.


95 - A mobilidade social portuguesa acabou tendo alguns desdobramentos negativos: A burguesia portuguesa não escapou deste desejo e desta possibilidade, e ao invés de constituírem uma classe nova, como desejos e valores novos (e completarem a revolução, como ocorreu em outras partes do continente), preferiram incorporar o espírito fidalgo e ficaram conhecidos como a nova nobreza dos Quinhentos. As características tradicionais burguesas, que em outros países foram assumidas, mantidas e louvadas por esta classe, foram por sua vez menosprezadas em Portugal. E uma boa prova está no significado do termo traficante ou tratante, que é negativo no idioma português, mas considerado uma virtude para genoveses, castelhanos etc.


96 - Estado e laços familiares na visão de Holanda: Há famílias, contudo, que ainda estendem os laços familiares para outras instituições, e criam seus filhos com este valor. De acordo com o que diz Sérgio Buarque, estas relações são retardatárias, podem ser consideradas inadaptadas à nova estrutura moderna. Para que sejam extintas de vez é importante que as crianças e os jovens recebam uma educação orientada para sua independência, para formação de uma capacidade crítica e capaz de questionar os princípios de seus pais quando estes se mostrarem falíveis, combatendo a obediência cega e sem limites.


97 - Patrimonialismo (fala-se, por exemplo, em funcionário patrimonial) e cordialidade seriam desvios da vida pública. A meritocracia fica prejudicada. Cordialidade seria falta de polidez. Por mais que o homem cordial gere atitudes positivas, agradáveis, elas são fruto de um excesso em emoção, da expressão dos seus sentimentos e da transposição deste excesso para todas suas relações, tanto públicas quanto particulares. Ou seja, o que dizem sobre o homem brasileiro é que este não sabe conter-se no plano público. (...) Ser cordial é, acima de tudo, colocar a vida social, o relacionamento que se tem com os outros como determinantes das grandes questões da sua vida. Significa uma subvalorização da esfera individual, uma falta de confiança na sua pessoa, como se o brasileiro precisasse apoiar sua existência nos outros, na apreciação que os outros fazem dele. Novamente essas características se opõem ao ritualismo social, uma vez que este último exige homens com personalidade fortemente homogênea e equilibrada, que tenham um comprometimento rígido com seu papel público. Critica-se até o desleixo com os compromissos religiosos, analisando as relações com os santos (...a verdadeira espiritualidade é incompreendida e os homens são muito transigentes e muito passíveis a acordos com os santos). Enfim... Não gostaríamos de disciplina, regras e compromissos.  A aptidão que tem para o social significa conquistar boas relações com os demais por meio da aproximação pessoal e familiar, construindo laços afetivos. Com isso, as leis gerais ficam em segundo plano (...).


98 - Continua "esculhambando"...: De maneira geral, pode-se dizer que o brasileiro tem preguiça mental, preguiça de esforçar-se muito para pensar, de se aprofundar no entendimento e nas resoluções. O “amor pronunciado pelas formas fixas e genéricas” (p. 157) dito por Sérgio Buarque não é nada além da confirmação dessa preguiça, uma vez que as formas estão prontas e sua aplicação representa um repouso para a imaginação, dispensa qualquer esforço para criar algo novo e original. A sabedoria, no Brasil, vira sinônimo de um discurso cheio de conteúdo, com ideias claras e universais, mas sem um trabalho mental fatigante. Por isso, a corrente que mais ganhou prestígio no Brasil foi o positivismo, que na Europa foi recebido com grande repulsão


99 - As fazendas de café mudam o cenário: Elas se limitavam então a ser um grande polo de produção, como um centro industrial, onde o fazendeiro ia apenas para administrar o negócio, e as tradições herdadas de pai para filho sobre como cultivar um engenho e manter a subsistência local tornaram-se inúteis e substituídas por técnicas inovadoras focadas em como aumentar a produção.


100 - No geral, a crítica é que as ideias são de fachada. Não iam ao concreto. Os projetos pareciam, no fundo, não estarem interessados nisso. Observa-se assim que, apesar de recorrer aos valores democráticos europeus e a teorias racionais e harmônicas dos livros, elas não são de fato implementadas na prática, não se traduzem em partidos e nem são incorporadas por estes. Elas apenas servem a brigas personalistas, particulares; no Brasil e na América Latina não há triunfo de ideias, mas sim de pessoas.


101 - O fim é meio vago: Para Sergio Buarque, a sociedade brasileira encontrará seu ritmo próprio, entrará em harmonia, e terá concluído sua verdadeira revolução somente quando suas essências mais íntimas e inatas forem reconhecidas, aceitas e livres para moldarem a política e as instituições. Não o contrário. Por mais que a existência de um Estado enquanto tal, um leviatã, suponha uma intervenção para moldar o ritmo natural do estado de natureza dos homens e tornar a vida em sociedade viável, ele precisa garantir a coerência do quadro social e encaixar-se a ele.




Pgs. 113-127


"CAPÍTULO 4: "Celso Furtado e a formação econômica do Brasil: uma perspectiva de economia política do desenvolvimento"


102 - O primeiro século de ocupação: O início da ocupação social e econômica do território brasileiro é uma consequência, em parte, da necessidade de defender os territórios, e não inicialmente de se explorar os mesmos. (...)  Isso explica o investimento lusitano de recursos no Brasil para a defesa dos território. A exploração econômica das terras americanas no século XVI era vista como economicamente inviável, pois nenhum produto agrícola ou de extração era objeto de comércio com a Europa


103 - Ciclo do açúcar e a expertise portuguesa: Um dos fatores responsáveis pelo sucesso português é o conhecimento técnico de produção açucareira. Portugal iniciara sua produção há algumas décadas nas ilhas do Atlântico e houve um desenvolvimento da indústria para equipamentos de engenhos no país, o que tornou o sistema mais aplicável ao Brasil colonial. Havia, ainda, a experiência acumulada com o mercado de escravos. 


104 - Sucesso e fracasso da América espanhola: Durante o período colonial, na América espanhola, observa-se uma tentativa de exploração da mão de obra local para a extração dos metais preciosos, que eram transferidos para a metrópole. Tais metais fomentaram a economia da Espanha, além de transformar suas colônias em unidades relativamente autossuficientes. (...) Com o afluxo de metais precisos para a Espanha, o Estado (centralizador de renda) cresceu em demasia, aumentando seus gastos referentes ao sustento da burocracia improdutiva e causando inflação descontrolada. Eis a semente da decadência espanhola. Não pôde, assim, competir com Portugal pelo mercado agrícola, mesmo tendo terra e mão-de-obra.


105 - A incorporação de Portugal pela Espanha (1580?) mudou tudo. Uma forte evidência do controle espanhol sobre Portugal esteve na declaração de guerra entre Espanha e Holanda, país que, controlando a distribuição do açúcar na Europa, buscava obter monopólio mundial no comércio deste produto. (...) A antiga relação comercial entre a colônia portuguesa (produtora) e a Holanda (distribuidora) iria ser rompida. E, com o início da formação do centro produtivo de açúcar holandês na região das Antilhas acirraram-se os conflitos de interesse.


106 - A decadência militar da Espanha, dentre outras razões associada `a perda da Invencível Armada e a razões econômicas, deflagrou a ascensão da França, Holanda e Inglaterra. A colonização do hemisfério norte ganhou impulso a partir do século XVII. A princípio, a colonização visava interesse político e empregava muita mão de obra europeia, em excesso no Velho Continente, em razão principalmente da política de cercamentos na Inglaterra. (...) Nesse capítulo, Furtado dá, no meu entender, sua principal contribuição para minha visão integradora. A ideia inicial de uma colonização com base na pequena propriedade tinha um caráter muito experimental e, por vezes, gerava prejuízos.


107 - ...Os "mesmos" ingleses instalaram propriedade totalmente diferente mais abaixo, nas Antilhas. Nas Antilhas inglesas, os grupos dominantes estavam ligados a poderosos grupos financeiros da Metrópole e tinham inclusive influência no parlamento britânico. As colônias setentrionais, mais ao norte, ao contrário, eram dirigidas por alguns grupos ligados a interesses comerciais locais – os quais frequentemente entravam em conflito com os interesses metropolitanos – e outros representantes de populações agrícolas praticamente sem qualquer convergência de interesses com Londres. Essa independência dos grupos dominantes teve importância para o desenvolvimento das colônias britânicas da América do Norte, pois significava que nelas brotaram instituições típicas de uma colonização para ocupação, que incentivavam a atividade econômica local. (...) Assim, as colônias da América se desenvolveram sob certa divisão de tarefas, em que as da parte norte dos EUA se encarregaram de produzir gêneros para abastecer as outras, exportadoras.


108 - Portugal pós-independência teve que fazer acordos com a Inglaterra - baixar tarifas, por exemplo -, até pela própria segurança e de suas colônias. A queda do açúcar - pela competição - deixava o país com uma balança deficitária. Portugal por um curto período de tempo mantém uma política de estímulos à produção interna de produtos manufaturados e a diminuição de produtos importados. Entretanto, a descoberta de ouro em Minas Gerais mudou esse quadro rapidamente. Foi a ilusão de riqueza e, no fim das contas, o ouro escoava pra Inglaterra e ajudaria a financiar a revolução industrial. O metalismo fazia mais uma vítima. (...) Era confortável para as elites portuguesas não industrializar o país, mantendo sua tradição agrária, pois qualquer problema financeiro que o comércio internacional pudesse lhe trazer seria sanada com as reservas de ouro brasileiro. Tapava o rombo externo do tratado ruim com a Inglaterra - o do tecidos e vinhos e tal.


109 - O ouro não foi descoberto do nada. Tinha a ver com a decadência do açúcar. (...) voltou à tona a velha ideia que a colônia só seria rentável com a extração de metais preciosos. Seguindo essa ideia, a metrópole portuguesa começou a fornecer ajuda técnica aos desbravadores dos sertões para que a descoberta de metais se tornasse mais fácil. (...) A grande mudança de cenário em relação à emigração portuguesa é que ela não era mais financiada pelo Estado ou por donatários. O custo inicial menor de investimento era menor, já que a mineração era de aluvião e não de minas, e o sonho da fortuna trouxe muitos europeus ao Brasil; estima-se que a população europeia decuplicou no século XVIII.


110 - A "economia do ciclo do ouro" um tanto diferente da açucareira: ...em Minas Gerais os escravos nunca chegaram a ser maioria e tinham a possibilidade do trabalho autônomo, pagando apenas quantias fixas a seus donos e garantindo a possibilidade da compra da alforria. E os homens livres tinham mais chance de enriquecer com pequenos investimentos e alguma sorte talvez. Enquanto o açúcar exigia grandes propriedades monocultoras, a economia mineira era móvel. Áreas de alta extração eram descobertas regularmente e as antigas perdiam seu potencial rapidamente


111 - Estímulo a ampliação de atividades como a pecuária: Como a lucratividade da mineração era muito grande, todos os recursos dos extratores eram investidos nela. Com isso, houve uma escassez enorme de comida, gerando inflação, aumento do custo de vida e integração entre regiões, pois a pecuária tanto para a alimentação quanto para o transporte, teve mais incentivos ao desenvolvimento, especialmente no sul. A economia mineira constituiu em si um mercado de proporções muito maiores que o da cana-de-açúcar, pois se criou todo um mercado interno. Com a grande evolução do mercado de carnes e transporte, a mineração trouxe mais benefícios à região sul que o açúcar à nordeste. O ciclo do açúcar gerava uma renda média até mais alta, mas bem mais concentrada e mais dispendida em importações. Devido à maior distribuição de renda que ocorreu nas minas, a composição da procura tornou-se também diversa, o que levou a um maior consumo de bens de consumo corrente e uma diminuição no consumo de bens de luxo.


112 - Toda a primeira metade do período da mineração apresentou um aumento das exportações de ouro e alcançou seu ápice em 1760. Porém o declínio foi extremamente rápido e vertiginoso, sendo que já em 1780 o fluxo de exportação não chegava a um quarto do fluxo registrado em 1760, algo em torno de 2,5 milhões de libras


113 - Havia possibilidade de desenvolvimento de um mercado interno, mas não se concretizou. Enfatiza-se que a atividade mineradora absorvia todos os recursos e, pra piorar, havia restrições da metrópole a produção de manufaturas.  Porém, antes mesmo disso, a incapacidade técnica já era um limite. Se no Brasil tivessem chegado trabalhadores qualificados com capacidade de organização e técnica, como o que ocorreu nos EUA, o futuro manufatureiro no país poderia ser promissor. Mesmo em Portugal, havia tais limites. Compravam manufaturados da Inglaterra. Por sinal, o grande acúmulo de reservas metálicas também possibilitou que a Grã-Bretanha enfrentasse as Guerras Napoleônicas.


114 - No fim do ciclo, ainda havia para muitos a ilusão de que novas fontes de ouro seriam achadas. Além disso, a falta de articulação econômica da região provocou a decadência dos núcleos urbanos e a dispersão dos elementos econômicos, no caso, a mão de obra escrava. E isso, somado à difícil comunicação da época, propiciou a formação de vários núcleos demográficos isolados, caracterizados por economias de subsistência de baixa produtividade. Essa situação é caracterizada pelo autor como a maior e mais completa involução econômica americana em regiões povoadas por povos originalmente europeu.


115 - Cada região do país era meio que especializada em determinadas atividades x ou y. O rio São Francisco ajudava na integração vai transporte de mercadorias. No último quarto do século XVIII, a única região a experimentar uma relativa prosperidade foi o Maranhão. Instigada pela política de Pombal, a companhia de comércio local conseguiu estabelecer uma produção agrícola baseada no latifúndio e na mão de obra escrava, para aproveitar o surgimento de um momentâneo espaço no mercado de algodão e arroz.


116 - Independência: A ausência de uma classe mercantilista representativa em virtude do pacto colonial tornou a elite agrária a única força política de expressão no Brasil. Dessa forma, o governo e a independência eram pensadas e planejadas de acordo com os interesses dessa classe. A diferença política para com os EUA da época (mesmo contingente populacional), por exemplo, era gritante: nos Estados Unidos os grandes comerciantes e os pequenos produtores agrícolas representavam a classe de maior expressão política. E desde o início o protecionismo falou forte por lá. Ademais, a Inglaterra limitou apenas aquelas manufaturas cujos produtos competiriam com aqueles produzidos em seu território e estimulou na colônia a produção daqueles bens que buscava em territórios fora de seus domínios. A nação norte-americana surge, portanto, com profundas influências industriais. Os capitais originados da exportação de matérias-primas tornaram os EUA um país com condições adequadas para adentrar a revolução industrial, fazer parte dela e logo assentar-se em sua vanguarda


117 - Traz um resumo da primeira metade do século XIX: Os privilégios concedidos aos ingleses representavam, portanto, um demonstrativo de sua capacidade de influenciar o governo brasileiro. Outra demonstração semelhante foi o feroz combate por parte das autoridades britânicas ao tráfico de escravos. Sob a égide humanista e embasada em sólidos valores morais, essa perseguição incomodava a elite agrária que se prontamente defendeu, provocando a ira dos ingleses. Era visível que essa política tinha o objetivo de beneficiar a colônia britânica das Antilhas. O governo, subtraído de boa parte de sua renda alfandegária viu sua autoridade minguar em todo o país. Diversas rebeliões violentas eclodiram por todo o território nacional. Durante esse período, a única forma encontrada pelo governo de pagar seus gastos foi a emissão irrestrita de moeda. Essa política incorreu numa forte desvalorização cambial o que prejudicou principalmente as populações urbanas, mais dependentes dos produtos importados e que viram seu poder de compra esvair-se. É em meio a essas dificuldades que surge o cultivo do café, uma nova fonte de riqueza. A consequência foi o surgimento de um generalizado ódio dos comerciantes portugueses


118 - Brasil e a geração de excedentes para a industrialização: A industrialização deveria começar, portanto, por um setor de produtos com ampla aceitação, como o de tecidos. Ocorre que a Inglaterra detinha uma grande vantagem na produção desse tipo de bem, fabricando-os a custos baixíssimos. Impor medidas protecionistas a esse nicho para instigar uma indústria nacional seria reduzir ainda mais o poder de compra da população já bastante lesada.


119 - Resumo da conclusão de Fernandes: ...Celso Furtado deixa de lado o problema da construção das instituições, mas estabelece uma ponte entre processos de colonização e padrões de dependência. Exatamente nesse ponto furtado se aproxima de Faoro e Sérgio Buarque: nosso capitalismo de estado, engendrado em boa parte por um conjunto hegemônico de instituições rentistas teve sua origem numa colonização que em grande parte foi para exploração, e não ocupaçãoAs mentalidades que brotam dessas condições materiais de produção e que lhe dão relativa organicidade correspondem a instituições formais e informais, hábitos e valores de uma economia moldada, em grande parte, para a extirpação, e não para a produção.


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